Descubra as diferenças

OPINIÃO24.04.201904:00

1. Porto e Benfica, Benfica e Porto: há que segui-los à lupa enquanto eles seguirem a par e passo até à Avenida dos Aliados ou até ao Marquês de Pombal. Sigamo-los então.

Ambos, e só eles entre nós, tiveram Europa esta semana. Com desfechos idênticos em provas diferentes: a eliminação nos quartos-de-final das respectivas provas. Desfechos idênticos, mas com resultados substancialmente diversos nos números e, sobretudo, atitudes opostas. Daí que haja, conforme a cor clubista, quem veja as coisas de forma diferente. Para o grande benfiquista Bagão Félix (que teve a hombridade de confessar algures que não conseguia ver os jogos do seu Benfica de forma isenta), a bitola principal foram os resultados: o FC Porto foi afastado com um total de 1-6 na eliminatória e o Benfica foi afastado com um total de 4-4 nas duas mãos, graças ao golo fora (que, segundo ele, já não faz sentido e que, para mim, continua a fazer todo, pois evita o desgaste acrescido dos prolongamentos, a injustiça dos penalties e promove o futebol ofensivo fora de casa). Este é um critério de análise, que, obviamente, não pode deixar de levar em conta a diferença de qualidade entre uma banal equipa como o Eintracht de Franckfurt, quarto na hierarquia de um campeonato que só tem, nos últimos anos, duas equipas de topo, e um Liverpool que é vice-campeão europeu em título e seguramente das três melhores equipas do mundo. E, por isso mesmo, o outro critério de análise é observar qual foi a atitude competitiva de ambas as equipes portuguesas.

Ora, enquanto que o Benfica foi defender uma vantagem de dois golos conquistada num jogo disputado em superioridade numérica durante 70 minutos, o FC Porto ousou lutar pelo impossível: virar uma desvantagem de dois golos. Enquanto que o Benfica assinou uma primeira parte sem fazer um só remate à baliza dos alemães, o FC Porto assinou uns primeiros 25 minutos de jogo contra os ingleses que foram, só e mais nada, o melhor futebol que vi jogar esta época em Portugal. Durante esse período, os portistas encostaram o Liverpool às cordas, dispuseram de quatro ou cinco oportunidades reais de golo e só soçobraram por um daqueles golos de VAR que, para além de muitas dúvidas sobre o acerto da decisão, deixam um rasto de crueldade a sangue-frio que, de facto, atraiçoam tudo aquilo que o futebol deve ser. Depois, enquanto que na Alemanha o Benfica só despertou vagamente para o jogo quando viu a eliminatória perdida, a 10 minutos do fim, o FC Porto, mesmo com a eliminatória já mais do que perdida, a golpes de génio individual dos milionários ingleses, continuou a lutar até ao ultimo fôlego para, pelo menos, evitar a derrota. E com toda a justiça, os seus jogadores escutaram uma das mais comoventes ovações que o Dragão alguma vez prestou a quem honra a camisola portista. Nem vale a pena perguntarem-me de que lado preferi estar, esta semana: do lado de quem foi eliminado por 4-4 por uns banais alemães, da maneira como o foi; ou do lado de quem foi eliminado por um copioso 6-1 pelo Liverpool, da maneira como o foi. É como os filmes épicos da minha infância, um Álamo ou Os Sete Magníficos: ou se sabe o que significam palavras como honra, tradição, orgulho, ou não se sabe. É por isso que, por muito que doa aos outros, o FC Porto é - e não apenas a nível de resultados - o único clube português com dimensão e estatuto internacional.

2. Seguiu-se a primeira das cinco finais do que resta do campeonato - e de tudo o que resta ao Benfica. Disputada também em condições de substancial diferença. Enquanto que ao Benfica foram dados quatro dias de descanso, ao FC Porto foram dados apenas três - numa decisão que, dê a Liga as justificações que quiser, foi uma vergonha sem cabimento nem desculpa e que, por si só, tinha o potencial para ter resolvido desde logo o campeonato. Até porque se o FC Porto tinha pela frente uma equipa sem qualquer preocupação classificativa, o Benfica enfrentava um Marítimo cujo treinador fez questão de passar previamente a mensagem aos seus jogadores de que aquele jogo não contava.

Frente ao Santa Clara, no Dragão, viu-se então e fatalmente, um FC Porto no limite da exaustão física, emocional e psicológica, terminando ali um ciclo demolidor de oito jogos em 24 dias, cinco dos quais fora, com dois frente ao Liverpool, dois em Braga e um em Portimão. Não foram só Danilo (a atravessar um mau momento), deixando o meio-campo defensivo completamente permeável, como já fizera frente ao Liverpool, ou Brahimi, repetindo a miserável prestação frente aos ingleses, mas também jogadores que tinham assinado soberbas exibições terça-feira, como Militão e Corona, claramente incapazes de renderem mais do que 10% do habitual. Vitória tangencial, contra um adversário perigosíssimo, no absoluto limite do humanamente exigível.

Já o nosso privilegiado rival, não teve de se esforçar por aí além para acrescentar mais uma goleada e uma daquelas exibições que enche os olhos aos seus benévolos críticos, mas que, vá lá saber-se porquê, só acontecem cá e perante certas equipas. No caso, tratava-se de uma equipa treinada por alguém que foi seu dedicado jogador e que, enquanto treinador, nem um só empate conseguiu sacar nas nove ocasiões em que lhe calhou enfrentar a sua ex-equipa. Pois foi a sua 10.ª derrota em dez jogos - como se esperava e anunciava. Porém, salvo melhor opinião, havia uma testada a varrer: qualquer coisa, um assomo de ousadia, um lampejo de vontade de não entregar o jogo sem mais, um sobressalto de dignidade, depois das palavras do seu treinador. Mas não: tudo se saldou por um único remate para fora em 90 minutos de jogo, contra seis golos encaixados. Ainda me passou pela cabeça que Petit não aparecesse no final para prestar declarações. Mas apareceu. Como se nada fosse.

3. Não, definitivamente não gosto do VAR. Chegaram para me convencer de vez o golo validado ao Liverpool no Dragão depois de dois minutos de laboriosa observação tecnológica, contrariando tudo o que quem lá estava, quer nas bancadas, quer próximo da jogada, vira: um claro off-side; e o golo anulado  ao Manchester City frente ao Tottenham já nos descontos, por um suposto ou real off-side igualmente milimétrico, geométrico e televisivo. E a isto podia juntar o inacreditável penalty que também nos descontos apurou o Man. United frente ao PSG nos quartos-de-final, apenas existente na opinião do VAR. Como disse Guardiola com toda a razão, o VAR serve para corrigir erros evidentes, não para tomar decisões contranatura, contra o futebol claramente visto pelos que se dão ao trabalho de ir ao estádio e pelos que estão a arbitrar em campo. Passar a festejar ao retardador a anulação de um golo que pareceu sem mácula, festejar um golo e minutos depois vê-lo anulado por um ser invisível capaz de ver coisas invisíveis, isso não é contribuir para a verdade desportiva. É matar o futebol tal como o conhecemos. E se ao menos as decisões do VAR estivessem acima de qualquer dúvida, ainda se poderia dizer que contra factos não há argumentos. Mas quando o VAR decide, contra a opinião do árbitro, que a bola no braço é penalty ou que o empurrão é penalty ou não é, não se trata de julgar factos, mas de contrapor opiniões: a opinião de quem está em cima da jogada com a de quem está em cima do ecrã. E eu prefiro a de quem está no campo: é instintiva, demora menos tempo e é tomada à vista de todos. Se é para continuar assim, então que inventem um programa de computador para arbitrar os jogos: pelo menos é mais fiável.