As vitórias são as melhores borrachas
Numa sociedade resultadista só há olhos para os resultados. Mas deverá também ser essa a única exigência que devemos ter no futebol?
O Benfica entendeu que conseguira ganhar o jogo em Paços de Ferreira, em quinze minutos. Fez do futebol um género de combate de boxe. Entrou a atacar desalmadamente o adversário, encostou-o às cordas e não chegou ao KO, mas achou que marcara pontos suficientes para deixar o combate correr até ao gong final, sem correr riscos e sem sofrer. Enganou-se. Eu bem sei que as vitórias são, hoje em dia, nesta sociedade resultadista, as melhores das borrachas. Apagam tudo o que de mau se faz e apenas deixam à vista o essencial do jogo: mais golos marcados, menos golos sofridos, igual a GANHAR.
É o que interessa, dirá o adepto que não exige mais do que o sentimento grato de vencer. E, no entanto, vale a pena tentar perceber que este Benfica não é o mesmo que nos surpreendeu na abertura da época com o seu futebol explosivo, presionante, intenso, de uma saúde que parecia inabalável e que jogava cada minuto dos noventa de cada jogo.
O Benfica de Paços de Ferreira - e não só - tem sido um Benfica diferente. Ou porque está cansado de jogar um futebol europeu durante todo o tempo e por isso entende que lhe basta o resumo, perante adversários que são obviamente menos qualificados, ou porque tem a consciência de que precisa de se poupar, porque tem uma equipa capaz, mas um plantel insuficiente.
Por exemplo, não sei por quanto mais tempo será possível a Roger Schmidt espremer esse limão de inesgotável sumo que é Enzo Fernández. Vale a pena lembrar que o argentino nem férias teve, já passou por um Campeonato do Mundo onde foi decisivo para o título do seu país, já passou pelo desgaste da euforia do sucesso e das festas de churrasco argentino, já passou pela intranquilidade emocional de uma transferência milionária, que lhe mantiveram prometida, mas que, na verdade, não se concretizou no momento que ele esperava e, apesar de tudo isto, que não é pouco, acartou com grande parte dos móveis de Paços de Ferreira para a equipa se poder instalar antes da casa pronta.
É verdade que todas as grandes equipas têm pedras nucleares das quais se sente muito a falta quando estão ausentes. No caso do Benfica, além de Enzo, Grimaldo, Rafa, João Mário, Vlachodimos (quantos pontos já ganhou para a sua equipa?), e também aquele competente triângulo defensivo, na zona central, formado por António Silva, Otamendi e Florentino como vértice flutuante.
No entanto, todas as grandes equipas têm de ter plano B para cada lugar, para cada posição e para cada ausência. É óbvio que um treinador escolhe sempre o que entende ser o melhor onze e por isso, teoricamente, ficam no banco os menos aptos para aquele jogo. O problema do Benfica é que não existem alternativas razoáveis. Por isso, o treinador alemão estende, o mais que pode, a resistência do onze que escolheu, evita mexer, nunca esgota as hipóteses de substituição e está a tornar-se um hábito estranho fazer entrar jogadores aos noventa minutos!
É por isso que o Benfica leva oito pontos de avanço (um jogo a mais) sobre o FC Porto, mas os seus adeptos têm uma estranha sensação de dúvida, de desconforto, de sofrimento. E têm razão. O FC Porto fez um início de campeonato dececionante, mas volta a estar pleno de força e por isso joga todos os jogos sem dó nem piedade do adversário, com um evidente e necessário instinto assassino que lhe dá uma dimensão medonha, que a maioria receia enfrentar. E essa imagem ajuda a equipa a fazer das montanhas planícies, porque impõe, em campo, uma autoridade que, neste momento, o Benfica não consegue impôr.
DENTRO DA ÁREA
Uma final bem clássica
Hoje há final da Taça da Liga. O evento ganha expressão tendo por finalistas o Sporting e o FC Porto. Há, por todo o país, uma expectativa legítima. Em primeiro lugar, porque é uma final e a discussão da conquista de um título de uma prova ainda com pouca história, mas que vai fazendo o seu caminho. Depois, porque há sempre curiosidade nos encontros decisivos entre dois dos maiores clubes de Portugal. Como nos ensina o passado, não há, em futebol, vencedores antes do jogo. Muito menos quando se trata de um clássico.
FORA DA ÁREA
O palco do Papa e a hipocrisia
Anova cruzada do depauperado jornalismo português é o palco do Papa. O problema, como sempre, é o dinheiro. O dinheiro, como se sabe, é o tema principal da discussão dos pobres. Os ricos não discutem dinheiro. Os pobres quando pagam querem sempre saber se ainda alguma coisa sobeja. Sobeja dinheiro de retorno e prestígio internacional - garante o presidente da Câmara, com cara amarga por provar do veneno mediático. Mas Carlos Moedas foi apanhado pela onda. Esbraceja e luta contra a corrente. Não será assim que se salva.