Confronto com o novo, o desafiante e o exigente
Não devem os nossos governantes temer o confronto de ideias e opiniões
POR vezes acontecem-nos momentos a não esquecer. Foi o que me aconteceu ao ler no passado dia 3 de janeiro num jornal diário o sociólogo Boaventura de Sousa Santos, numa sua opinião intitulada «Onde estamos?».
Com a assertividade que sempre o caracterizou, dizia então, «a nossa classe política é o espelho de uma sociedade que nunca investiu na educação e na ciência. É, em geral, ignorante, pensa pequeno, teme riscos e protege-se no círculo de amigos, parentes e cúmplices para não ter de se confrontar com o novo, o desafiante e o exigente.»
Ao lê-lo não pude deixar de constatar quanto muito disto se verifica igualmente na nossa atual realidade desportiva. Nomeadamente no que respeita à atual tutela governamental do desporto português. Não se lhe regista um propósito, desconhecemos a definição prévia de uma missão, falta-nos algo inspirador que nos mobilize e galvanize.
Como diz Sousa Santos na sua opinião, a nossa sociedade, «em vez de se preparar para correr, está preparada para o corrente.» O que ilustra bem um retrato ainda mais objetivo das (poucas) preocupações reveladas até ao momento pela atual tutela política do desporto português.
Como é do conhecimento público, vivi nos últimos seis anos uma experiência de aprofundamento filosófico do comportamento humano. Cujas conclusões têm tudo a ver com esta minha opinião. Nomeadamente no que se refere a que urge no desporto português estarmos atentos a três questões centrais:
a) Que não confundamos tudo o que a ciência nos permite conhecer e aprofundar com a verdade contida no ato de conhecer através da experiência subjetiva, «(...) é ilusório ter um discurso científico sem levar em conta a base primitivamente subjetiva na qual assenta todo o ato de conhecimento.» (Naccache, L., L’Introspetion de la perception visuelle, mythe et realité)
b) Que, existe um primado da ficção no modo como percecionamos a realidade em que nos inserimos; por vezes, satisfazemos aquilo que em determinadas circunstâncias gostaríamos que estivesse a acontecer: isto através da «existência de atividades interpretativas que visam não propriamente ajudar a traduzir fielmente o que está em causa percebermos, mas sim oferecer-nos a satisfação e o reconforto que só o reinado do significado é capaz de proporcionar,» (Naccache, L., L’Introspetion de la perception visuelle, mythe et realité)
c) Que, é através da experiência vivida que conseguimos verdadeiramente assumirmo-nos com um todo, como um verdadeiro ser do mundo que reconhece que «a apreensão percetiva do mundo se baseia na ação de viver e que é preciso dar prioridade ao ato, tal como acontece no sentir, no perceber e no agir… o organismo está como uma unidade perante o meio que o envolve.» (Récopé, M., Fache, H., La sensibilité incorporée des volleyeurs les plus ‘actifs’).
SENDO complexa e difícil a defesa simultânea a nível comportamental do interesse individual e dos objetivos comuns apontados pelo coletivo, é por demais evidente que reside nessa necessidade o que devemos desejar enquanto preocupação central dos nossos governantes. Precisamos que demonstrem a cada momento que nas suas funções políticas estão principalmente disponíveis para aderir ao objetivo de servir, mais do que se servirem.
Não basta que enunciem constantemente processos de intenção, pois precisamos que o demonstrem através de uma prática política incentivadora e mobilizadora da nossa motivação. Através do seu exemplo, que nos demonstrem nessa sua prática quanto o interesse coletivo se deve sobrepor ao interesse partidário.
Afinal, urge que consigam ir mais além do faz de conta com que tantas vezes nos procuram iludir. Aprendendo com os erros e melhorando de forma continuada.
NENHUM ser humano é um ser passivo perante a realidade que o rodeia. Pelo contrário, confronta-a e aprende com ela através das diversificadas experiências e do continuado intercâmbio com aqueles com quem se relacionam. O que fundamenta de modo decisivo quanto urge avançar no sentido de também os nossos políticos assumirem a importância da sua aprendizagem e treino comportamental.
Antecipando e corrigindo eventuais reações emocionais que prejudiquem o interesse coletivo e assumindo que as emoções e os sentimentos constituem algo com que convivem a cada momento das suas vidas e a que devem atribuir a importância necessária.
Porque lhes provocam sensações, (agradáveis ou desagradáveis!) mas, principalmente, escapam muitas vezes ao seu controlo, conduzindo-os a reações absolutamente inesperadas.
Justifica-se assim insistir que só convivendo com as suas emoções os nossos governantes serão capazes de potenciar com a maior eficácia possível as emoções de todos nós, tal como mobilizar a nossa capacidade de motivação e superação.
Precisam afinal de adquirir hábitos entendidos como socialmente positivos, através da educação e do treino a que forem sujeitos, naturalmente condicionados pelo ambiente social em que se integram. Dando a devida importância às oportunidades e experiências vividas, à paixão com que se entregam à busca da melhoria pretendida e, principalmente, à presença e à qualidade do apoio de quem os ajude a enfrentar a mudança necessária como um desafio pessoal.
CONCLUO fazendo ressaltar a importância de os nossos governantes não temerem confrontar opiniões e saberem respeitar eventuais oposições. Não temerem o confronto de ideias e terem a noção objetiva que a oposição é um fator de progresso, um parceiro ativo da sua própria formação e desenvolvimento.
Afinal e como tão bem defendeu o sociólogo Boaventura Sousa Santos não «temam o confronto com o novo, o desafiante e o exigente.»