Capitão e as espécies únicas
MAIS que a responsabilidade, a braçadeira de capitão é um estatuto. Num clube como o Manchester United, mais que estatuto, é uma instituição. Basta recordar estes nomes: Bill Foulkes, Denis Law, Bobby Charlton, Bryan Robson, Steve Bruce, Éric Cantona, Roy Keane, Gary Neville e Wayne Rooney. De uma forma geral, foram estes os grandes capitães dos red devils, aos que podemos acrescentar mais alguns históricos que, não sendo os primeiros capitães nos respetivos plantéis, assumiram a liderança da equipa em dias de lesões ou castigos: Nobby Stiles, Paul Ince, Peter Schmeichel, David Beckham, Jaap Stam, Fabien Barthez, Van der Sar ou Rio Ferdinand. Foi a este clube que Bruno Fernandes se juntou anteontem, ao capitanear a equipa na estreia na presente edição da Liga dos Campeões (um regresso à prova rainha da UEFA). Fê-lo, é certo, na ausência de Harry Maguire, mas isto só por si é um verdadeiro marco na carreira do internacional português porque são muito poucos, para não dizer quase nenhuns, que com tão pouco tempo de vivência no clube são escolhidos para envergar a braçadeira de capitão do Manchester United Football Club. Da short list constam muito poucos jogadores de campo (sem contar com os guarda-redes, portanto) não britânicos: Cantona e, anos mais tarde, Vidic.
Isto vem ao encontro do que já tinha sido defendido neste espaço quando Bruno Fernandes foi transferido do Sporting para Inglaterra, no final de janeiro: que rapidamente seria uma referência em campo pelas suas qualidades técnicas e também viria a tornar-se um dos líderes da equipa a breve prazo. Era expectável: o United ainda parece ser um saco de gatos e não tem jogadores carismáticos (Pogba bem tentou assumir esse papel, mas os anos mostraram que o francês é um foco de instabilidade, José Mourinho que o diga), característica que o ex-jogador do Sporting tem para dar e vender. É algo com que se nasce e o médio nasceu para isto: é desempoeirado, respira confiança e ajuda a extrair o que os outros têm de melhor. Não tenho muitas dúvidas de que, a médio prazo, Bruno Fernandes venha mesmo a ser o número um da hierarquia. Que grande honra.
O desempenho de João Almeida no Giro de Itália teve o mérito de reaproximar à modalidade muitos adeptos ou simples curiosos que apreciam o esforço, atitude e resiliência do corredor de A-dos-Francos. O que mais uma vez prova que têm de ser os protagonistas a puxar pelas massas e não o contrário relativamente a modalidades desportivas que não têm a mesma projeção que o futebol. O ciclismo até nem poderá ter razões de queixa a nível da cobertura mediática mundial (caso contrário, não se justificavam os salários pagos aos corredores, muitos deles superiores aos dos futebolistas de Benfica ou FC Porto, para referir aqueles que são mais bem pagos no País), mas em Portugal foi perdendo protagonismo, também, pela falta de referências nacionais, lacuna que nem Rui Costa conseguiu preencher.
Também gostaria de acreditar que Portugal está a criar uma leva de desportistas nacionais de elite em desportos mainstream graças a uma aposta estratégica do País no desporto. Que a João Almeida no ciclismo, Miguel Oliveira no motociclismo ou a Kikas no surf se seguirão muitos outros, mas temo que tudo isto seja fruto de geração espontânea, de muito mérito e sacrifício dos clubes e respetivas famílias. Portugal continua na cauda da Europa ao nível do investimento no desporto: segundo o Eurostat, o valor anual investido por habitante é de 50 euros, o que nos coloca apenas à frente de Letónia, Malta, Croácia, Lituânia, Eslováquia, Roménia e Bulgária; no topo da lista estão, vá lá saber-se porquê, países que ocupam os lugares de topo do índice de felicidade: Luxemburgo, Suécia, Finlândia, Países Baixos e Dinamarca. E enquanto durar esta pandemia, mais o desporto ficará para trás (como temos vindo a observar nas últimas decisões políticas) nas camadas mais jovens da população, que no futuro poderá vir a ser chamada geração Covid (uma geração perdida).
Não tenhamos muitas esperanças, portanto, e tratemos muito bem os nossos Almeidas. São espécies únicas.