Coração vermelho

OPINIÃO09.11.201803:00

O Benfica de Rui Vitória parece estar a ficar mentalmente esgotado. Normal, por um lado; comprometedor, por outro. Normal porque a equipa não tem ganho e como não tem ganho perde confiança e como perde confiança não acerta com as agulhas e como não acerta com as agulhas respira apressadamente e faz tudo com maior esforço. Comprometedor porque o seu estado não traduz apenas falta de confiança; dá perigosos sinais de algum esgotamento e, como sucedeu quarta-feira, parece equipa a jogar muito mais com o coração do que com a cabeça. Enquanto o coração aguenta, a equipa ainda se agita, luta, tenta e não vira a cara a nenhum duelo. Mas quando o jogo pede mais cabeça já nem o coração responde. E sem cabeça não há organização e sem organização é muito difícil haver controlo e sem controlo é muito mais fácil derrapar.

O Benfica de quarta-feira, no regresso do embate com o Ajax perdido há duas semanas em Amesterdão, voltou a ser uma equipa que corre mais do que pensa e como corre mais do que pensa desgasta-se muito mais e muito mais depressa. Talvez por isso o Ajax tenha (pelo menos foi o que pareceu…) acabado o jogo muito mais fresquinho do que o Benfica. Porque no jogo que o Ajax fez na Luz talvez a bola tenha corrido mais do que os jogadores. Como sempre, a questão não está em quem corre mais, mas sim em quem corre melhor. E quem corre melhor está sempre mais perto de ser mais eficaz. E os mais eficazes ficam naturalmente mais perto de obter melhores resultados.

Dirá o leitor: mas o Benfica esteve muito mais perto de ganhar… bastava o Gabriel ter aproveitado a melhor oportunidade de golo do jogo. Pois, se tivesse aproveitado…

Não aproveitou por infelicidade? Também, evidentemente, porque quando se falha é-se naturalmente infeliz. Mas Gabriel estava já de rastos, o jogo chegava ao minuto 90+5, o médio brasileiro - que não tem jogado muito, como se sabe - deu o que tinha e o que não tinha, sendo que foi um pouco o espelho da própria equipa, ou seja, mostrou sempre muito mais coração do que cabeça no sentido em que falhou em momentos decisivos como o do chamado último passe ou naquele momento de decisão.

Claro que são coisas que acontecem no futebol, mas às vezes não acontecem assim tanto por acaso como à primeira vista se possa pensar. Não se trata de arranjar justificações para tudo e mais alguma coisa como se um jogo de futebol pudesse ser programado como na Playstation.

Mas a verdade é que não pode ser exatamente por acaso que o Benfica não ganha há quatro jogos (Ajax-Belenenses-Moreirense-Ajax). E que nesses quatro jogos sofreu sete golos e marcou apenas dois. Tem acasos mas também terá muitos mais do que acasos.

Vejamos, como exemplo, o alinhamento do Ajax na segunda parte do jogo de quarta-feira. Uma equipa com cabeça, tronco e membros, que controla os tempos do jogo, a posse da bola, que se agrupa e se estende conforme as necessidades. Sempre linhas de passe, sempre apoios ao jogador que tem a bola, sempre organização suficiente para que nunca um jogador fique entregue a si próprio, sempre desmarcações, diagonais, dinâmica, reação mais rápida.

Falhou o Ajax na 1.ª parte, e cometeu erros evidentes, é verdade, porque o Benfica com o seu coração e talento (Grimaldo, Jonas, Salvio, Gabriel) obrigou o adversário a falhar. Mérito da equipa de Rui Vitória nesse período, mas ainda assim com a amarga sensação de estarmos a ver uma equipa sempre menos coesa e mais individual do que coletiva, se  me faço compreender.

A verdadeira infelicidade foi, depois, perder Jonas e Salvio. São contingências do jogo mas, essas sim, as verdadeiras infelicidades porque ninguém pode estar realmente preparado para as evitar. Treina-se o remate, o posicionamento, a reação, a capacidade de decidir, o controlo emocional, a componente atlética. Mas é impossível treinar contra algumas lesões, sobretudo contra as chamadas lesões traumáticas - porque se torce o joelho ou o pé (como sucedeu com Salvio) ou porque se leva uma pancada ou um duelo mais duro resulta num problema físico mais difícil de superar, como parece ter acontecido com Jonas.

Sem Jonas e sem Salvio o Benfica acabou por perder o que às vezes mais diferença ajuda a fazer em jogos desta natureza, que é a classe, essa classe, por exemplo, que muito em particular Jonas mostrou quando fez o golo benfiquista.

Sem classe, sem confiança, sem frescura, sem uma certa cultura de exigência, compromisso, trabalho e organização - aquela cultura que o Benfica, queira-se admitir ou não, ganhou com Jorge Jesus - a equipa de Rui Vitória parece fragilizar-se a cada resultado menos positivo.

Incontornável é que não é de hoje que o Benfica se mostra mais vulnerável. Mas hoje, entre outras coisas, parece viver até uma certa crise de excesso, porque tem um plantel extenso e dá a ideia de não o aproveitar o suficiente para o poder manter alerta, ligado, rodado e confiante. Terá jogadores a mais? E estará bem construído no sentido das necessidades da equipa? Perguntarão, por exemplo, os adeptos: para quê ter quatro avançados se apenas joga um? E se esse um não é Jonas - e Jonas já não dá, visivelmente, para tudo - parece que não há quem seja capaz de matar os jogos.

Jonas, sublinho a opinião, não apenas já não dá para tudo como está cada vez menos fresco para o 4x3x3. É a minha opinião -  vale o que vale, mas é a minha.

Já o escrevi: este Benfica tem sido no campeonato português uma equipa bipolar - ou faz coisas muito boas ou muito más. E está claramente, como todos reconhecem, numa fase em que faz mais coisas más do que boas, porque nem mesmo uma jogada que começa bem disfarça o momento quando acaba mal.

Mas na Europa a coisa ainda se complica mais porque a natureza da competição é tão mais exigente que o Benfica dificilmente consegue mostrar muitas coisas muito boas, sobretudo porque me parece sentir muitas dificuldades no processo defensivo da equipa - não confundir com a ação dos quatro homens que compõem a defesa -, no modo como toda a equipa se comporta quando não tem a bola. Processo defensivo que é exatamente onde (é inevitável comparar) um treinador como Jorge Jesus é fortíssimo, na minha opinião, chegando mesmo um dos melhores do mundo.

O modo como o Benfica permitiu que o Moreirense fizesse três golos e ganhasse com aquela limpeza na Luz (tal como tinha acontecido, recordo, com o Tondela, nas últimas jornadas do último campeonato) reflete bem o que digo. Se o bom jogo ofensivo da águia nos corredores laterais está em dia não, tudo fica mais difícil. Em resumo, este Benfica tem sido demasiado vulnerável quando não tem a bola. E é sobretudo sem bola, parece-me, que uma equipa melhor mostra o equilíbrio, a coesão e a organização. E é sem bola que mais se expõe.

Mais duas máximas incontornáveis: todas a equipas jogam o que treinam e nenhuma equipa pode aspirar a ser realmente grande sem ter, em primeiro lugar, um bom processo defensivo.

Deve o Benfica pensar nisso. Porque só o Benfica pode saber como treina a equipa, como está a ligação de treinador com os jogadores, se passa ou não a mensagem e se a mensagem de Rui Vitória é suficientemente forte. Para os adeptos, fica o que se vê no campo.

Com o coração em sobressalto.

Jorge Mendes recebeu em Lisboa um reconhecimento talvez inesperado mas inteiramente merecido. Foi distinguido na Web Summit com o prémio Web Summit Innovation in Sport Award (prémio entregue pelo ex-campeão do mundo de F1, Nico Rosberg!!!) por ser personalidade com tão grande impacto no mundo do futebol. Foi a primeira vez que o prémio foi atribuído e é um orgulho que tenha sido atribuído a um português que, provocando ou não a inveja do costume no nosso país, ajudou a transformar muito o futebol português com os benefícios financeiros e a projeção desportiva que foi construindo para clubes, treinadores e jogadores. Queira-se ou não, todos lhe devemos muito. Mesmo muito!

Tive, vindo de Turim, o melhor dos dois mundos. Um grandíssimo golo (fabuloso!, fabuloso!, fabuloso!) de um Ronaldo que não precisava propriamente de ganhar e a vitória de José Mourinho (mesmo obtida como foi), para o deixar respirar junto dos que parecem só lhe querer mal em Inglaterra. Vibrei com um Ronaldo que foi, mais uma vez, o melhor em campo, mas não gostei de ver Mourinho reagir como reagiu no final. Enfim, feitios. Mas não lhe fica bem. E acredito que Mourinho também acha o mesmo.

PS: O Sporting arrancou estimulante e merecido empate em Londres, num campo onde as equipas portugueses têm sido, simplesmente, massacradas! Não fez um remate à baliza (que me lembre) mas defendeu bem. E pode o ‘bombeiro’ Tiago Fernandes reclamar total mérito na boa aposta no miúdo Miguel Luís.