Belenenses desenraizado terá futuro?
A cultura americana aceita clubes desportivamente desenraizados. Há muitos exemplos de sucesso e ainda mais exemplos de clubes que não só resistiram à mudança da base geográfica de apoio, como cresceram. A cultura latina não aceita, sem um sério abalo de risco, que um clube com uma base geográfica e social de apoio histórica mude de espaço, mude de território ou mude de alma.
A justificação está na razão essencial de um conceito de sentimento de pertença que se consolida em quem tem uma ligação emocional e não raras vezes geracional com um clube.
É curioso. Um clube pode ter uma dimensal nacional na sua base de apoio, como é caso dos três maiores clubes desportivos portugueses, mas nenhum deles resistiria a uma transformação significativa da sua sede. Ou seja: com maior ou menor violência moral pode mudar-se a sede do Infarmed de Lisboa para o Porto, mas não se pode mudar o Benfica ou o Sporting para o Porto, nem o FC Porto para Lisboa.
E se a mudança for pequena, se o palco do futebol apenas se desviar para um lugar vizinho, como parece ir acontecer com o Belenenses?
A melhor resposta é dada pela própria história, quase secular, do clube de Belém. Quando o futebol mudou das Salésias para o Restêlo, o clube ressentiu-se. Não se extinguiu, mas debilitou-se. Perdeu força, perdeu alma, perdeu caracter e perdeu dimensão.
Mas o perigo maior, que em último grau poderá levar à extinção, está muito para lá da simples mudança de malas, máquinas e homens para o híbrido Jamor, obra emblemática do regime salazarista, à qual o reconhecido desdém do presidente do FC Porto chama de Estádio Municipal de Oeiras.
À beira de completar os cem anos de existência, é óbvio que não se tratará de exagero admitir que o Belenenses corre um risco alto de extinção. Mesmo que ironicamente o negócio triunfe sobre a personalidade histórica do clube imaginado e criado num banco de jardim da Praça do Império.
A tumultuosa realidade do Belenenses, que o cego escrutínio quase em regime de exclusividade dos clubes maiores reduz a uma dimensão de mera curiosidade social ou de nota de rodapé mediática, pode trazer-nos elementos novos de reflexão sobre a relação dos clubes com as sociedades desportivas em que assenta o seu futebol profissional.
Desde que as sociedades desportivas, com maioria ou sem maioria de capital dos clubes, matenham uma relação sociológica íntima e se confunda com a natureza e a História do clube fundador, os adeptos continuam a sentir o futebol como seu, mesmo quando, verdadeiramente, isso já não é uma realidade formal.
Daí que no exemplo mais recente do Sporting, onde o clube mantém a maioria do capital da SAD, o poder efetivo dos sócios tenha sido determinante para o novo rumo do seu futebol profissional.
Porém, nos clubes que perderam a maioria de votos na Sociedade Desportiva, e, sobretudo, naqueles, como é o caso do Belenenses, onde a divergência deu lugar a uma incompatibilidade total de convivência, dificilmente se encontrará uma saída conveniente.
O que está previsto no Belenenses, é que o divórcio seja inevitável e, aí, entraremos, de facto, num tempo novo e desconhecido. O futebol profissional haverá de se autonomizar e caminhará para um total desenraizamento do clube; o clube, se tiver coragem para tanto, renascerá aos cem anos, aprendendo, de novo, a gatinhar para alcançar um qualquer futuro, obviamente incerto e inseguro, mas, apesar de tudo, ainda sonhador.
Nesta perspetiva, julgo que, a médio prazo, o prejuizo maior recairá na SAD, que terá pela frente toda a secura de um deserto.