As contas a vermelho do clube azul

OPINIÃO17.10.201801:11

1 - Em semana sem competições de clubes, a única notícia verdadeiramente importante referente ao meu clube foi a apresentação do Relatório das contas de exploração referente à época de 2017/18. E o mínimo que se pode dizer, mesmo para um leigo na matéria como eu, é que elas são absolutamente estarrecedoras e de ficar com os cabelos em pé. Do ano passado para este ano, e já sob a alçada da disciplina financeira da UEFA, a SAD do FC Porto aumentou o seu passivo nuns astronómicos 76 milhões de euros e, contrariando todas as promessas feitas um ano antes pelo administrador financeiro, Fernando Gomes, apresentou um resultado de exploração que, embora tendo perdido menos 7 milhões que na época anterior, conseguiu, mesmo assim, apresentar um prejuízo de 28,5 milhões - no qual se inclui, como habitualmente, desastradas compras de jogadores e as sempre inexplicadas, incompreensíveis, anónimas e completamente loucas comissões de intermediação, quer nas compras, quer nas vendas.


Dir-me-ão que o mesmo ou semelhante se passa nos outros clubes nacionais, incluindo nos nossos rivais directos. É verdade que sim, pelo menos no que respeita à escandaleira das comissões com que todos enchem tanto os bolsos, mas com o mal dos outros posso eu bem. O que me preocupa é a sustentabilidade actual e futura do meu clube do coração e de que, aliás, sou accionista, desde a fundação da SAD, por mera paixão. E, se bem que jamais, como é óbvio, esperasse receber um tostão de dividendos ou até uma valorização bolsista que me permitisse, num aperto, desfazer-me, com lucro ou pouco prejuízo, das minhas acções, já agora também não dispensaria outras coisas que são normais em qualquer sociedade anónima, tais como ser convocado para as Assembleias-Gerais, receber o dito Relatório e Contas e algumas explicações devidas para vinte anos de continuados prejuízos de exploração sem fim à vista. Desde que foi criada, em 1997, até hoje, a SAD do FC Porto, sempre presidida por Pinto da Costa e com Adelino Caldeira sempre a vice-presidente, acumulou 464 milhões de euros de passivo, à razão de mais de 20 milhões por ano. A primeira pergunta que lhes gostaria de fazer é como é que esperam poder pagar um dia tal passivo ou sobreviver com ele, uma vez que só no último exercício os encargos com a dívida aumentaram 100 milhões? Também gostaria de lhes perguntar, pegando numa notícia do Correio da Manhã, como é que face aos resultados desastrosos deste exercício, a comissão de vencimentos, nomeada pelos administradores, foi capaz de propor, e eles aceitarem, um aumento de 19% nos seus vencimentos, passando o presidente a ganhar 609.000 euros por ano (50.000 por mês) e os restantes administradores 336.000 - fora os prémios de gestão e os de resultados desportivos, que era habitual atribuírem-se, que a certa altura foram suspensos, e que não sei se terão sido retomados ou não.

2 - Durante anos, defendi aqui que nas primeiras eliminatórias da Taça, disputadas a uma só mão, os clubes de divisões superiores deveriam obrigatoriamente jogar nos campos dos clubes de divisões inferiores, de forma a nivelar um pouco a competitividade, manter o espírito da Taça e levá-la a palcos pouco habituais. Também defendi que, pelo menos as meias-finais fossem jogadas a duas mãos. Hoje, congratulo-me por ver que uma e outra reforma foram adoptadas e, quanto à primeira, não tenho dúvidas de que com o gáudio de muitos milhares de adeptos por esse Portugal fora. É claro que isso implica, necessariamente, que grandes clubes e grandes vedetas desses clubes se vejam forçados a jogar em quintais, dos tais que eu tanto critico nos jogos do campeonato da primeira divisão. Mas são circunstâncias diferentes e excepcionais e, aliás, raras são as vezes em que os grandes levam as suas formações de luxo jogar com o Vila Real ou o Sertanense. Por vezes também acontece, infelizmente, que os campos onde os jogos se vão realizar não reúnem, de todo, as condições mínimas para receber um jogo federado ou que, o próprio clube anfitrião, porque, por exemplo, não tem iluminação para a transmissão televisiva, prefere transferir o jogo para outro local. Para os jogos desta semana, aconteceram dois exemplos que ilustram bem o tão propalado fair play desportivo. O campo do Vila Real, que vai receber o FC Porto, não tinha o relvado em condições para tal. Vai daí, os portistas, graciosamente, puseram a empresa que trata da relva do Dragão a tratar da relva do campo dos transmontanos e ainda abdicaram da sua parte na receita do jogo a favor deles. Já o Benfica declarou que não aceitava jogar no relvado do Sertanense, apesar das súplicas do presidente do clube, que dizia que a grande maioria dos habitantes da terra nunca tinha visto jogar o Benfica e que aquele seria um dia histórico para a vila. E também não aceitou jogar no estádio mais próximo, porque o relvado era sintético (o grande Barcelona jogou há semanas num). Conclusão: Sua Majestade Imperial vai jogar ao estádio Cidade de Coimbra. O Benfica de hoje é assim: exige tudo de todos, queixa-se de tudo e todos, protesta contra tudo e todos, reclama de tudo e todos, recorre de tudo e qualquer coisa, até de uma multa de 700 euros por ter feito tocar uma música ofensiva na despedida dos jogadores do FC Porto, na Luz. Acha-se acima de qualquer lei, qualquer regulamento, qualquer direito de outrem, qualquer princípio de convivência pacífica. Enfim, está a tornar-se um clube popularíssimo.

3 - No princípio da época dei aqui a minha opinião sobre a decisão do Conselho de Arbitragem de aproveitar os árbitros que recentemente tinham abandonado a actividade para os reciclar como VAR, sem cuidar de qualquer outro critério que não esse. E dei o exemplo de Bruno Paixão que, encerrando uma carreira onde foi dos piores árbitros da história do futebol português, era reciclado na função de VAR - função essa que, bem vistas as coisas, é a de outro árbitro, cujas intervenções podem até ser mais importantes e decisivas que a do árbitro de campo. Eu, como portista, por exemplo, não tenho a mais pequena confiança em saber que Bruno Paixão estará a fazer de VAR num jogo do meu clube. Pois, não foi preciso esperar muito tempo para que os factos me viessem dar razão: em Braga e à vista de todos, Bruno Paixão, deu um ponto ao Braga e tirou dois ao Rio Ave, não vendo um penalty flagrantíssimo que falseou o resultado final e a classificação provisória do campeonato. Aliás, por muito que isso incomode António Salvador (que irá virar o discurso ao contrário), agora que o Braga, por mérito próprio dá mostras de efectivamente se chegar aos crónicos da frente, vamos todos começar a atentar com mais atenção em coisas que até aqui não ligávamos muito: a frequência com que o Braga é beneficiado pelas arbitragens é uma delas; outra, é o extraordinário benefício concorrencial de que o clube beneficia, jogando num estádio que custou 150 milhões de euros e de que não pagou um tostão, cuja manutenção é inteiramente custeada pela Câmara Municipal e onde o clube paga de renda o mesmo que paga um estudante universitário por um quarto alugado em Lisboa: 550 euros por mês.

4 - A Selecção de Fernando Santos sem Ronaldo está a tornar-se um verdadeiro case study. Sendo que é impensável que Ronaldo não faça parte dela, é inevitável pensar que muitas vezes se perdeu por pô-la sempre a jogar em função de Ronaldo, sem outro plano de jogo.