Caixa de fósforos e latifúndio
Quando temos 10 anos, um homem de 30 é um idoso. Porém, quando temos 70, é um miúdo. Quase tudo é questão de perspetiva...
Q UASE tudo na vida é questão de perspetiva. Quando temos 10 anos, um homem de 30 é um idoso. Porém, quando temos 70, é um miúdo. Para o avançado no momento do penálti, a baliza parece uma caixa de fósforos; para o guarda-redes é um latifúndio. Para um sportinguista, ter 10 pontos de vantagem é igual a quase nada: basta um empate e começa a tremer. Para um portista, ter dez de atraso é como se estivesse a três e ainda tivesse de jogar com o líder: bora lá apanhar os gajos. Para Fernando Santos, ir jogar com o 16.º, o 26.º ou o 35.º do ranking da UEFA é como defrontar Inglaterra, Espanha ou Itália. Para os jogadores, poderá ser como jogar com a Sérvia, o Azerbaijão e o Luxemburgo. Cuidado, rapazes.
A TÉ na vida dos clubes muita coisa é questão de perspetiva. Há três anos, quando saiu para a Juventus, Ronaldo era para o Real Madrid um jogador dispensável. Agora, 95 golos na vecchia signora depois, CR7 volta a ser apetecível. Jorge Jesus, em junho de 2015, era persona non grata, como treinador, para Luís Filipe Vieira. Cinco anos depois, o presidente encarnado riscou a palavra non e ficou só com persona grata. E se calhar, em nova mudança de perspetiva, poderá estar a pensar na totalidade da expressão latina. Frederico Varandas era visto como presidente sem carisma. Agora, é olhado como o sucessor de Dias da Cunha como campeão. Quando José Mourinho vai ao balneário do Dínamo Zagreb bater palmas aos jogadores que afastaram o Tottenham da Liga Europa, é olhado como exemplo de fair play pelos croatas. Porém, na tal questão de perspetiva, a sua atitude pode ser vista como cobarde pelos seus próprios jogadores.
T AMBÉM na Liga dos Campeões muita coisa é questão de perspetiva. Há dois meses olhávamos para o Chelsea quase com desdém: Lampard era treinador fraude, Thiago Silva estava velho, Kanté era baixinho, Werner só sabia correr e Giroud era apenas uma espécie de modelo fotográfico. Agora, com Tuchel no comando, os londrinos eliminaram o Atlético de Madrid na Champions e arrancaram seis vitórias e quatro empates na Premier League, subindo do 9.º lugar para o 4.º. E olhamos para eles quase como máquina trituradora. Esperemos que os blues olhem para o FC Porto e não vejam aquele que eliminou a Juventus.
MAIS ou menos o mesmo se passava com o Benfica. Há pouco mais de dois meses, a defesa encarnada era a pior do Mundo. Vlachodimos, Gilberto, Otamendi, Vertonghen e Grimaldo, entre outros, tinham encaixado 16 golos em 16 jornadas da Liga. Agora, com trocas e entradas pelo meio, um golo sofrido nos últimos oito jogos. A perspetiva pode, pois, ser deturpante.
O LHEMOS, a finalizar, para João Félix. Qualquer jogador, sejam os meninos Essugo, Gonçalo Ramos e Fábio Vieira ou os veteranos João Pereira, Otamendi e Pepe não desdenhariam ter um convite do Atlético de Madrid, pois é um dos maiores clubes do Mundo. Tem, porém, quatro contras para jogadores geniais como João Félix: Diego Pablo Simeone González. O argentino é grandíssimo treinador, fez com que os colchoneros dessem vários passos de aproximação aos gigantes Real Madrid e Barcelona, mas gosta que as suas equipas pratiquem um tipo de futebol parecido com o do Boavista de Jaime Pacheco. A perspetiva de há ano e meio (muito dinheiro para Félix e uma equipa de topo europeu) parece ter-se transformado num minipesadelo (muito dinheiro, é certo, mas zero títulos e menor melhoria individual do que se esperaria). Agora, a minha perspetiva para João Félix é simples: sai para um clube de ainda maior nível ou sai Diego Simeone e talvez haja esperança.