As manhas do coração

OPINIÃO13.05.201804:00

Dizem ue jornalista não tem clube. É falso, como se sabe. Há, sim, quem consiga escrever abstraindo-se das manhas do coração. Todos os anos torço, interiormente, por um clube. Esta tendência, porém, não me afeta no momento em que me sento e começo a dar ao gatilho, como se diz na gíria. Tento escrever o que vejo, o que sinto e as ideias que tenho sobre determinado assunto. Às vezes, como em tudo na vida, as coisas saem melhor do que outras. Já me arrependi de coisas que escrevi e já me orgulhei de coisas que escrevi. Mas tudo piora quando alguém de quem gostamos está em determinado clube. Já torci por Estoril, Estrela da Amadora, FC Porto, AEK, Panathinaikos, Sporting, Benfica e PAOK, por exemplo. Foi mais difícil desligar-me das manhas do coração, mas consegui. Outro exemplo: dentro de algumas semanas, no Grupo B do Mundial da Rússia, torcerei por Portugal e Irão. E vem esta lengalenga toda para quê? Para vos dizer, caros leitores, que me foi difícil (tal como a muitas pessoas desta casa) não ficar satisfeito, um pouco que fosse, pela vitória do FC Porto na Liga. A razão é simples e tem, de novo, a ver com as manhas do coração: Vítor Manuel, treinador e agora comentador em A BOLA e na BOLA TV. O Vítor é das pessoas mais queridas do futebol português e pai de Vítor Bruno, membro da equipa técnica de Sérgio Conceição. E é impossível desligar o coração ao ver e ouvir o Vítor-pai, emocionado, a falar do êxito do Vítor-filho. Ou ao ver e ouvir, pela TV, o Vítor-filho a falar, emocionadíssimo, do Vítor-pai.

É impossível ouvir as palavras de ontem de Bruno de Carvalho à Sporting TV e, sobretudo, ao Expresso e não perceber que as relações entre ele e Jorge Jesus estão razoavelmente deterioradas. O presidente leonino, talvez traído pelas manhas do coração, lançou algumas perguntas: «Quem é o líder do balneário? Então acha que um treinador permitiria que os jogadores fizessem aquilo que se escreveu ao seu presidente? Que os jogadores tinham virado as costas ao presidente, gritado com o presidente, que se tinham recusado a treinar-se, e por aí fora. Só pode ser invenção da comunicação social, não é? Porque se fosse verdade era gravíssimo. Tem tudo de ser invenções, não é? Porque senão era mau sinal haver um líder de balneário assim. E o líder de balneário é o treinador». Caro leitor, faço um desenho ou bastam estas palavras? Porém, se BdC procura motivo para transformar JJ numa espécie de Marco Silva, tire o cavalinho da chuva. JJ sabe mais na ponta do mindinho do que BdC no corpo todo. E nunca cairá na armadilha de responder/insinuar/especular sobre palavras do presidente, pois a ponta dum mindinho é muito maior do que um corpo.