Carta aberta ao furriel José Pereira

OPINIÃO20.03.202106:00

Não me apercebi o que teria feito até aos 42 anos, quando foi treinador-adjunto

ESTE caso com o Rúben Amorim despertou-me a curiosidade em saber qual o seu curriculum vitae enquanto treinador, pois a única coisa que sabia a seu respeito é que é presidente da Associação Nacional dos Treinadores de Futebol desde Junho de 2013 -  uma associação sindical infelizmente envolvida na engrenagem corporativa do sistema que controla o futebol nacional.
Não fiquei desolado, nem admirado, quando constatei num site, que, em termos de treinador o seu curriculum não é rico, pois se limitou a ser treinador-adjunto nas épocas de 1993/1994, no Vitória de Guimarães, e 1997/1998, no Campomaiorense. A sua experiência como treinador principal, neste clube, e na época de 1998/1999, terá durado apenas 9 jogos!
Não me apercebi, portanto, o que teria feito até aos 42 anos, isto é, até 1993, quando teve a sua primeira experiencia como treinador-adjunto. Também não me consegui aperceber o que fez entre os seus 47 anos, quando terá terminado a sua carreira de treinador, e os 62 quando enveredou pela carreira de sindicalista, ao mais alto nível.
Mas de uma coisa nos deu agora conhecimento que muito releva naquilo que está em causa: no 25 de Abril de 1974 era furriel do exército português! Oito dias antes tinha eu ficado na disponibilidade enquanto alferes miliciano!E acrescentou uma coisa que o senhor de La Palice, por acaso comandante militar, não desdenharia dizer: não podia comandar uma companhia.
Devo comentar que não foi muito feliz no exemplo que deu por duas razões. Primeiro, porque o 25 de Abril e o Movimento das Forças Armadas quiseram acabar com a ditadura e o estado corporativo, cujos resquícios permanecem no futebol através da presença de associações de classe e corporações de interesses, que não são os do futebol, na Assembleia Geral da FPF contrariando a Lei de Bases do Desporto que define as federações desportivas como «pessoas colectivas constituídas sob a forma de associação sem fins lucrativos que, englobando clubes ou sociedades desportivas, associações de âmbito territorial, ligas profissionais, se as houver, praticantes, técnicos, juízes e árbitros, e demais entidades que promovam, pratiquem ou contribuam para o desenvolvimento da respectiva modalidade».
Associações só a Liga e as Associações Distritais é que são permitidas, não associações de classe e de carácter sindical como é o caso da Associação Nacional de Treinadores de Futebol, de acordo com o artigo primeiro dos vossos estatutos: «...é a organização sindical dos treinadores de futebol portugueses e dos estrangeiros que exerçam a sua actividade em Portugal e que nela livremente se associem»!
Os senhores deveriam, pois, preocupar-se com os direitos laborais dos vossos associados  que são despedidos sem justa causa - proibido pela Constituição da República - sob o manto da chicotada psicológica e o vosso silêncio cúmplice. Isto é que é uma verdadeira fraude, um falso sindicalismo, sem independência do patronato, nem de outras instituições. Para não falar do que assisti há uns anos a um despedimento sem justa causa de um treinador, logo substituído por um membro da direção da ANTF. Obtendo aquele a suspensão do despedimento, chegou-se ao ridículo de o clube ter dois treinadores principais, sem qualquer palavra do vosso sindicato. Sobre isto ficaram mudos e calados. Porquê, senhor José Pereira? Isto é que não tem nível nenhum, mas isso não o preocupa, dada a promiscuidade entre os parceiros do sistema, para além dos interesses sindicais, patronais e outros, alguns ocultos.
Por outro lado, e em segundo lugar, durante a revolução, a que assistiu como furriel, foram muitos os casos em que os postos não podiam ser preenchidos por capitães ou sequer majores, mas sim por generais que não se formam de um dia para o outro. Então graduaram-se em generais porque não podiam contar com os da brigada do reumático, afectos ao regime deposto. Foi assim que aconteceu, por exemplo, com Vasco Lourenço e Otelo Saraiva de Carvalho, salvo erro, respectivamente, capitão e major, e que comandaram a Região Militar de Lisboa e o COPCON. Será que se sentiu indignado? E sorte teve o General Eanes poder chegar a Presidente da República sem depender do seu posto no exército ou de um qualquer interesse sindical ou patronal.
Mas acima de tudo, o 25 de Abril fez-se para acabar com discriminações e perseguições só porque se não pertencia ao regime. O que os senhores exigem é que o corpo técnico tenha um treinador-principal com o Nível IV e um Treinador-Adjunto com o Nível II. Essa regra, que não quero agora discutir, não está cumprida? Como é que a equipa técnica organiza o seu trabalho não é da sua conta, nem da sua associação!
 

O quinto amarelo

PALHINHA teve esta semana dois motivos de regozijo: a reposição da verdade desportiva e a chamada à Selecção Nacional. A justiça não se agradece, mas não pode deixar de ser motivo de regozijo quando acontece. E as decisões do TAD e de Fernando Santos foram justas.
Deixando, por ora, de lado, a convocação de Palhinha e a de Nuno Mendes, na senda da contribuição da formação do Sporting para a Selecção de Portugal, que teve o seu momento mais alto no Euro-2016, com dez jogadores formados no Sporting campeões europeus e um outro a jogar na equipa inglesa, analisemos a decisão do TAD e suas consequências imediatas para pôr termo a uma confusão que, quanto a mim, não tem nada de confuso, com todo o respeito pelos que têm opinião contrária à minha.
O cartão amarelo mostrado a Palhinha em vésperas do jogo com a Benfica SAD indignou o mundo desportivo porque não houve qualquer falta que justificasse ser marcado um livre, muito menos o cartão amarelo, que, no caso era o quinto, e, portanto, nos termos do n.º 7 do artigo 164.º do Regulamento Disciplinar da Liga Portuguesa de Futebol Profissional, motivo de punição com a sanção de um jogo de sanção e multa no valor de 150 euros. Na verdade, o número sete diz: «O jogador que, na mesma época desportiva e em jogos diferentes, acumular uma série de cartões amarelos é punido com a suspensão de um jogo e acessoriamente com a sanção de multa de valor correspondente a 1,5 UC assim que atingir o quinto, o nono, o 12º e o 14º cartões amarelos dessa época desportiva.»
E sublinho, a negrito, a expressão atingir que significa, na língua portuguesa, chegar a, alcançar, ou, em linguagem popular, levar com o quinto amarelo. Se não atingir o quinto cartão amarelo, não há a infracção disciplinar prevista naquela disposição e, portanto, não há lugar à sanção aí também prevista.
A procedência do recurso no Tribunal Arbitral do Desporto e consequente absolvição de Palhinha da infracção pela qual foi punido assenta no não cometimento dessa infracção, isto é, não atingiu o quinto cartão amarelo.
Perante isto, e com todo o respeito por opinião contrária, não consigo entender que o próximo cartão amarelo que eventualmente seja mostrado ao Palhinha, seja o sexto e não o quinto. Com efeito, não posso de uma assentada dizer que não atingiu o quinto e chegou ao sexto. Pergunto: tem sentido?
Claro que, do meu ponto de vista, não tem sentido. Se estiver a subir uma escada, materialmente é possível saltar do quarto degrau para o sexto sem tocar no quinto. Não assim, quando estamos a falar do quinto cartão amarelo, essencial para a tipicidade da infracção. É que só há sexto amarelo se houver quinto. Se houver quinto tem que haver a sanção de suspensão; se não há sanção porque não atingiu o quinto amarelo, o próximo, a existir, não poderá deixar de ser o quinto. A não ser assim, um eventual cartão amarelo bem mostrado só não seria sancionado com a suspensão de um jogo porque uma construção teórica forçada lhe atribuía a classificação de sexto amarelo, ou seja, Palhinha alcançava a reposição da verdade desportiva e depois beneficiaria da mentira. Julgo que nem Palhinha, nem o Sporting, querem isso.
Na verdade, o sistema só continua a existir porque a luta contra ele se tem resumido à luta pelo seu controle, com os resultados que estão à vista. O combate tem de ser pela verdade desportiva por todos os meios e sem tréguas, e não pelos interesses concretos de cada momento. Repôs-se a verdade desportiva não considerando o amarelo mostrado a Palhinha como o quinto amarelo da época, isto é, fez-se justiça; considerar uma futura amostragem correcta de um amarelo o sexto seria uma injustiça. Disso eu não tenho dúvidas e ninguém de boa fé pode ter!...