Desporto confinado até ao verão?
Mais trágico do que a própria tragédia será ficarmos, apenas, a ver a tragédia acontecer. É urgente agir e reagir. Pensar além do umbigo
O mais recente discurso do Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, foi preciso e conciso. O que é altamente elogiável pelo sentido de clareza e de eficácia comunicacional da mais alta figura do Estado, dando o exemplo na fuga aos redondos acessórios da tradicional pregação egocêntrica da política nacional.
Ninguém pode, pois, continuar a ter dúvidas, nem esperanças infundadas. Apesar do avanço das vacinas e da natural previsão de um considerável aumento de cidadãos imunizados, os números de mortos e de contágios continuarão a ser trágicos, não apenas nos próximos dias ou semanas, mas nos próximos meses. Nas perspetivas mais otimistas, até abril. Nas mais pessimistas, vão prolongar-se pelo verão.
O país terá de se preparar, sobretudo psicologicamente, para um confinamento (que poderá vir a ser ainda mais drástico) prolongado e respeitar com um sentido de responsabilidade coletiva, algo que, infelizmente, nenhum de nós poderá estar seguro, a disciplina a que o povo português sempre foi historicamente avesso.
É tempo do Desporto também assumir a responsabilidade de, além de pensar, criticar, discutir, reunir, distribuir opiniões avulsas, defender interesses particulares, enfim, mudar a rota da sua viagem de circum-navegação em redor da sua ilha e agir. O que se tem visto é que o Desporto, neste tempo de urgências nacionais, se mantém perdido na sua habitual letargia, esperando que o Estado resolva, que o Estado subsidie, que o Estado, ou alguém por ele, tenha misericórdia dessa sua triste sina de ser pobre, pequenino e indefeso.
É verdade que existem exceções. Honrosas, mas raras. O Comité Olímpico de Portugal, num quadro institucional e, também por isso, influenciador, tem dado conta pública da enorme dimensão do drama desportivo nacional e alertado para o evidente perigo de estarmos a hipotecar a formação inteira de toda uma geração de cidadãos, o que ainda é mais grave do que arrasar a base do edifício associativo em Portugal.
Também é possível encontrar um bom exemplo nas instituições que dirigem o futebol profissional. A Liga foi fazendo o seu trabalho de casa para poder continuar a organizar as suas mais importantes competições num quadro de pandemia e de estádios desertos; e a Federação Portuguesa de Futebol, a mais competente e profissional entre todas as nossas organizações desportivas, soube agir com discrição, lucidez e estratégia.
O resto é pouco mais do que uma apagada e vil tristeza, esperando milagres, aguardando, de mão estendida, quem possa ajudar. A verdade é que o movimento associativo, que tanto diz prezar a sua preciosa autonomia, nem a exerce, nem a honra.
Há um silêncio que compromete e uma ausência de reação que a todos desencoraja. E, no entanto, a certeza de que a pandemia não está de malas feitas e por cá irá permanecer ainda por muito tempo deveria ser suficiente para soarem todas as campainhas de alerta e provocar um verdadeiro estado de emergência desportiva nacional.
Mais trágico do que a própria tragédia será ficarmos, apenas, a ver a tragédia acontecer. É urgente agir e reagir. Pensar, nem que seja por uma vez, numa perspetiva de conjunto, de interesse maior do que a proteção do próprio umbigo. Discutir com seriedade e sem o vício da palavra interminável e inútil. Decidir com lucidez e sentido da realidade, para poder levar, com a força da razão de uma decisão coerente, adulta e realista, uma proposta séria e irrecusável para aprovação do poder político.