Dar tempo ao tempo!...
Rúben Amorim, cá e lá fora, deve dar tempo ao tempo, porque o tempo certo cá dar-lhe-á o tempo exacto para enfrentar o tempo lá fora
ESTE tempo, de um tempo que não quero voltar a viver, até porque, muito provavelmente, já não vivo mais de vinte anos, era o tempo de esfregar as mãos de uma esperança pouco verde - para o ano é que vai, ou melhor na próxima época é que vai ser.
Foi o tempo em que as perspectivas e as expectativas eram grandes, perante a vinda de um novo treinador, e de não sei quantos jogadores, ainda que alguns se dissesse que não tinham qualidade para jogar no Sporting, referindo-se não a esse, mas a um Sporting de outro tempo - um tempo de violinos que jogavam e não um tempo de violinos para nos entreter.
Como está diferente o Sporting que apareceu com a pandemia para terminar com o pandemónio de entradas e saídas, para falar apenas em tempos mais recentes, que nos causavam um fosso competitivo que me fez desesperar. Era um tempo de balbúrdia, de confusão, de falta de identidade, de um caminho que parecia não ter rumo. Era um tempo de caminho aos baldões, que é aliás um modo de caminhar muito em voga dentro e fora do futebol. Sempre a adiar ou iludir soluções, fechando os olhos à evidência, em vez de a discutirem serenamente. Adaptando-a as condições do meio ou de cada povo, e tendo em vista o interesse superior do clube, ainda que a todo o tempo se clamasse por ele.
Com a pandemia a acabar com o pandemónio, veio a bendita e tumultuosa transferência do treinador do Braga para o Sporting Clube de Portugal por dez milhões de euros que trouxe uma nova vida ao leão adormecido e com dificuldade em acordar. E se correr bem, perguntava o jovem e inexperiente treinador, que dava pelo nome de Ruben Amorim?
Esta pergunta atrevida dirigida a um povo descrente e sem auto-estima, fez-me acreditar que finalmente havia alguém que tinha um projecto e que queria pôr o Sporting num caminho diferente e sem recuo. Ainda há dias ele dizia, a propósito de Slimani, ou melhor, do comportamento de Slimani, que se recusava a voltar para trás e que não contassem com ele para esse retrocesso.
De uma vez por toda percebamos que nada, nem ninguém, é superior ao clube. E esta é a lição prática que Ruben Amorim deu a todos nós, que muitas vezes consideramos símbolo do clube aqueles que passaram por Alvalade apenas por passar. Símbolos do Sporting Clube de Portugal, para além das corres tradicionais do verde e branco, é apenas o leão, significando este a força, destreza e lealdade que devem constituir apanágio de toda a actuação do Sporting Clube de Portugal. E isto causa tanto receio e perplexidade aos adversários, que os seus comentadores e cartilheiros logo elevaram Slimani ao bom da fita, para provocarem algum mal-estar entre os sportinguistas e o seu actual treinador, num exercício de cinismo e hipocrisia!
Quero ser muito claro e assertivo: gostei muito do Slimani e posso ter muitas saudades do jogador; não tenho é muitas saudades desse passado e gosto muito do presente: não há vacas sagradas há mais de dois anos e não as quero de volta. Com eminências não vamos a lado nenhum, sem ser para trás; com trabalho e humildade podemos ir longe, como se vem provando.
Este é um tempo de destabilização com anunciadas saídas de quase todos os jogadores do Sporting, em grandes parangonas, que, pelo contrário, no que respeita aos outros, são para anunciadas entradas de tudo quanto é jogador estrangeiro para crescer no Seixal. Não vendem as noticias sobre a vinda de um central do Mainz, nem de um japonês dos Açores. E eu, nas calmas e tranquilo, como não era habitual em mim.
E a comunicação social partidária e nossa adversária, percebendo que o assédio aos nossos jogadores já é chão que deu uvas, porque o projecto pode abanar, mas não cai, virou-se para o nosso treinador, pondo-o de saída todos os dias, por mais que ele diga que têm que levar com ele, pelo menos, mais um ano, mesmo correndo o risco de ser despedido!
Os sportinguistas que me interpelam na rua andam mesmo preocupados com a eventual saída do treinador, e eu tranquilizo-os, não porque tenha alguma informação privilegiada, mas, pura e simplesmente, por convicção e acreditar sincera e desinteressadamente, que não seria o melhor passo para sua ainda curta carreira, apesar de sucesso e por isso mesmo.
Como todos sabem, paternalismo, também usado num sentido pejorativo, é uma concepção segundo a qual as pessoas que detêm a autoridade devem desempenhar, para aqueles sobre os quais é exercida, um papel análogo ao do pai para com os filhos. Meu Pai nunca foi paternalista e eu também não o sou, e evito que me considerem como tal, quando me permito dar um conselho a alguém que, pela sua idade, pudesse ser meu filho. Nem com os meus filhos eu tenho esse comportamento. Sinto, no entanto, passados trinta e cinco anos sobre a sua morte, para além da saudade a falta do seu conselho paternal e até da sua ajuda profissional, pese embora os cinquenta anos de advocacia celebrados a semana passada. É por isso que, muitas vezes falo com ele, quando tenho de tomar algumas decisões na vida: ser do Sporting foi uma decisão dele; ser dirigente do Sporting foi o seu conselho, não obstante a minha inclinação para a politica - “ser vice-presidente do Sporting é mais importante que ser ministro”! E teve razão!...
Veio á baila o paternalismo para me demarcar dessa concepção, no que respeita ao futuro de Ruben Amorim, isto é, a minha opinião e convicção, não é um conselho para ele, que deles não precisa, antes um pensar em voz alta sobre alguém que nem conheço pessoalmente, mas que estimo e considero, e a quem estou grato pelo que trouxe, não só ao Sporting, mas ao futebol nacional.
Como lembrou há José Manuel Delgado, num dos seus artigos, a última palavra dos Lusíadas, é inveja, um sentimento que não é só português, mas que é muito português! E Ruben Amorim sabe bem que o seu sucesso causa desgosto a muita gente aqui e causaria a muitos outros lá fora que, com mais anos de tarimba, não perdoariam o êxito a um treinador tão jovem e português.
Pese embora a inveja que causa e causará - e ela é evidente - Ruben Amorim, mudou o panorama desportivo na forma de comunicar, não considera o futebol um drama, e prima pela qualidade com que fala sobre futebol e ensina quem não sabe - como é o meu caso - a ter uma visão diferente do jogo jogado. O adepto do futebol gosta de quem comenta de forma simples o que é simples, que vê o mesmo jogo que ele viu, e sobretudo, porque não enfrenta, nem os adeptos, nem a comunicação social, com aquela arrogância de que só os treinadores percebem de futebol e para os outros é uma ciência oculta.
Não são, pois, os adeptos, designadamente, os do Sporting, que o querem ver lá fora, mas antes aqueles que o elogiam pela frente e pelas costas o querem no estrangeiro, para ver se escorrega. Ruben Amorim é um homem inteligente e percebe o que eu estou a dizer!...
É esta a razão do título desta modesta crónica. Ruben Amorim, cá e lá fora, deve dar tempo ao tempo, porque o tempo certo cá dar-lhe-á o tempo exacto para enfrentar o tempo lá fora. O tempo certo agora é Portugal e no ... Sporting Clube de Portugal!
«Rúben Amorim sabe bem que o seu sucesso causa desgosto a muita gente»
JOSÉ MOURINHO
Apropósito, esta semana foi outra vez o tempo de José Mourinho, invejado por muitos, designadamente, por aqueles que lhe deveriam estar gratos por ter aberto as portas aos treinadores portugueses no estrangeiro. Mal José Mourinho teve um tempo mais sombrio, logo os invejosos saltaram para clamar que ele já não era o treinador “special one”, mas sim o treinador que só tinha sucesso em grandes clubes com grandes e caros jogadores.
Felizmente, que os que lhe auguravam o caminho do retrocesso, estão agora calados, agarrados a um qualquer remédio para a azia.
Em minha opinião, a sua carreira foi determinada por ele que terá sabido escolher o tempo certo para seguir o caminho certo. Também alguns, no tempo certo e na hora certa, quiseram José Mourinho no Sporting.
E lembro-me sempre desse tempo de 2001 como o tempo que antecipou Alcochete de 2018. Provavelmente, teria sido o tempo de evitar Alcochete de 2018. Mas é o que acontece quando se deixa o poder cair na rua!...
HENRIQUE MONTEIRO
Omeu consócio e companheiro nestas páginas, que eu muito estimo como defensor da causa leonina e como jornalista de referência do Expresso, que vi nascer na minha juventude, resolveu - acho eu - fazer uma pausa. Por isso, não me despeço dele, mas antes deixo um até já, e, entretanto, vamo-nos vendo por Alvalade ou na ... Quinta da Bola!