Águia fica em espera

OPINIÃO18.05.202107:00

É preciso recuar até 2009 para ver o Benfica em terceiro lugar. Ironia do destino: Luís Filipe Vieira não gostou, despediu Quique Flores e ‘inventou’ Jorge Jesus

Odérbi do futebol português, realizado no último sábado, foi um hino ao futebol, em que «o Benfica fez grande primeira parte e o Sporting fez segunda à campeão», como escreveu o também grande mister Vítor Manuel, em A BOLA.  Concordo em absoluto.  Apesar do pesado silêncio no estádio, a televisão permitiu aos portugueses de cá e de todos os lugares no mundo o privilégio de seguirem à distância   um jogo que fica para a história e de testemunharem a sua riqueza  competitiva, pelo número de golos marcados, sete, e alguns de bela  execução, pela incerteza no resultado e pela  espetacularidade que o caracterizou.
Pode dizer-se que o Sporting facilitou, por já ter o seu objetivo supremo alcançado, e que o Benfica apenas precisou de navegar sobre a  menor concentração do opositor - ainda a viver a festa do título, que obrigou a uma noite perdida e a uma recuperação apressada -, de forma   a disfarçar  o embaraço  por causa de uma temporada perdida e agitar um  prémio de (fraca) consolação, que foi o de ter impedido o seu rival de Lisboa se ser campeão invicto.  
Foi um dérbi fantástico e que, entre outros temas de interesse, serviu para mostrar à saciedade por que razão o Sporting foi campeão e o Benfica apenas terceiro.
 

RÚBEN AMORIM apostou num onze titular que surpreendeu, com alterações justificadas e outras por ele decididas com um propósito definido e que poderá ser interpretado como um  alerta para os tempos mais exigentes que se avizinham.    
Um coisa é jogar com João Mário e Palhinha no corredor central, outra  é utilizar apenas um deles, outra, ainda, é abdicar de ambos e dar a titularidade, como foi o caso, a Matheus Nunes e Daniel Bragança, dois jovens de risonho futuro e que amparados a uma muleta experimentada cumprem e sobressaem mas que, em simultâneo, revelam ainda a precariedade  de um pilar feito de argamassa pouco consistente.
«Se  o recorde fosse mais importante que o futuro teria preparado a equipa de outra maneira», esclareceu Rúben Amorim, na conferência de imprensa, frisando ainda a necessidade de pensar «mais à frente» e, nesse sentido, enxergar soluções para as carências que existem,  embora habilmente mascaradas, como frisou, e os resultados atestam.
No essencial, é minha opinião  que Amorim, na linha do que em frequentes ocasiões tem afirmado, quis mais uma vez alertar para os complexos desafios que vão deparar-se ao leão na qualidade de campeão em título, sobretudo no mercado externo, com a participação na Liga dos Campeões.
 

JORGE JESUS jogou na máxima força, ainda na ténue esperança de chegar ao segundo lugar, e penso ter-se visto  a melhor primeira parte do Benfica neste campeonato, de grande classe, notável eficácia na finalização e apreciável organização defensiva. Praticou um futebol  bonito, harmonioso e de elevado sentido estético. O problema viria depois. Em outras ocasiões, porém, tem sucedido o inverso, começa mal e acaba bem, tornando-se um mistério  que nenhuma  pandemia explica esta indolente atitude da equipa encarnada  perante os rigores da competição, apesar de o  seu treinador, com a soberba que lhe é conhecida, já estar a arvorar-se  em  campeão da segunda volta, sem se dar conta que é preciso recuar até 2009 para ver o Benfica  em terceiro lugar na classificação final. Ironia do destino: Luís Filipe Vieira não gostou, despediu Quique Flores e  inventou Jorge Jesus.  
Um dúzia de anos depois a história repete-se só na classificação, que é má, porque, no resto, parece tudo correr às mil maravilhas. Pelo menos, para Jesus sim, que diz o que quer e faz o que lhe apetece, ao ponto de se dar ao luxo  de endereçar os parabéns pelo título ao presidente do clube rival e  de  Rúben Amorim ter comunicado aos jornalistas não manter uma relação próxima com Jesus, mas se este enviou  uma mensagem a Frederico Varandas significa que «mandou a  todos». Para fim de festa, viu-se o mesmo Jesus à saída do túnel, com a conveniente publicidade, para se cruzar com o treinador  adversário: «Quis dar-lhe os parabéns pessoalmente e fiz por me encontrar com ele no túnel.»  
Ficou a ideia de que Jorge Jesus quis esforçar-se para mostrar que, afinal, o fair play não é uma treta.
O que ele não consegue explicar  com nitidez  é estar a ganhar  ao intervalo por 3-1, começar a segunda com 4-1 e acabar o jogo na iminência do empate. Argumenta que para alguns jogadores  «estar a ganhar 4-1 é como se estivesse 0-0»,  que a equipa não sabe defender-se.  Se calhar, sim, mas para isso é que se contratam treinadores, alguns com custos escandalosos, não para divertirem as redes sociais, mas  para valorizarem o clube empregador com vitórias e títulos.
Como a maldita pandemia, pelos vistos, embirrou mais com Jesus do que com todos os outros treinadores, à família benfiquista resta resignar-se  e  acreditar que para o ano é  que vai ser. Se, entretanto, mesmo com o país vacinado, não aparecer por aí outra vaga. Com o azar dele, talvez só daqui a dois anos, talvez…
 

Nota final - Aplaudo a decisão de Frederico Varandas em ter assistido ao jogo na tribuna presidencial do Estádio da Luz, onde é o seu lugar na qualidade de convidado de referência. Uma coisa são as rivalidades, que devem ser intensas e vibrantes, outra as relações institucionais, que devem ser cordiais, em nome da paz no jogo e da prosperidade no negócio.  Quero acreditar que o presidente do Sporting deu um passo de enorme significado, no sentido da aproximação.