Da contestação a Jesus...

OPINIÃO13.12.202106:00

Calar quem está de fora é um papel que cabe ao treinador, calar quem está dentro é a função do presidente. De Rui Costa, portanto

JORGE JESUS não está habituado a tanta contestação. Muito menos no Benfica, como fez questão de referir quando confrontado pelos jornalistas com os lenços brancos e os assobios que viu e ouviu depois do jogo com o Dínamo Kiev. Tem razão. Nem nos seus piores momentos no Benfica (e teve muitos durante a primeira passagem pela Luz) foi tão evidente o divórcio entre o treinador com mais títulos conquistados no clube - goste-se mais ou menos do estilo, do feitio ou das táticas, é um facto que ninguém, pelo menos até alguém ganhar no Benfica mais do que Jesus ganhou, pode apagar - com uma franja significativa de adeptos benfiquistas. Tem, portanto, Jesus razões para estranhar, agora, a animosidade dos benfiquistas. Mas a verdade é que não é (nem para o próprio Jesus pode ser) uma surpresa. Por duas razões:

1. Jesus voltou ao Benfica por teimosia de Luís Filipe Vieira, que  foi contra aquela que era a opinião de boa parte dos adeptos e, pelo que se vai percebendo, de alguns elementos que com ele compunham a Direção. Sem resultados, sabia Jesus e sabíamos todos que aqueles que, mesmo sem responsabilidades no clube, estavam contra o seu regresso à Luz não lhe perdoariam. E eram, já na altura, uma franja significativa de benfiquistas, a que se juntaram, entretanto, muitos outros. Como se isso não fosse suficiente, a saída de cena de  Vieira deixou Jesus praticamente isolado no próprio Benfica, com alguns daqueles que nunca o quiseram de volta apostados numa espécie de vendetta sem tréguas que vai desgastando, de dentro para fora, a imagem do treinador - sem se preocuparem muito com o facto de também a imagem do Benfica se ir desgastando... 

2. Mesmo nos piores momentos, Jesus tinha sempre um ponto a seu favor: o Benfica jogava bem. Até naquele ano em que perdeu tudo em pouco mais de uma semana os adeptos reconheciam qualidade futebolística a uma equipa que, com um pouco mais de sorte, podia ter ganhado tudo. E isso fazia, naturalmente, a diferença. Hoje, aquilo que vemos é uma equipa que não ganha tantas vezes como devia ganhar e que, mesmo quando ganha, não joga bem - para não dizer, pura e simplesmente, que joga mal. E, mais do que uma ou duas derrotas, é isso que verdadeiramente pesa no julgamento das bancadas. Claro que nenhum benfiquista gosta de perder na Luz contra o Sporting. Muito menos contra um Sporting que jogava sem Coates e Palhinha. Mas o que verdadeiramente nenhum benfiquista admite é ver o Sporting (muito menos um Sporting tão debilitado) subjugar da forma como subjugou o Benfica em sua própria casa. Como podiam não culpar o treinador?
 

Passagem aos oitavos de final da Champions não chegou para evitar críticas a Jesus


Terá Jorge Jesus razão em sentir-se injustiçado ao ver lenços brancos e ouvir assobios durante e após um jogo em que a equipa garantiu a passagem aos oitavos da Champions? Talvez. Mas isso só vem, no fundo, dar força à ideia de que para os adeptos os resultados não são tudo. Nem no Benfica nem em lado nenhum. Significa isto que o lugar de Jorge Jesus como treinador do Benfica está, nesta altura, em risco? Não. Porque quem decide a continuidade dos treinadores não são, ou não devem ser, as bancadas, mas sim os dirigentes. No Benfica e em todo o lado. E os dirigentes têm, naturalmente, o dever (que os adeptos não têm) de olhar mais para os resultados do que para as exibições. E a verdade é que, apesar da contestação, externa e interna, Jesus está a cumprir os objetivos que lhe foram propostos. Tão simples como isso.

Claro que Rui Costa não pode ser indiferente àquele que é o sentimento dos adeptos que o elegeram. E terá, mais tarde ou mais cedo, de tomar uma decisão sobre Jesus. Mas, para já, devia apenas decidir dar um murro na mesa e dizer, internamente, que enquanto Jesus for o treinador do Benfica deve ser defendido por todos aqueles que trabalham ou têm funções diretivas no clube. Porque calar os de fora é papel do treinador, calar quem lá está dentro é a função do presidente.