Benfica é o clube do povo

OPINIÃO12.02.201903:00

Foi a goleada do século em dia de todas as convergências astrais, mas não vale mais de três pontos e é por isso que para o treinador/autor  da proeza o futebol deve ser vivido dia a dia. Depois de dez golos marcados ao Nacional,  as palavras mais sensatas que encontrou para expressar a sua humildade e o seu elogiável sentido de responsabilidade resumiu-as em resposta tão sucinta  quanto avisada: promessas aos adeptos? A de no dia seguinte [ontem] estar no treino às dez da manhã para preparar o jogo com o Galatasaray, da quinta feira.
Não foram os astros. É a cruzada de Vieira e a consequência natural de um arrojado projeto  que, por muito que os adversários externos e alguns internos sintam relutância em aplaudir, em década e meia, permitiu ao Benfica reerguer-se dos escombros da ruína, recuperar o seu lugar na história e projetar o futuro com a confiança e a determinação de quem conhece o caminho.
Quando Vieira diz que o Benfica está muito à frente não é por vaidade pessoal, nem desprimor pelos outros.  Apenas faz o retrato de uma realidade iniludível e que os emblemas rivais combatem na medida das conveniências de cada qual, geralmente agarrados a exemplos do passado por défice de presente.  


A capacidade de inovar é uma das mais apreciáveis virtudes do presidente encarnado, ao ter compreendido  que o engrandecimento do seu clube depende do sucesso desportivo, mas jamais poderá ficar prisioneiro dele. Motivo pelo qual, apesar de somar mais Campeonatos Nacionais e mais Taças de Portugal e de ser esse o objetivo prioritário, acrescentar títulos a títulos, não deve a  grandiosa empreitada ficar bloqueada por causa de  períodos de menor fulgor futebolístico.


É na obediência a este equilíbrio que o Benfica, além de ser o maior de todos é, igualmente, o que mais cresce e o que subscreve iniciativas mais audazes e desafiadoras para multiplicar a sua família. Porque, sendo o maior, é também diferente, como perspetivou João Cancelo, provavelmente  o melhor lateral-direito do mundo, na interessante entrevista publicada em  A BOLA: «O Benfica é muito grande e, por exemplo, na Juventus estão sempre a meter-se comigo, a dizer que o FC Porto é melhor, mas eles sabem que não, sabem que a grandeza do Benfica… Respeito muito o FC Porto, é uma grande equipa, mas o Benfica é o clube do povo.»
Clube do povo, o mesmo clube de Bruno Lage, em conferência de Imprensa:  «Senti que o Benfica são as pessoas, foi dessa forma que fui educado e que aprendi.»
Clube do povo, o mesmo clube de Luís Filipe Vieira, que vai criar as  Casas do Benfica 2.0 - o futuro, numa versão mais arrojada e virada para as comunidades locais.
«Serão casas ao serviço da cidadania, da promoção do desporto e da inclusão. Serão verdadeiras embaixadas dos nossos valores, princípios e identidade que desde sempre fez parte do ADN do Benfica», declarou no seu discurso de apresentação de outro aliciante desafio que vai tornar mais nítida a fronteira da diferença, a qual começou a ser desenhada por Fernando Martins na década de oitenta, um presidente que, tal como Vieira, representa o que a águia tem de mais genuíno, de mais puro, de mais sincero: a raiz popular.
 Benfica, clube do povo,  o mesmo clube de quantos olham para a academia do Seixal e veem nela uma infraestrutura de referência que, a par do que de mais moderno existe na área do treino, atribui especial cuidado ao crescimento de jovens praticantes  nas suas vertentes desportiva, cultural, educacional e social.
Vieira tem razão quando proclama que a garantia de sucesso reside precisamente no trabalho de casa que deve ser bem feito e para ser bem feito - aqui, sim, alinham-se os astros -  foi decidido optar por um treinador que, em vez de cair do céu, nasceu e aprendeu na formação, preparou a sua transição para a idade adulta em ambientes de elevado grau de exigência e, por sugestão  do destino e clarividência do presidente, foi escolhido para completar a construção da ponte para o futuro, porque,  mais importante do que os dez golos apontados  ao Nacional, foi a titularidade de Rúben Dias e Ferro, a ascensão de João Félix, a estreia de  Florentino ou a presença de Gedson, suplente não utilizado.
Volto a citar João Cancelo: «Na minha altura era o Sporting. Nani, Ronaldo, Figo mais atrás. Quaresma… Agora, porém, toda a gente fala dos jogadores do Benfica, penso que a mentalidade do clube também mudou, começou a apostar na formação, percebeu que apostar na formação era o método certo e agora está a dar cartas».


Vieira sente-se recompensado e os bons adeptos agradecem.