Coisas difíceis de perceber

OPINIÃO10.05.202107:00

Dizer que o Benfica não ganhou ao FC Porto por causa de Artur Soares Dias é o mesmo que dizer que acabará em terceiro por causa da pandemia

Édifícil perceber, ou pelo menos aceitar sem nada dizer, o ataque cerrado do Benfica a Artur Soares Dias depois do empate no clássico com o FC Porto. Sim, é verdade que o árbitro do FC Porto, até pela UEFA considerado o melhor português - por alguma razão estará no Euro-2020, certo? -, não teve uma atuação bem conseguida no Estádio da Luz. Pelo contrário, atrevo-me a dizer, até, que tiveram, ele e a sua equipa, uma tarde desastrada, salva apenas pelo acerto de João Pinheiro no VAR. Mas prejudicou, realmente, Artur Soares Dias o Benfica? Ou, colocando a questão de outra forma: foi por culpa de Artur Soares Dias que o Benfica não venceu o FC Porto? Por muito que custe aos benfiquistas admitir, a resposta é não. Podem, é certo, os encarnados queixar-se de ter o árbitro deixado no bolso o segundo cartão amarelo a Pepe depois daquela entrada sobre Seferovic. É tão inquestionável como inconcebível que um árbitro com a qualidade e a experiência de Artur Soares Dias não tenha admoestado o central do FC Porto nesse lance, ainda por cima quando, um minuto depois, deu o amarelo a Seferovic num lance exatamente igual, com a exceção de a falta do suíço ter sido ainda no meio-campo dos dragões, por isso em jogada muito menos perigosa. Não se percebe, é um facto - tal como não se percebe o festival de apito com que se defendeu durante todo o jogo, impedindo (travando o golo que se seguiu a esse lance de Pepe com Seferovic como já tinha travado, na primeira parte, lance idêntico dos dragões) uma partida mais aberta e mostrando não ser capaz (nem ele?), de fugir a uma tendência absurda dos árbitros portugueses de se protegerem parando o encontro o máximo de vezes que conseguirem. Mas usar esse momento, já depois do minuto 80, para justificar o empate é ir demasiado longe. Tal como atacar um árbitro que, ao longo de todo o jogo, viu e assinalou dois penáltis que não o eram a favor do Benfica e teve de ver as suas decisões corrigidas pelo videoárbitro. Esteve mal Artur Soares Dias no clássico? Esteve. Não foi o árbitro de que o jogo precisava, é um facto. Mas dizer, como argumenta o Benfica, que entrou em campo condicionado por viver no Porto? Não. Nem lá perto. Pelo contrário, até.
Aliás, dizer que o Benfica não venceu o FC Porto por culpa de Artur Soares Dias é o mesmo que dizer que o Benfica acabará o campeonato em terceiro lugar - depois de ter investido mais do que em qualquer outra época - por causa do Covid-19. Não é, pura e simplesmente, verdade. Porque da mesma forma que as críticas a Artur Soares Dias não disfarçam o facto de o Benfica não ter conseguido, quase nunca, superiorizar-se ao FC Porto (nem perto disso...) num jogo que tinha mesmo de ganhar para continuar a sonhar com a entrada direta na Champions, a pandemia não explica tudo o que se passou antes dela se abater sobre o Seixal. Nem sequer alguns resultados (veja-se a receção ao Gil Vicente) depois dela de lá ter saído. São, ambas, apenas desculpas. E mal amanhadas. Podem servir para alguns, mas não acredito que convençam, sequer, a maioria. Já lá vai o tempo...

Édifícil perceber, ou pelo menos aceitar sem nada dizer, que o TAD ou um tribunal civil suspendam os castigos aplicados a treinadores, usando argumentos como o impacto que a sua ausência do banco traria às equipas que orientam numa fase decisiva da temporada. Não vou discutir argumentos legais, não tenho escola para isso. Mas sempre pensei que os castigos fossem uma forma de dissuadir os maus comportamentos. Se argumentos destes colam mais vale deixar que o futebol português seja (ainda mais) o faroeste. Que se permita que treinadores e jogadores façam tudo, porque as suas ausências vão, sempre, ter impacto nas equipas que orientam ou em que jogam. Devia ser esse o objetivo, para fazê-los pensar duas vezes antes de insultarem quem lhes aparece à frente. Mas pelos vistos não...