Alguns ajustes nas contas correntes

OPINIÃO17.04.202107:00

O caso muito perigoso do castigo a Rúben Amorim; a inexplicável decisão política de proibição de público nos estádios, em contraciclo com a Europa

COMECEMOS por esclarecer. Não se trata de um ajuste de contas, coisa que não seria rara em Portugal e num certo tipo de jornalismo. Trata-se, apenas, de ajustar as contas correntes, comentando alguns dos episódios mais perturbadores  que se têm registado no futebol português.

SUSPENSÃO de Rúben Amorim. Eis um assunto que não tem sido suficientemente avaliado. Na falta de alguma informação clara e objetiva sobre o processo que levou à decisão de um castigo pesado, que obriga o treinador do atual líder do campeonato a estar fora do banco em três jogos consecutivos e numa fase em que a equipa tem vindo a denotar alguma instabilidade emocional, sobrepõe-se, sobre todas as coisas, uma perceção perigosa, mas inevitável, de que existem dois pesos e duas medidas no decisor disciplinar. Mais grave do que vimos acontecer em Portimão, tendo como protagonistas os principais candidatos a uma final de luta livre, Sérgio Conceição e Paulo Sérgio, e mais indecoroso do que o gesto bárbaro de Miguel Cardoso, não conheço e será difícil que alguém conheça no futebol do primeiro mundo. Claro que podem existir argumentos técnicos, mas não há justiça que possa resistir à total falta de bom senso e de compreensão. Podem e devem explicar melhor, até para se ter a certeza de que as decisões podem ser discutíveis, mas são transparentes.
 

Rúben Amorim: 15 dias de castigo

Odeserto nos estádios. Ninguém se atreve a contestar, na ordem unida da sociedade portuguesa, cada vez mais acrítica e menos interrogativa. Acresce que o futebol português tem má fama social e, em boa verdade, até alguns dos seus protagonistas têm feito os possíveis por não alterar as razões que levam a criar-se, genericamente, uma imagem de primitivismo social. Acresce que aqueles que ainda se dão ao trabalho e à paciência de olhar as redes sociais ligadas à questão do futebol nacional, logo encontrarão, na linguagem ordinária e mesquinha, mil e uma razões para exilar o futebol para o Gulag lusitano.
Dito isto, há que ter a coragem de remar contra a maré e dizer que a decisão política do Governo em não consentir público nos estádios, mesmo em condições de limitações e regras pré-estabelecidas, é uma decisão injusta e inexplicável. Sobretudo, se atendermos às normas de desconfinamento que permitirão público em espetáculos promovidos em recintos fechados. Apenas sucede que o Governo, ao castigar o futebol e os seus adeptos, sabe que não encontrará entraves numa oposição politicamente dependente da opinião pública e, acima de tudo, sabe que, pelo menos aí, poderá contar com o apoio da maioria dos comentadores profissionais que enxameiam as televisões com os seus discursos fechados em critérios de promoção de imagem própria e de criação de audiências.
Mas a verdade é que não se ouviram razões técnicas e científicas para tal decisão. Acresce que sendo Portugal um seguidor respeitoso e fiel da Europa, só no futebol se destaca pelo excesso de autonomia nacional, não acompanhando o acordo entre a UEFA e diversos países europeus para a realização, com público nos estádios, do próximo Europeu.

OJapão regressa à dúvida: haver ou não haver Jogos Olímpicos. É uma indecisão rara no habitual pragmatismo das civilizações orientais. Julgávamos já ter sido ultrapassada essa questão. Sobretudo depois de se garantir a vacinação entre os que entrarem na bolha olímpica.
 

LISBOA, A CAPITAL EUROPEIA DO JUDO

A semana foi marcada pela impactante cerimónia oficial do hastear da bandeira de Lisboa Capital Europeia de Desporto. E logo este fim de semana, o primeiro grande evento internacional, com a realização do Campeonato da Europa de Judo. Lisboa será, pois, a capital do judo europeu, enquanto Portimão receberá, apesar do agravamento das medidas de confinamento, o grande prémio de Moto GP. Curiosamente, o desporto continua a fazer parte da agenda do interesse político que, nestes casos, se junta ao interesse nacional.
 

SÓCRATES E O JOGO PANDÉMICO

Sócrates foi a estrela da semana. O homem de quem o país inteiro andou a falar por lugares confinados e desconfinados. De repente, Portugal acordou com dez milhões de juristas, especializados em direito penal e com pós-graduação em constitucionalismo. Cada um, a sua opinião e o seu alvo. A favor ou contra o ex- primeiro-ministro; a favor ou contra o juiz Ivo Rosa; a favor ou contra o Ministério Público. A favor ou contra a acusação; a favor ou contra a pronúncia. Ser a favor ou contra tornou-se num jogo ironicamente pandémico.