Carta ao meu consócio, Cristiano Ronaldo!

OPINIÃO10.12.202205:30

Espero que tenhas o orgulho de ser sportinguista e que escolhas o nosso clube como o porto abrigo do teu futuro

Caro Cristiano, 
 

S ABES quem sou e o que penso, mas para quem tem milhões de seguidores não tenho, como é óbvio, a pretensão de que esta minha carta tenha algum significado para ti. Tão pouco a qualifico de carta aberta, porquanto estando esta na moda para se dirigirem a ti a minha tem apenas por objectivo desabafar com o meu caro consócio, ainda que publicamente, para memória presente e futura!... 

Diz-se que o não é uma coisa terrível, porque, de uma forma geral, tem efeitos nocivos: para aquele que pede auxílio, esmaga-o; para o que pede justiça, torna-o desprezível; para aquele que suplica amor, desespera-o.

Há quem diga, porém, e se calhar com razão, que há uma coisa ainda mais terrível: a ingratidão. Em vez de esmagar, é um golpe de chicote; não torna desprezível, mas achincalha; não provoca desespero, mas endurece o coração.

Porque o não tira a esperança no presente, ao passo que a ingratidão desfaz a esperança no presente e destrói a confiança no futuro, O não ainda pode ser um lenitivo enquanto dissipa a dúvida que nos atormenta ou afasta o perigo que nos intimida, ao passo que a ingratidão fere sempre, em todos os lugares e a todas as horas.

Por isso alguém dizia que «não há vicio mais detestável que a injusta ingratidão».

Certo é que é um dos vícios mais espalhados nos tempos que correm, seja na vida pública ou na particular, seja nos grandes acontecimentos de perturbação, seja no simples trato da vida quotidiana. 

São os arrogantes e vaidosos que subiram inesperadamente tão alto que ficam com a vista turva, ao ponto de não enxergarem os de baixo, sobre cujas costas treparam. Aliás o povo - esse povo que, também, por vezes é muito ingrato - assinala-os de forma indelével: «Se queres ver o vilão, mete-lhe a vara na mão!»

São aqueles broncos que roncam na obscuridade das suas tocas e aqueles anónimos que vegetam na sua insignificância por essas redes sociais, que, quando vêm à luz do dia e são lançados numa actividade produtiva por um qualquer benfeitor, não vêem depois essa mão, ou se a vêem não a conhecem, e se a conhecem não a apertam. A vida política, e não só, está cheia deles: «De cães que não conhecem o dono!»
 

Dias Ferreira considera que este momento servirá para Cristiano Ronaldo distinguir quem está com ele e quem ambiciona a queda dele


Vemos hoje, por todo o lado, filhos que, fartos de mimos e de nome, esquecem com uma facilidade impressionante o trabalho incessante, os sacrifícios enormes, as angustias vividas dos pais que os criaram. Vemos alunos educados com saber e probidade dos professores que se esquecem do zelo e até do amor que lhes dedicaram, para, muitas vezes, porem a ridículo as suas naturais imperfeições ou os desacreditarem com o veneno das calúnias. São verdadeiras víboras.

Não faltam também os velhacos, que nos momentos de aperto e aflição correm aflitos a chamar o advogado ou o médico, que muitas vezes abdicam das suas comodidades humanas e dos seus interesses, para se entregarem à defesa de uma causa ou à salvação de um doente, e lhes pagam depois com desculpas e calotes.

Esta grande massa das gentes que passeia nas ruas e se esconde nas redes sociais como ratos nos esgotos, vive sem referências ao que quer seja. E quando encontram alguma de que podem tirar beneficio, logo as repelem e logo as descartam, dentro do princípio: rei morto, rei posto!

É gente que não tem alma, nem coração, não cultiva sentimentos nobres, tem um espírito roído pela inveja dentro da sua pequenez, nunca pode ver subir os outros, incomoda-se até com aqueles que sorriem, e, por isso, aceita, mas não dá, procura todas as vantagens, mas não dá um passo para ajudar os outros. «Não podem ver uma camisa lavada a ninguém», e temos tantos e tantos exemplos desta gente.

Este vício pode corrigir-se pela educação, desde as simples chamadas de atenção, que aliás falam mais ao interesse do que ao sentimento, até meios mais extremos de correctivos, que alguns não merecem mais.

No entanto, há algo mais decisivo do que ternuras ou violências de tais processos: é a superioridade moral que se confina entre o desdém pela torpeza e o prosseguimento da mesma linha de conduta, praticando o bem só pelo bem, isto é, pagando o mal com o bem, o que é muito mais salutar pela humilhação que inflige do que pela represália, que põe ao mesmo nível o ofensor e a vítima e nunca respondendo a um mal com outro mal que é o mesmo que punir um abuso com outro abuso.

Todas estas considerações são o resultado das críticas que ultimamente te têm feito, a maior parte delas com intuitos perversos de te diminuir e apoucar. Crítica dissolvente, gerada no despeito e na concorrência de interesses. Há alguns - poucos - que se batem à luz do dia, sem artimanhas, mas há também os que se comportam, como anónimos de café, que apenas insinuam com a raiva própria da impotência da sua desconcertante mediocridade.

E verdade, meu caro Cristiano, que, para esta gente, te tens posto, como se diz, a jeito. Compreendo-te e aceito-te, e, ao fim e ao cabo, até te digo que ainda bem, para que todos, incluindo tu, possas distinguir entre os que realmente te admiram e te desejam o melhor, e aqueles que o fazem quando isso lhes convém, por interesses meramente comerciais, já que são de outra facção e, portanto, não nutrem qualquer admiração por ti, antes ambicionam a tua queda.

Todos nós temos uma hora como a tua na vida, aliás, já tivemos e vamos ter mais. E essa hora dá-nos mais força, porque temos ocasião de ver o que muda à nossa roda, quem são os nossos verdadeiros amigos e qual o carácter dos outros. Vais ver que vais sair reforçado desta hora que virou os olhos do mundo para ti, por mais que isso custe a essa gente.

Cristiano, os que te formaram para seres o melhor jogador do mundo de todos os tempos, estão contigo. Foste formado no clube para o qual o Visconde Alvalade marcou o desígnio de ser um dos maiores clubes da Europa, o que, aliás, já conseguimos através do esforço, dedicação e devoção de muitos atletas. Tu também, de acordo com esses valores que te ensinamos, tornaste-te esse grande jogador, que tem milhões de seguidores e vales os milhões que vales. Tudo isso é demais para a mediocridade reinante.

Não faças caso, porque nós temos orgulho do clube fundado em 1906 por um punhado de grandes homens sob um desígnio nobre da sua ambição. Temos orgulho de um atleta como Francisco Stromp que foi e é uma grande referência leonina. Temos orgulho em ti como referência máxima da nossa formação. Tenho orgulho por ser teu consócio. Espero que tenhas o orgulho de ser sportinguista e que escolhas o nosso clube como o porto abrigo do teu futuro que não começa nem acaba no Catar, como muitos querem e desejam!

E termino adaptando os dois últimos versos de Os Lusíadas:

Da sorte que a Ronaldo se deseja, Para toda essa gente ter inveja.

Saudações Leoninas