Convicções!...
Eu já sabia que as minhas considerações sobre a última Assembleia Geral do Sporting Clube de Portugal iriam merecer algumas considerações menos abonatórias por parte de uns e aplausos por parte de outros. E não me estou a referir ao tema concreto dessa assembleia - a expulsão de dois sócios - mas, sobretudo, aquilo que mais interessa, que é a sua competência e composição.
As massas, e refiro-me às massas de sócios e adeptos, têm muita força, e essa força da paixão, da emoção e de outros sentimentos menos nobres e com objectivos ocultos ou pouco claros têm manifesta influência nas decisões dos órgãos eleitos.
E essa força ruidosa vai-se impondo na prática, não obstante não conseguir bater os votos dos que ponderam as suas posições de uma forma sensata e construtiva e votam no segredo da urna. A diferença entre votos e votantes vai-se, no entanto, esbatendo e preocupa-me sobremaneira o caminho que está a ser percorrido, ante a passividade dos que se preocupam com o imediato sem olhar o futuro que está ao virar da esquina.
Na verdade, vejo os sócios e adeptos, dos mais diversos quadrantes, com que me cruzo todos os dias interrogarem-se e interrogarem-me sobre se «vai ser este ano», quando se deveriam interrogar o que vai ser o Sporting Clube de Portugal, no futuro imediato, em termos de projecto nacional e internacional, designadamente, no futebol. E era isto que eu gostaria de ver discutido ao mais alto nível e não ao nível da arruaça ou do insulto. Gostaria de discutir ideias e não idiotices!
Para começar, eu gostaria que à afirmação de que o clube é dos sócios correspondesse o respeito pelo princípio de que a uma sociedade anónima é dos accionistas, e não apenas do clube acionista de referência, maioritário ou minoritário!
Ora, quando olhamos para o número um do artigo nono dos estatutos da SAD do Sporting onde se lê que «têm direito de participar na Assembleia Geral, aqueles que comprovarem pela forma ou formas legalmente admitidas, que são titulares ou representam titulares de acções da sociedade que confiram direito, incluindo a hipótese de agrupamento, a pelo menos um voto...» e para o número três que refere que «a cada cem acções corresponde um voto», logo percebemos que ela não é aberta à universalidade dos acionistas, isto é, não é tudo ao monte e fé em Deus!...
O mesmo aliás acontece em todas as grandes sociedades anónimas (e não só), a menos que o número de sócios ou acionistas seja reduzido. Toda a gente sabe que numa assembleia com muita gente pouco ou nada se discute de importante. Foi sempre assim e assim continuará a ser!...
De resto, a lei que dispõe sobre este tipo de associações, como são os clubes não impõe que o órgão social Assembleia Geral seja composto por todos os associados. E, por isso mesmo, o artigo 41.º dos Estatutos do Sporting Clube de Portugal estabelece que «na Assembleia Geral, composta pelos sócios efectivos no pleno gozo dos seus direitos, e admitidos como sócios do clube há pelo menos doze meses ininterruptos e que tenham, de acordo com a lei, atingido a maioridade, reside o poder supremo do Clube». Isto é, a assembleia é composta por sócios efectivos, não por todos os sócios efectivos. Como se vê, há logo uma restrição que é a não participação de sócios com menos de doze meses! E, como é óbvio, longe de ser uma restrição suficiente ou com significado, é antes uma porta aberta para que num ou dois anos a assembleia possa ter um figurino completamente prejudicial ao clube. Será que os sócios ainda não se aperceberam disso? Ou será que alguém quer que cada vez haja mais confusão, para que o interesse do Sporting seja cada vez mais difuso, para gáudio de interesses particulares e perigosos e dos nossos adversários?
Quando eu sustento que o futebol do Sporting tem de ser gerido por uma SAD, onde, salvaguardados os valores do Sporting, que aliás têm andado mal tratados, a maioria do capital pode não pertencer ao clube, vêm-me com a história que o Real Madrid e o Barcelona são grandes clubes, clubes vencedores e não são sociedades anónimas! É uma verdade, mas são praticamente as excepções entre os grandes clubes da Europa e do Mundo, pois hoje os grandes colossos são sociedades anónimas, puras e duras, onde o problema da maioria do capital ser do clube não se põe, nem o accionista de referência é um clube.
Não me vou pronunciar sobre este aspecto da maioria ou da minoria ser de um clube - mas não deixarei de vir a focar-me nesse tema - limitando-me agora a perguntar se os adeptos dos clubes ingleses ou italianos (que são ou não acionistas) não amam a sua equipa, nem têm a mesma paixão que nós temos, não enchem os estádios (como nós não enchemos) e vibram pela sua «sociedade anónima»?
Mas, indo para o Real Madrid e para o Barcelona, já consultaram os respectivos estatutos? Se não o fizeram ainda tenham essa curiosidade, pois perceberão qual a forma de governação desses clubes e talvez assim tenham a humildade de perceber que a democracia sem regras não leva ao sucesso, mas ao insucesso; que a falta de respeito pelos valores e pelas pessoas são preservadas no seio das gestões competentes e sérias, sem prejuízo de uma gestão realista e moderna.
Consultem os estatutos de outros clubes, sejam associações ou sociedades anónimas, e vejam os seus sistemas de governação, e como são constituídas as assembleias gerais. Ouvem falar dessas assembleias gerais? Vêem programas de televisão a discutir durante horas e dias a fio, antes e depois dessas assembleias gerais?
Perdoem-me os meus caros leitores e particularmente os sportinguistas, o meu desabafo de hoje, mas não consigo perceber como é que acham que estão nestas assembleias gerais a solução dos problemas do Sporting Clube de Portugal.
É que a solução está na estabilidade, mas não há estabilidade com assembleias gerais deste género. Não é com instabilidade permanente que se ganha. O futebol da actualidade não é assim que se «governa».
Não chega, como é evidente, para ganhar alterar apenas o modelo das assembleias gerais, com todas as consequências. É apenas um início de um processo de modernização, absolutamente indispensável. Mas, de imediato, sem alteração na estrutura e funcionamento do órgão onde reside o poder é quase natural o futebol continuar a perder, sem prejuízo da Rainha Isabel poder ainda transformar o pão em rosas!...