Algo que não existe

OPINIÃO20.01.202003:00

NÃO entendo muito bem a teoria que diz que, se o Sporting vender Bruno Fernandes por 70 milhões de euros, por exemplo, ficará com apenas 37,345 milhões. Vejamos. Terá de entregar 6,15 milhões à Sampdoria devido aos dez por cento que o clube italiano detém sobre a mais-valia (o passe de Bruno Fernandes foi comprado por 8,5 milhões)? Certo. Mais dez por cento para os agentes que tratarem da transferência (7 milhões)? Certo. Mais cinco por cento do mecanismo de solidariedade (3,5 milhões )? Se for o Sporting a assumir, certo (no caso de João Félix, por exemplo, foi o Atlético Madrid a pagar). Segundo as minhas contas, descontando 16,65 milhões (6,15+7+ eventuais 3,5) a 70 milhões, o Sporting ficará com cerca de 53 milhões! Depois, se tem de entregar 16 milhões à banca, é outra história. Mas esses 16 milhões são do Sporting. Ponto.

IMAGINE o seguinte, caro leitor. Sai-lhe um euromilhões de um milhão de euros. Há, porém, uma condição: tem de entregar (imaginemos) 100 mil para abatimento no empréstimo da sua casa. Assim, fica com 900 mil na conta bancária e menos 100 mil na dívida à banca pela compra da casa. Total? Um milhão, certo? É a mesma coisa com a dívida do Sporting. Imaginemos que os leões devem 500 milhões à banca, que transferem Bruno Fernandes por 70 milhões e que, na sequência dos acordos com a banca, têm de entregar 16 milhões para abater na dívida bancária. Ficam com quanto? Desde logo, com uma dívida bancária de 484 milhões, certo? E com um valor líquido de, digamos, 37 milhões (descontando já a parte a dar à Sampdoria, a parte a dar aos agentes e a eventual parte a entregar como mecanismo de solidariedade). Ou seja, 53 milhões de euros (16 de abatimento na dívida bancária e 37 na conta bancária). Alguém se importaria de receber, por exemplo, um prémio de um milhão de euros, sabendo que 100 mil euros teriam de ser entregues, obrigatoriamente, para abater no empréstimo da compra da sua casa? No seu caso, leitor, não faço a mais pequena ideia, mas no meu importava-me zero. E era um zero bem redondinho.

OUTRO exemplo. Se o Sporting vender o passe de Bruno Fernandes por 70 milhões e depois, já entregue o dinheiro referente à Sampdoria, aos agentes, ao mecanismo de solidariedade e à banca, decidir comprar, com o que resta dessa verba, passes de jogadores no valor global de 37 milhões, significa que a transferência do seu capitão de nada valeu em termos financeiros? Ou se, ainda em janeiro de 2020 e com o dinheiro que sobra, o clube comprar passes de jogadores no valor de 40 milhões, isso quer dizer que a saída do seu número 8 deixou um rombo de três milhões nas finanças de Alvalade? Não. Significa que as pessoas não sabem fazer contas. Ou que, sabendo-as fazer, querem fazer-nos crer em algo que não existe.