De volta à vida e o fim da festança política

OPINIÃO04.07.201804:00

1 - Começámos o Mundial como acabámos, ainda que, com resultados diferentes. Foram os melhores jogos da nossa selecção, com a particularidade da decisiva importância de um jogador mais do que de um colectivo. No jogo inaugural o resultado foi Espanha 3, Ronaldo 3. No jogo que ditou a nossa eliminação foi Portugal 1, Cavani 2. Acontece que ganha quem é mais eficiente e, neste aspecto, os uruguaios foram letais. Portugal precisava de dez ou mais toques e passes para rondar a baliza contrária, o Uruguai chegava lá em dois ou três passes. Foi assim no primeiro golo, dois toques no nosso meio-campo, Cavani-Suárez e Suárez-Cavani e três toques no estupendo e esteticamente perfeito segundo golo do uruguaio.

Estas primeiras quatro rondas tiveram um desfecho improvável: a eliminação do campeão e vice-campeão mundial, bem como do campeão europeu e da Espanha, ex-campeã mundial e europeia. Ao mesmo tempo saem os dois melhores jogadores do planeta, Cristiano Ronaldo e Lionel Messi, únicos ‘Bola de Ouro’ nos últimos 10 anos. Provavelmente estamos no momento em que a obsessão da escolha entre eles, por vezes patética e estimulada mediaticamente, começará a dar lugar a outros jogadores mais jovens. Destas quatro selecções agora eliminadas, Portugal foi a que mais fez para isso não acontecer, ainda que jogando apenas medianamente. A Alemanha foi uma equipa triste, cansada, enfadonha que, no último jogo contra os coreanos, parecia estar a fazer um grande frete e a querer ir rapidamente para férias. Não me recordo de alguma vez ter visto a mannschaft tão abúlica e a renunciar a todo o seu brilhante passado. Nestas grandes equipas nota-se o relativo desinteresse por estas competições no fim de épocas desgastantes e com muito menor retorno financeiro que é a bitola dominante no futebol contemporâneo. A Argentina que ainda está para perceber como chegou aos oitavos de final foi de uma mediocridade a toda a prova. O que se poderia esperar de uma equipa treinada por um tal Sampaoli que mais parece um halterofilista falhado, com tatuagens em todo o corpo e um ar de burgesso futebolístico das pampas? Aliás, a Argentina tem uma federação de futebol que, de ora em vez, escolhe uns artistas para seleccionador, como antes já fora com esse magistral jogador Diego Maradona, mas que como treinador foi a imagem folclórica da degradação e da irresponsabilidade. Absolutamente inconcebível como o actual treinador não aproveitou o prodigioso Dybala e quase não utilizou Aguero e Higuaín!  A Espanha foi desesperante na frouxidão com que jogou contra uma medíocre Rússia e o incomparável Iniesta merecia bem mais na sua despedida…

2 - Portugal não jogou bem, salvo nas excepções atrás referidas. No entanto, viu-se que os jogadores estiveram sempre com muita vontade e sentido profissional. De um modo esquemático, Portugal foi quase apenas Ronaldo + Rui Patrício + Pepe. Podemos juntar a este trio mais influente, Bernardo Silva, um bom jogador que não engana e Quaresma que, como regra, oscila o soberbo com o decepcionante. O resto foi demasiado mediano, com os laterais defensivos a deixar muito a desejar. Por isso, ainda me custa a perceber que Nélson Semedo não tenha sido convocado. Também acho de grande injustiça a não convocação de Éder, o herói da final de Paris. Além de ter feito uma boa época na própria Rússia, merecia esse prémio e o fetiche do golo da final europeia, até porque o escolhido André Silva, uma invenção mediática que muito rendeu ao FCP e que teve uma fraca época em Itália, lhe é inferior e nunca justificou, até ver, a escolha para ponta-de-lança, lugar onde há um evidente défice de talentos.

Portugal acabou, assim, por perder depois de uma notável série de 12 jogos sem derrotas nas fases finais de campeonatos mundiais e europeus. No entanto, não nos iludamos excessivamente. No Europeu 2016 e neste Mundial, nos 90 minutos de jogo e num total de 10 jogos antes do Uruguai, empatámos 8 vezes quase sempre com selecções inferiores (Áustria, Hungria, Islândia, Polónia, Croácia, Irão), para além da França e Espanha, e só ganhámos a Gales e Marrocos. Valeu-nos Ronaldo e … Éder! 

Portugal está fora da competição, o que é frustrante para os nossos sonhos. Patriotismo à parte, apenas salientaria uma consequência positiva deste facto. O país vai voltar ao real, os media vão deixar de estar capturados por tudo e o seu contrário a propósito da bola, as televisões deixaram de ter matéria-prima para horas e horas sem fim, sobre o antes e o depois das partidas, acabaram as doses cavalares de patriotismo bacoco, de excitantes entrevistas no Terreiro do Paço e outras paragens e de historietas mais ou menos tontas que nos foram enviadas numa enxurrada inconsequente. Era o pequeno-almoço dos craques, o penteado do fulano ou beltrano (houve até uma reportagem numa barbearia por terem aumentado os «cortes à jogador da selecção»!), era a entrada ou saída excitante no autocarro, eram as insónias de alguém, era a qualidade do bife que os jogadores comiam ou a bavaroise a que aspiravam para o jantar, etc., etc.

A festança política do vaivém, em forma de carrossel entre o Estado-futebol e o futebol de estádio, dos mais altos dignitários da República Portuguesa, do ora agora vais tu, ora agora vai ele, ora agora vou eu, terminou. Nesse aspecto, o Presidente da República ganhou ao Primeiro-Ministro - a quem lhe telefonava antes dos jogos para dar sorte (?) - e ao presidente da Assembleia da República por 2 presenças contra uma. Nessas duas presenças, Marcelo Rebelo de Sousa, falou na flash interview, com um biombo por trás cheio de publicidades patrocinadas, o que, lamento dizer, não me parece adequado ao mais alto magistrado da Nação. Ah, e o ministro da Educação, pois claro, também andou por aquelas bandas da Federação Russa, não para tratar da séria questão das escolas e dos professores, mas para dar a táctica de como, por via do futebol de selecção, se pode procrastinar a resolução dos problemas que tem no seu gabinete ministerial. Acabou, assim, esta via verde de populismo-futebol, em que eram só sorrisos, afectos e optimismo a rodos e compita para ver quem mais endeusava os rapazes da selecção. Literalmente foi tudo entre xutos e pontapés. No Rock in Rio, com a copiosa chuva a proporcionar um ambiente etéreo, lá estava o trio de Estado (e de Estádio) tão amigo a cantar e dançarolar, num acto de homenagem que - sem por em causa o talento do nosso compatriota falecido em novembro- jamais vi para outros e bem ilustres portugueses. Um exagero acasalado com a exageração de trazer o futebol para o acervo político.