A vitória dos humildes
Na sétima jornada da Liga, disputada na primeira semana de outubro do ano passado, o FC Porto jogou na Luz e perdeu, mas sem convencer Sérgio Conceição o qual, depois de ter baqueado diante do Vitória de Guimarães, na jornada 3, considerou que eram fracassos demasiados e, logo ali, em jeito de aviso sério, afirmou, até para levantar o moral das suas tropas, que «talvez esta seja a nossa última derrota no campeonato».
Não foi. Quando Conceição emitiu aquele sinal de pujança não teve em conta o pormenor de as visitas serem retribuídas na volta seguinte da prova e foi isso o que o Benfica fez, no último sábado, à jornada 24, triunfando outra vez e recuperando a liderança, com dois pontos de avanço.
No jogo da Luz, Conceição não contava perder pela razão simples de, nos seis jogos anteriores para a Liga, no consulado de Rui Vitória, isso nunca ter acontecido. Mas há sempre uma primeira vez, que o irritou na altura, embora sem lhe abalar a confiança por acreditar piamente que na resposta, entre os seus, aplicaria exemplar castigo à águia pelo ousado atrevimento. Entretanto, o Benfica mudou de treinador e isso fez toda a diferença porque se Rui Vitória precisou de sete tentativas para derrotar o FC Porto, Bruno Lage conseguiu-o à primeira e ainda por cima na casa do dragão, feito apenas registado neste século nas épocas de 2005/2006 e 2014/2015. Uma raridade, que mais valoriza Lage e mais compromete Conceição: as coisas são como são.
Desta vez, porém, houve a particularidade de o Porto não retirar qualquer benefício por ter sido o primeiro a marcar. Não só não se aproveitou dessa preciosa vantagem para tomar conta do jogo, como não soube desenvencilhar-se da poderosa reação encarnada. Foi encostado às cordas, como nunca se sentira, e até à expulsão de Gabriel jamais revelou arte e engenho para neutralizar a organização benfiquista. O argumentário a que Conceição se agarrou, mais o lamento pelo rol de oportunidades não aproveitadas, no essencial, contam o filme dos treze minutos finais, quando, a jogar com menos um, o Benfica, naturalmente, cedeu o domínio ao oponente e mostrou um espírito solidário e uma capacidade de sofrimento que mal se lhe conheciam e que formaram uma barreira que o Porto não foi capaz de derrubar.
Além de notável desempenho coletivo, assente num futebol atrevido, belo e matreiro, as armas da águia residiram na humildade e na surpreendente estabilidade emocional de uma equipa jovem, embora preparadíssima para suportar o ambiente infernal no Dragão.
Foi a vitória dos humildes frente a um rival que aproveitou os dias que antecederam o clássico para projetar a conquista do campeonato. Nas opiniões avulsas no seio da família portista, dos mais velhos aos mais novos, dos notáveis aos anónimos, a dúvida era adivinhar por quantos iriam ganhar. Como donos da festa, fizeram barulho até cansar. Deitaram os foguetes e apanharam as canas sem atribuírem a importância devida ao jogo que estava por realizar. Ou seja, tanto sopraram no balão da pesporrência que o fizeram rebentar ainda o árbitro não tinha apitado para o espetáculo começar.
Grande foi o folguedo e não deixou de provocar admiração a ideia de lhe emprestar certa solenidade através de uma cerimónia surpresa para anunciar a prorrogação contratual entre o clube e o treinador. Foi estranho, pelo menos para mim, mas eu não sou tido nem achado no processo, por isso aceito a coincidência, quando seria suposto terem sido decretados alerta máximo e concentração absoluta a pouco mais de 24 horas do compromisso que, em caso de sucesso, entreabriria a porta do título ao emblema do dragão.
Enriquecer o programa com uma emergência protocolar perfeitamente adiável, sublinho, parece-me estranho. No entanto, o presidente portista é hábil e de sólida experiência. Se ele quis que fosse assim alguma intenção teria em mente. Provavelmente juntar a sua manifestação pública de reforço de confiança em Sérgio Conceição a uma vitória anunciada sobre o Benfica.
Plano quase perfeito, sendo certo que se correu mal a culpa foi do treinador. Vem nos manuais.
Pinto da Costa, jogos e resultados à parte, não vai esquecer porque queria a capitulação, já, de Luís Filipe Vieira - o único que lhe faz frente nos relvados e o suplanta no trabalho, na obra, na inovação, no sentido de futuro - e, em vez disso, viu-o sair do Dragão vitorioso. E líder.