Benefício da dúvida
Fui googlar o significado de três princípios muito em voga na linguagem do futebol, mas que são mais utilizados no meio jurídico.
Refiro-me ao «benefício da dúvida», ao «in dubio pro reu» e à «dúvida razoável». São semelhantes e, em última análise, podem até ser interpretados como tendo o mesmo significado.
Vejamos:
- Benefício da dúvida: é a condição da inexistência de uma certeza sobre a culpabilidade de alguém que está sob acusação de um crime, sendo absolvido pelo princípio de que é inocente.
- In dubio pro reu: é uma expressão latina que significa, literalmente, na dúvida a favor do réu. Ela expressa o princípio jurídico da presunção de inocência, que diz que nesses casos (quando há insuficiência de provas), deve decidir-se a favor do réu.
- Dúvida razoável: é o fator incerto quanto à culpa do acusado. É, em apertada leitura, a falta de condições plenas de imputar ao acusado a ampla responsabilidade pelo cometimento do delito.
Percebem, por analogia, onde quero chegar?
Quando alguém diz que «determinado árbitro merece o benefício da dúvida», não está a querer protegê-lo ou a poupá-lo à crítica. Não está à procura de subterfúgios baratos que justifiquem erros óbvios ou equívocos evidentes.
Está apenas a fazer aquilo que a lei e a humanidade fazem há centenas de anos.
Para desagrado de muitos carimbólogos - pessoas que acham, erradamente, que no futebol é tudo uma questão de carimbo - a verdade lúcida, racional e equilibrada é outra. E é outra ali, no terreno de jogo, como o é na sala de audiências ou nas nossas vidas.
Façam este exercício comigo: esqueçam, por momentos, toda a paixão tremenda que têm pelo clube do vosso coração. Esqueçam, por segundos, esse amor quase irracional que sentem pelos vossos ídolos e pelas camisolas que vestem... e reflitam: se um pontapé de penálti, um cartão vermelho ou um qualquer fora de jogo relevante for de tal forma subjetivo que divida opiniões ou deixe margem para especulação... é ou não é da mais elementar justiça (e humanidade) aceitar, como boa, a decisão que a equipa de arbitragem tomou?
É ou não verdade que, fosse qual fosse essa decisão, ela seria sempre defendida por uns e atacada por outros?
Nesses casos, quando só há uma escolha a tomar, que alternativa tem o árbitro a não ser decidir em consciência, de acordo com a sua interpretação e perspetiva do lance (que é o que lhe pedem as leis de jogo)?
Que outra decisão saciaria a verdade de cada adepto? A verdade unânime de todos, quando não há unanimidade, porque ninguém está de acordo?
Haverá alguma forma lógica de contornar essa diferença? Não. Haverá alguma forma pacífica de satisfazer pessoas que veem, de forma oposta, a mesma coisa? Não. Haverá alguma forma consensual de gerir questões que serão sempre discutíveis? Não!
Então porque é que, nesses casos, choca tanto que se dê o (tal) benefício da dúvida?
A resposta é clara: porque há falta de razoabilidade. Falta de noção. Falta de sensatez, até. Os marinheiros têm que ter equilíbrio quando navegam em águas agitadas, senão caem ao mar.
Fica o apelo a essa lucidez, sobretudo a quem tem responsabilidades no jogo. Os campeonatos vão entrar na fase decisiva e essa será tão boa ou tão má quanto a nossa capacidade de sermos bem formados.