«...Como os maiores da Europa!»

OPINIÃO16.10.202101:45

Conselho Directivo e Administração da SAD devem encarar hipótese de alienação de parte do capital social da SAD, nos parâmetros legais

Q UANDO era miúdo, e durante grande parte da minha adolescência, nunca me preocupei muito com a razão de ser sportinguista. Fui assim educado e, portanto, então como hoje limito-me a exprimir a gratidão pelas muitas coisas boas que recebi dos meus Pais, entre as quais o amor pelo Sporting que uns anos mais tarde, já adulto, se transformou numa paixão, que se foi temperando com a evolução dos tempos e a moderação que a experiência dos anos vai ditando.
Quando me fiz sócio, aos 16 anos, foi pelo meu pé e por vontade própria que me desloquei à Rua do Passadiço para apresentar a proposta que foi subscrita pelo meu barbeiro, Jaime Monteiro, que, nos tempos de então, era um homem quase da família, e inteiramente merecedor de ser o meu padrinho, porque em resposta a uma pergunta que um dia o meu Pai lhe fez sobre qual seria o clube de que gostaria se não fosse o Sporting, ele respondeu com ar altivo e orgulhoso: «Se não fosse do Sporting, gostaria de ser do Sporting!» Hoje, com 74 anos de idade, relembro aquela frase cada vez com mais vigor e convicção, acrescentando a esse vigor e convicção que quero continuar a gostar de ser do Sporting, ainda que o Sporting não seja exactamente o mesmo que era na minha infância, na minha adolescência e na maior parte da minha vida adulta. Hoje, na chamada terceira idade, tenho a consciência que o meu clube não é, nem pode ser, o mesmo, e acho ter a lucidez suficiente, no meio de uma paixão que continua a ser grande, de perceber que os caminhos têm de ser outros, embora o desígnio continue a ser o mesmo do Visconde Alvalade: «Queremos que o Sporting seja um Clube grande, tão grande como os maiores da Europa!»
O Sporting Clube de Portugal, como outros clubes congéneres, além de futebol pratica muitas outras modalidades, seja na versão de alto rendimento, seja na vertente recreativa, sendo aliás conhecido e reconhecido, por toda a gente, o seu ecletismo ímpar. E é nesta faceta que, sem margem para qualquer dúvida, o clube cumpriu, e eu diria que ultrapassou, o desígnio dos seus fundadores, sendo um clube tão grande como os maiores da Europa e do Mundo. As últimas épocas, e em especial esta última, têm sido de grande sucesso, tanto mais valioso quanto, a vários níveis, a situação económico-financeira do País em que se vive não é a melhor, bem pelo contrário. Os fundadores não teriam dúvidas em manifestar orgulho pelos legatários, das mais diversas modalidades, dos princípios e valores que lhes legaram - o esforço, a devoção e a dedicação de atletas, técnicos e dirigentes, para alcançar a glória que caracteriza os 115 anos de história.
Mas a chamada mola real, que movimenta milhares de sócios e milhões de adeptos e simpatizantes, é o futebol. Foi sempre o departamento de futebol o mais desejado e ambicionado e aquele que movimentou ao longo dos tempos mais dinheiro e que exigiu maior investimento até aos dias de hoje em que aquele departamento se transformou numa sociedade anónima desportiva, nos termos da lei. E o Sporting Clube de Portugal mais uma vez foi pioneiro no aproveitamento dessa possibilidade resultante da entrada em vigor da segunda versão do regime jurídico das sociedades anónimas desportivas.
O futebol do Sporting Clube de Portugal, quer na vertente da gestão directa do futebol profissional, quer na vertente da gestão por via da sociedade anónima desportiva, em termos de resultados, que não de prestígio, tem andado por caminhos que não se coadunam com o desígnio referido.
E não é por acaso que falei em prestígio, pois convém lembrar que o primeiro clube português a participar na Taça dos Clubes Campeões Europeus (hoje Liga dos Campeões) foi o Sporting Clube de Portugal, por convite. Isso demonstrou que o sucesso desportivo do futebol do Sporting Clube de Portugal ao nível nacional era do conhecimento das entidades internacionais.
Contudo, o Sporting só obteve um título europeu quando venceu a Taça dos Vencedores das Taças, na já longínqua época de 1963-1964 - a célebre taça do cantinho do Morais! Quem tiver menos de sessenta anos praticamente se não lembra de ter assistido por qualquer meio a esse jogo que constitui, do ponto de vista desportivo, a vitória internacional mais relevante da história do clube. Com humildade, temos de reconhecer, e eu pelo menos reconheço, que está por cumprir desígnio de ser um dos maiores clubes de futebol da Europa. Desígnio que, por ser o do accionista de referência, tem de ser o desígnio da Sporting - Futebol, sociedade anónima desportiva!
Para mim é essa a questão que se deve pôr quando, a nível nacional, o Sporting reduziu o fosso mais depressa do que eu imaginava, isto é, praticamente no iniciar de um caminho com rumo certo que muitos anunciavam, mas de que logo se desviavam, porque queriam obter logo os resultados. Conseguir o que Rúben Amorim conseguiu foi um passo que pode ter sido maior que a perna se não tiver sustentabilidade.
Muito haveria a dizer no que respeita ao modelo estratégico do futebol. Mas, neste momento, em que nos parece que a estratégia desportiva seguida está no caminho certo, o que me parece ser necessário discutir, ou melhor, exige-se que se discuta, se a SAD foi criada para ser um veículo de desenvolvimento, para se rumar a um futuro mais ambicioso ou de estagnação e retrocesso. Numa palavra, deve ser discutida com ambição e humildade, com cautela e prudência, mas, decididamente, a abertura do capital da SAD a investidores externos.
Esta discussão seria muito mais fácil se todos os clubes portugueses, ou pelo menos alguns deles, se sentassem à mesa, não para saborear leitão, num cenário mais ou menos cínico ou hipócrita, para branquear certos interesses não coincidentes com os interesses dos clubes que representam, mas para discutirem os temas que realmente interessam ao desenvolvimento dos seus clubes e do futebol em geral. Num tempo em que os adeptos do Newcastle festejam a venda do clube a mais um poder de Estado, à semelhança do que se passa com o Manchester City e o PSG, parece-me que os dirigentes portugueses estão mais interessados em decidir sobre se é mais gostoso o leitão à Bairrada ou à Negrais!...
 

«A estratégia desportiva seguida está no caminho certo», defende Dias Ferreira


Há muitos anos que deixei de ter complexos ao discutir o tema no meu Sporting, porque não foi desígnio dos fundadores sermos um clube para discutir o gosto do leitão e do vinho espumoso, mas ser um clube grande entre os grandes da Europa. Por isso, nascemos sob o nome de Sporting Clube de Portugal.
No Congresso de Santarém defendi uma recomendação que veio a ser aprovada, que rezava assim: o Conselho Directivo e a Administração da SAD devem encarar frontalmente a hipótese de alienação de parte do capital social da SAD, dentro dos parâmetros legais, procurando parceiros credíveis, tendo em vista a resolução dos problemas económico-financeiros desta e do clube fundador, e rumo ao futuro mais competitivo, nacional e internacionalmente.
Foi há mais de dez anos, e não tinha carácter vinculativo, mas mostra que se as pessoas debaterem com tranquilidade e serenidade e, sobretudo, seriedade são capazes de perceber que não se trata de vender o clube ou a alma leonina, mas sim preservá-la e desenvolvê-la para cumprimento do desígnio fundacional.
Mais tarde defendi essa mesma ideia na campanha de 2011, tal como na campanha de 2018, sabendo que não ganhava votos, mas que um dia vou ter razão. Só tenho medo que seja tarde.
Na já minha longa vida profissional deparei com muitas sociedades comerciais familiares que não queriam abdicar da maioria do capital e acabaram na falência apenas por um orgulho que não tem qualquer sentido em certas situações. A emoção em certos assuntos retira lucidez. Conheço, todos conhecemos, muita gente que assenta a sua enorme fortuna em pequenas participações sociais rentáveis. Não conhecem alguns senhores deste País e de outros conhecidos pelos senhores dez por cento?
Por mim vou continuar a lutar pelo desígnio do Visconde de Alvalade que queria um Sporting grande, grande entre os maiores da Europa. Eu também quero, mas não chega, porque neste caso só querer não significa poder. Devemos todos reflectir, sem complexos, nem sentimentos atávicos, como podemos no futebol tornar o Sporting uma SAD grande, que possa competir com as grandes da Europa. É esse o desígnio do clube e da SAD, e temos todos de ir atrás desse desígnio.
 

NOTAS FINAIS 

1. Bonito o que se passou no Restelo, a lembrar um passado que já parecia longínquo.

2. Não tive oportunidade de prestar aqui homenagem ao Padre Feitor Pinto recentemente falecido. Muitos se referiram a ele, e eu quero referir aqui a sua devoção leonina. Era o Prior da Freguesia onde se encontra a nossa sede. Que descanse em paz, que bem merece, pelo muito de bom e de bem que fez na terra.