Bons e maus momentos (e exemplos)
1 - Excelente jogo da nossa selecção na Polónia, sem a estrela maior, mas estrelada no conjunto. Desta e de anteriores partidas antevê-se uma equipa de futuro, com jogadores que têm tanto de juventude como de um já apurado grau de maturidade. E não são apenas 11, pois Fernando Santos pode escolher de entre uns 25 seleccionáveis. Sem Ronaldo e para além de Ronaldo temos equipa de futuro. Não está em causa o valor acrescentado da genialidade deste jogador, mas a sua ausência em vários dos últimos jogos proporcionou um jogo associativo mais aprofundado e solidário, onde os atletas parecem menos condicionados por uma aparente obrigatoriedade de jogar com e para Ronaldo.
Já como benfiquista, notei, com particular satisfação, que no onze inicial só havia três jogadores que jogam actualmente em Portugal. Pura coincidência (ou talvez não) todos eles são da equipa do Benfica: Rúben Dias, o provável novo patrão da defesa da selecção por muitos e bons anos, Pizzi e Rafa que, em bom tempo, regressam à equipa nacional com todo o merecimento. A estes titulares juntam-se Bernardo Silva e João Cancelo e os suplentes Renato Sanches e Hélder Costa que começaram a despontar nos encarnados. Sete ao todo, número há uns anos impensável e que significa a forte aposta benfiquista em jovens jogadores.
Por fim, o jogo com a Polónia não terá simbolizado o Dia de Todos os Santos (apenas de Fernando Santos, aniversariante), mas foi, gostosamente, o Dia de Todos os Silvas (Bernardo, André e Rafa).
2 - Ainda o clássico da semana passada, ganho com justiça pelo Benfica. Acontece que assim como é imperativo saber perder, também o é saber ganhar. Não me refiro aos intervenientes directos dos dois lados da contenda. Mas ao mau-gosto e carácter gratuitamente provocatório da ‘música tauromáquica’. Estive no Estádio, mas saí após o fim do jogo, depois de, com emoção, voltar a ouvir o inigualável hino do Sport Lisboa e Benfica. Felizmente, já não ouvi o passo doble e só viria a saber da sua reprodução sonora no dia seguinte. Num primeiro momento de clubismo até poderemos achar piada, mas, no fundo, trata-se de uma idiotice que merece o meu repúdio. Nem se pode, desta vez, dizer que foi obra de adeptos excessivos na sua conduta ou de gente que não merece estar no clube (para citar uma recente expressão do presidente Luis Filipe Vieira). Foi uma graçola de alguém dos quadros do clube que deveria merecer a devida sanção e pública crítica por parte dos dirigentes.
Os benfiquistas bem podem dizer - com justificada repulsa - que, dos outros lados, em particular dos rivais - se vê igual ou pior comportamento.
Bem podemos sorrir perante a multa da FPF de pouco mais de 700 euros, não sei se tabelada pela música ser uma ou outra qualquer (por exemplo, a Ramona custaria 500 euros? 1000 euros? …). Bem nos podemos recordar dos festejos do título do ano passado no Estádio do Dragão, em que os jogadores do FCP Gonçalo Paciência e Sérgio Oliveira levaram um polvo avermelhado de peluche para o relvado e o ‘mataram’ com o pau da bandeirola de canto, para gáudio dos adeptos presentes, ou o facto de Alex Telles ter ostentado orgulhosamente um cachecol que injuriava o Benfica (neste caso, porém, pedindo depois desculpa). Aqui não me lembro de qualquer castigo ao FCP e seus jogadores, pelo que custa a perceber a gritante falta de equidade. É que se agora a responsabilidade foi não dos sócios, mas do próprio clube, também no Dragão aqueles actos foram praticados por empregados do FCP.
Mas a desculpa acriançada de se poder fazer assim porque outros fizeram assado não colhe. A atitude de quem fez tocar a música é, além do mais, estúpida e lesiva do clube. Acaba por alimentar uma raiva e um sentimento de retaliação que podem ser prejudiciais quando a equipa tiver de ir ao Dragão.
Em suma, continuamos a viver um clima bastante hostil de ódio e incapacidade de conviver na diferença, e em que ninguém está em estado de pureza. Depois, não nos admiremos que estas atitudes venham a ser multiplicadas pelas claques e por comentários públicos incitadores de vingança e respectiva réplica sem limites éticos.
3 - Passando agora para um lado mais virtuoso no mundo do futebol- que ainda o há, embora escassamente - quase me limito a transcrever uma notícia de há dias em A BOLA. Rezava assim: Os três principais clubes do campeonato holandês juntaram-se para fazer uma proposta ao organismo que rege a competição. Ajax, Feyenoord e PSV Eindhoven querem que 10% de todo o dinheiro angariado na Liga dos Campeões seja destinado às restantes equipas do principal escalão. O jornal ADS fez uma estimativa e aquilo que consideraram uma boa campanha (dois clubes na fase de grupos da Champions com pelo menos dois triunfos e um empate) renderia cerca de 10 milhões de euros de receita adicional para as outras equipas. Em troca, os três grandes exigem que sejam abolidos os relvados sintéticos no campeonato holandês. O objectivo, explicam os proponentes, passa por dotar todos os clubes de uma capacidade financeira mínima de forma a tornar a competição mais competitiva e elevar o nível do futebol holandês. A proposta vai ser agora votada e discutida em Assembleia-Geral de forma a ser aprovada para entrar em vigor na próxima temporada.
Quando comparado com o que por cá se passa, serão precisas mais palavras?
4 - Já estou saturado de tantos jornais televisivos, tantas explicações, tantas tecnicalidades por causa do sarilho em que - alegadamente (advérbio agora obrigatório) - Cristiano Ronaldo se meteu há quase uma década. Toda a gente bota faladura, numa qualquer conferência de imprensa (o seleccionador quase jurou pela boa conduta do nosso jogador), numa qualquer ruela ao virar da esquina, ou numa pose mais de Estado que levou Marcelo Rebelo de Sousa e António Costa a opinarem obviamente não sobre a alegada sodomia alegadamente não consentida, mas sobre a heroicidade patriótica do jogador da Juventus. Comentadores de futebol por todas essas estações falando de questões de direito internacional e norte-americano como novéis sábios, advogados - quase sempre os mesmos - a darem dicas de toda a sorte. Só faltou mesmo reunir o Conselho de Estado!
Como português, desejo que Cristiano Ronaldo saia desta situação complicada com o menor estrago para a sua vida e reputação. Aparentemente, dez anos volvidos, a atitude do lado posto é despudoradamente oportunista. O jogador tem ao seu dispor os melhores advogados numa disputa ‘fora de casa’ (e logo nos EUA), para utilizar uma linguagem futebolística.
Mas há um ponto sobre o qual importa reflectir. Seja no futebol, seja onde for mediaticamente avassalador, os ídolos têm de perceber que essa sua característica tem o lado magnanimamente bom e o lado perversamente mau. Não se podem usar (ou abusar) do aconchego e multiplicador mediático, à escala global, para disseminar a fama, o poder, os interesses e os contratos e esperar a sua complacência quando algo corre negativamente. Uma medida é função da outra. Ora, os grandes atletas da ‘aldeia global’ têm de saber lidar com isso, o que implica reforçar a sua autoridade iconográfica por via da sua exemplaridade cívica. E, por muito que seja politicamente e ‘patrioticamente’ incorrecto, Ronaldo tem dado várias vezes o flanco com danos não despiciendos. É agora o caso e foi-o depois do processo fiscal que lhe foi movido em Espanha e pelo qual foi condenado a pagar 18 milhões de euros e a pena de prisão suspensa. A sua inigualável carreira desportiva, que tanto tem levado o nome de Portugal a todo o lado, dispensa estas atribulações.