As eleições na FPF e a morte de Pinto da Costa
'O poder da palavra' é o espaço de opinião semanal de Duarte Gomes, antigo árbitro
1 As eleições da passada sexta-feira para a Federação Portuguesa de Futebol confirmaram o que a generalidade da imprensa antecipou largamente: a vitória da Lista 1, encabeçada por Pedro Proença.
A votação dos delegados mandatados para o efeito foi clara, atribuindo ao ainda presidente da Liga Portugal 62 votos, ou seja, 75% do universo eleitoral.
Entre tantas outras conclusões possíveis, há duas que quero aqui destacar para memória futura:
A) Os 84 votantes representaram todo o tecido do futebol português e não apenas «interesses obscuros e manipulados», como vi alguns paladinos da verdade afirmar recorrentemente. Os votos em causa pertenceram, tomem nota, às 22 associações de futebol do país, à Liga Portugal enquanto órgão autónomo e a todos os sindicatos/associações de classe, ou seja, os dos árbitros, jogadores, treinadores, médicos, enfermeiros e dirigentes. Os votos em causa foram também os dos clubes e sociedades desportivas de competições profissionais, de competições não profissionais e de competições distritais. Todos tiveram voz, todos tiveram peso na decisão. E os votos em causa foram ainda de representantes de jogadores profissionais e amadores, de representantes de treinadores profissionais e não profissionais, de representantes de árbitros nacionais e distritais. Foi o futebol, todo o futebol, que decidiu, que votou, que escolheu nas urnas, em segredo e anonimato, sem pistolas apontadas à cabeça nem guardas pretorianas a espreitar por detrás das cortinas.
Que isso fique bem claro, sobretudo para quem tem mostrado grandes dificuldades em digerir os resultados.
B) A forma como a lista vencida conduziu a sua campanha foi um atentado a tudo o que devem ser boas práticas nestes processos. Essa é a minha opinião e fica aqui plasmada de forma clara. As armas sistematicamente apontadas ao adversário, levantando suspeitas graves (aguardamos todos que as provem no local certo), insinuando publicamente prática de crimes, apelidando de «cataventos» o candidato concorrente, recorrendo a meia dúzia de pistoleiros para fazer propaganda difamatória diária, deixou óbvio para todos — em particular para quem votou — o pavor que o opositor impunha. Foi medo mesmo, foi desespero, foi uma espécie de vale-tudo para tentar beliscar a honra e a credibilidade, atacando o mensageiro. Visto a esta distância, foi na verdade uma ode à pequenez extrema. Uma linha estratégica patética, triste e que perdeu a oportunidade única de concorrer com elegância, urbanismo, civismo. Uma pena mas, de facto, muito esclarecedor. Quem nasce sardinha dificilmente chegará a tubarão. Para a história fica a derrota esmagadora de uns, a vitória clara de quem nunca dirigiu uma única palavra sobre o adversário.
Nota — Se acham que esta opinião é dura percam algum tempo a ver como foi conduzida a campanha da lista agora derrotada.
2 Pinto da Costa partiu aos 87 anos. Com esta idade tão dourada devia ser proibido morrer-se de cancro. É horrível que qualquer pessoa que tenha desafiado estatísticas, vivendo tão longamente, seja forçada a partir não porque a vida termina em paz, mas porque o maldito bicho entendeu infernizar os dias finais de forma tão dolorosa e atroz. A este propósito, tenho acompanhado algumas reações públicas à notícia e, confesso com sinceridade, tenho vergonha de coisas que tenho lido e ouvido.
Todas as pessoas têm o direito a não gostar — e até odiar — de quem morre. Não é a morte que anula traumas, memórias, convicções profundas. Certo. Mas mostrar alegria ou felicidade plena nesse momento é de uma falta de humanidade medonha, um traço de malícia que assusta qualquer pessoa decente. Bastava o silêncio, a indiferença até, para marcar posição. Seria elegante e compreensível. Mas troçar, ridicularizar ou afirmar-se feliz pela partida de outro ser humano às mãos de doença prolongada, é inenarrável. Respeitarei sempre quem não é hipócrita e não se presta a homenagens em que não se revê. Terei desprezo total por qualquer pessoa que se rejubile com a morte de um igual. E depois há o karma, claro.