Ambição
As minhas dúvidas de que a contratação do grande Pepe vai ser uma enorme mais-valia para o plantel do FC Porto são apenas metódicas. Sei que o futebol está longe de ser uma ciência exata e que há uma enorme quantidade de imponderáveis que podem fazer da mais acertada decisão um falhanço.
Aconteça o que acontecer, o essencial é o significado deste felicíssimo regresso. E não, não é apenas o podermos contar com um dos melhores centrais de todos os tempos e que mantém praticamente intactas, aos 35 anos, as suas qualidades; não é termos um homem que é um verdadeiro líder; não é dispormos de alguém com uma experiência internacional única; não é a sua chegada ter aumentado muito as soluções defensivas - e não só; não é ter alguém dentro do balneário que sabe o que é a mística do FC Porto e o que representa ter o brasão abençoado ao peito. Há sinais importantes que transcendem o significado estritamente desportivo do regresso do Pepe.
O primeiro, e mais importante, é todo o mundo perceber que na cidade do Porto mora um clube que é um exemplo de ambição e de vontade de vencer. Alguém duvida que com o atual plantel continuaríamos a ser o mais sério candidato a todos os títulos nacionais? Não foi com apenas estes jogadores que tivemos a melhor prestação de sempre na primeira fase da Liga dos Campeões? Mas há uma vontade clara de ir mas longe, de querer mais. O respeito de que desfrutamos por esse mundo fora é gigante (tão grande que nos faz esquecer as desconsiderações nacionais, que, francamente, desprezo) e é também fruto de atos de gestão como este. Mas se isto ainda nos aumenta o prestígio e o respeito dos nossos pares, tem também um efeito interno não despiciendo. A ambição não pode ser só um discurso, os jogadores, os treinadores e toda a estrutura sentem-no. Sim, aumenta a responsabilidade, mas ai de quem não souber lidar com ela no nosso clube.
Depois há uma questão estratégica fundamental. O FC Porto tem de manter um rumo desportivo (que, obviamente, tem repercussões financeiras) que assegure nos próximos anos uma presença permanente na Liga dos Campeões. Todos queremos ganhar tudo, mas não há, por exemplo, riscos para ganhar taças da Liga ou de Portugal que valham um ponto que seja na corrida para o título de campeão nacional ou uma eliminatória da Liga dos Campeões.
O que está em causa no futuro próximo é vital para o futuro do clube como grande europeu. Nada pode comprometer essa missão. E sim, este ótimo reforço tem se ser enquadrado nessa lógica e estou convencido que está.
Uma palavra para o Pepe. Não há quem não saiba das propostas fabulosas que o internacional português teve e, de certeza absoluta, muitíssimo mais vantajosas financeiramente. Só que o Pepe sempre se distinguiu por ser um jogador que só pensa em vencer, que se habituou a jogar sempre para ganhar títulos e conhece a casa que também é a dele. Que ninguém pense que o homem veio só por amor ao clube, veio porque ainda tem muitos troféus para vencer na sua carreira. Por outro lado, também é bom saber que ainda há homens para quem jogar com um distintivo ao peito tem mais importância de que todo o dinheiro do mundo.
Não há nada mais importante num clube que cultivar o seu espírito, os seus traços distintivos. Mostrar vontade de ser melhor, de chegar mais longe em qualquer circunstância, sobretudo quando tudo parece correr bem, é o que garante a conquista de títulos e mais do que tudo: a eternidade.
A propósito, amanhã temos jogo e é contra um excelente adversário. Um clube grande, importante e que merece todo o nosso respeito. E como em todos os campos deste mundo e do outro vamos fazer tudo para vencer. É que nós somos o FC Porto.
Para o Miguel Freire, sócio do CF ‘Os Belenenses’. Não passarão, rapaz.
Sei bem o que querem fazer do futebol: um espetáculo como outro qualquer. Querem que nós olhemos para as derrotas e as vitórias do nosso clube como um filme ou peça de teatro. Que seja divertido ver um jogo, que aplaudamos qualquer equipa desde que ela jogue bem. Querem que deixemos de sentir os nossos clubes como uma parte importante das nossas vidas, que não sintamos os outros adeptos do nosso clube como irmãos, que não vivamos a nossa equipa como uma extensão das nossas almas, que não pensemos que cada remate, cada cabeçada seja também nossa, que não sintamos nas nossas pernas as pancadas dos adversários, que não choremos com as derrotas e que não cantemos com as vitórias, que sejamos imparciais, que não nos tornemos irracionais na defesa da nossa tribo.
Eu sei muito bem que a nossa paixão está a mais num negócio de milhões. Sei que nos querem convencer que o nosso amor por as nossas camisolas é uma aberração, uma anomalia que se tem de aniquilar para que os campos de futebol sejam preenchidos por fãs e não por soldados da nossa comunidade, por guardiões de uma fé, por irmãos unidos numa crença.
Eles pensam que conseguem que aceitaremos trocar aquela sensação única de termos os nossos irmãos de fé a sofrer pelas nossas cores ali ao nosso lado, a chorar ou a festejar mas juntos como se a nossa vida se esgotasse naquele momento e aqueles homens fossem os nossos companheiros de vida, por uns rapazes que tanto podiam estar naquela bancada como noutra qualquer a comer pipocas e a fazer aquelas danças estúpidas dos desportos americanos. Querem que troquemos os nossos cânticos, hinos, palavrões berrados em fúria por umas musiquinhas bacocas cantadas por uns artistas que nem do nosso clube são. Que esqueçamos o património comum das nossas gentes, os heróis dos outros tempos, os sacrifícios que os nossos avós fizeram para que os nossos emblemas signifiquem valores, ideias, comunidades.
No domingo, o meu genro Miguel Freire mandou-me as imagens do Estrela da Amadora-Belenenses, onde ele estava, e vi o futebol que amo. Ao ver aquelas bancadas cheias de adeptos num jogo da sexta divisão percebi que os vendilhões do templo não passarão. O que ali se passou transcende o jogo. Era gente que se recusa a perder as suas referências, o seu património comum, a sua história, a sua tribo, que sabe que o futebol que amamos vai muito para além de rapazes a pontapear uma bola, de vitórias e derrotas, de jogos televisionados, de jogadores milionários. É algo da nossa mais profunda alma, um sentimento tão forte que não somos capazes de o explicar, que nos enche o peito de uma paixão tão grande que só sai com berros ou choros.
Eu e tu, caro genro, vamos ter um problema. Os teus filhos serão os meus netos, assim o desejo, e já pressinto que no dia em que nascerem vão ser sócios de dois clubes. Depois é com eles. Mas se o coração deles tiver a Cruz de Cristo cravada em vez do meu brasão abençoado, que a amem como tu a amas. Vai-me custar, mas este velho respeitará sempre o amor.