Doidos por Amorim

OPINIÃO27.05.202003:00

O feedback que nos tem chegado de Alvalade (várias fontes) relativamente a Rúben Amorim confirma a expressão facial que todos vimos em António Salvador quando:
a) anunciou Amorim como substituto de Ricardo Sá Pinto: crença incontida, quase a roçar o deslumbramento (como quem diz: esperem só até ver o que descobri…).
b) anunciou a saída dele para o Sporting, contra sua vontade: tristeza, mágoa, frustração e alguma revolta, a despeito do milionário encaixe de dez milhões de euros na terceira maior transferência mundial envolvendo treinadores.
E também explica por que razão o presidente do Sporting, na recente entrevista ao Canal 11, manifestou uma confiança exuberante, quase cega, na competência e na visão do novo treinador,  apesar deste só ter dirigido um jogo - 2-0 ao Rio Ave em Alvalade a 8 de março - porque logo a seguir a pandemia chegou e mandou todos para casa. Percebeu-se no entusiasmo incontido com que  Varandas falou dele, reconhecendo inclusivamente que não vai conseguir segurá-lo por muito tempo (!), que Rúben deve ter mesmo alguma coisa incomum. E não se esqueçam que Varandas trabalhou com Jesualdo, Leonardo Jardim, Marco Silva e Jorge Jesus…
Aconteça o que acontecer nas dez jornadas que faltam, o treinador Rúben Amorim dificilmente deixará de ser a revelação da época, um ano depois do (então) desconhecido Bruno Lage assinar uma das mais espantosas e surpreendentes recuperações na história do futebol benfiquista, premiada com a conquista de um campeonato que se calhar todos - menos ele - julgavam perdido.
Vou lembrar, porque já vamos em quase três meses sem futebol e as pessoas esquecem com facilidade: Amorim chegou à primeira equipa do Braga em finais do ano passado (27 de dezembro) sem outra recomendação que a audaciosa profissão de fé do António Salvador no ato de apresentação (um presidente que tem Jesualdo Ferreira, Jorge Jesus, José Peseiro, Leonardo Jardim e Paulo Fonseca no currículo, lembrem-se…). Não demorou a fazer-se anunciar: uma tremenda goleada de 7-1 ao Belenenses no Jamor, no jogo de estreia (4 de janeiro), a que se seguiu uma proeza deslumbrante  e  inédita na história do futebol português: pela primeira vez um não grande (Braga) ganhou cinco jogos consecutivos (entre 17 de janeiro e 15 de fevereiro) aos três grandes - dois aos FC Porto (no Dragão e em Braga, na final da Taça da Liga), dois aos Sporting (em Braga) e um ao Benfica… na Luz.
Estava encontrado o Lage de 2020 e, claro, um alvo natural da cobiça dos grandes, sem desprimor para o Braga, que tem crescido imenso mas a quem falta ainda muito para poder ombrear com a trindade de sempre.

Cameron Diaz

Se bem se lembram, uma das melhores comédias dos anos noventa chamava-se There’s Something About Mary (Doidos por Mary, 1998). Numa sequência hilariante de gags de culto, os desmiolados manos Peter e Bobby Farrelly contavam-nos como quatro homens (se mais houvera…) se apaixonavam, cada qual à sua maneira, pela belíssima Cameron Diaz, que tinha nesse filme uma aura semelhante à de José Mourinho quando este desembarcou no Chelsea:  special dos pés à cabeça (penteado incluído, para quem se lembra do filme, eh, eh, eh). É possível que Rúben Amorim pertença a essa categoria de pessoas verdadeiramente especiais, geneticamente habilitadas a criar empatia, química e um sentimento de confiança generalizada (por vezes quase irracional) entre os que o rodeiam e trabalham com ele. São esses os sinais que chegam de Alvalade depois da curta mas impressionante estadia de Rúben em Braga. José Mourinho era assim - irradiava crença, otimismo e poder: comigo tudo é possível, yes we can - na primeira década da sua fantástica carreira. Agora é Jurgen Klopp quem irradia essa aura. Bom. No ano corrente, que ficará para a história como o da pandemia, três clubes chegaram à conclusão que o treinador Rúben Amorim tem mesmo qualquer coisa especial. O Braga. O Benfica. E o Sporting, que se chegou à frente com uma verba jamais vista no futebol doméstico.  
Relativamente às dez jornadas em falta, o único ponto de interesse é saber qual dos dois do costume (FCP e SLB, SLB e FCP) vai ganhar o campeonato e mergulhar direto nos 40 milhões da Champions. O resto, desculpem a franqueza, tem o interesse de uma intimação fiscal ou de uma hérnia discal. No caso dos sportinguistas, o interesse não é a classificação final (4.º ou 3.º) mas saber como vai o alquimista Rúben Amorim construir o onze da próxima época sabendo-se que está disposto a apostar numa série de miúdos talentosos mas ainda sem provas dadas no futebol de primeira linha (Eduardo Quaresma, Gonçalo Inácio, Matheus dez milhões Nunes, Joelson Fernandes, Tiago Tomás e o mais rodado Gonzalo Plata, só para citar os que tem sido mais falados), que representam o lógico, natural e mais que esperado regresso do clube à formação. Para os mais esquecidos, a Academia do Sporting produziu jogadores de uma excecionalidade jamais igualada na história do futebol português - toda a gente sabe os nomes. Varandas conta com Rúben para o inicio de uma nova vaga.
Eu digo-vos o que conto, em jeito de aposta: conto que Rúben Amorim vai decidir o destino do campeonato nos jogos com o FC Porto (no Dragão, 32.ª jornada) e com o Benfica - na 34.ª e última jornada, na Luz. Também vos digo que nunca um treinador ganhou sete jogos seguidos a grandes na mesma época. Nunca!