A última jornada
1 - A fazer fé nas muitas análises que ouvi e li, só com a minha fezada de amor clubístico, poderia enxergar o Benfica no segundo lugar do campeonato. É que nos tais comentários, a última jornada seria quase uma formalidade e o vice-campeão seria lá para a outra banda da Segunda Circular. O ‘bailinho de 65 milhões’ de que aqui, há dias, escrevia André Pipa era isso mesmo: jogava-se sobretudo na Madeira em euros, somando em módulo, no mínimo, 40 mais 25 milhões, ainda que sob condição - não fácil - de serem ultrapassadas duas eliminatórias no mês de Agosto. Nunca um 2.º lugar teve tanto interesse … financeiro!
O Benfica mereceu ser vice-campeão, sobretudo se atendermos à circunstância de ter jogado melhor nos dois dérbis lisboetas, que só não ganhou por falta de eficácia e alguma infelicidade. Também para grande tristeza dos … portistas, o Sporting não venceu no sempre difícil estádio maritimista e o Benfica, jogando pouco, lá conseguiu vencer um esforçado Moreirense.
Desde que os treinadores do SLB foram Jorge Jesus e Rui Vitória, ou seja, nas últimas nove épocas, o Benfica foi campeão (5 vezes) ou vice-campeão (3 vezes). Situação só superada nos anos gloriosos entre 1962/63 e 1978/79 (12 vezes campeão e 5 vezes vice-campeão).
2 - Afinal o jovem central Rúben Dias jogou na última partida. Num assomo de fulgurante e inédita atitude, o presidente do Conselho de Disciplina (CD) da FPF espoletou um processo sumário relativo a uma alegada agressão do jogador, apesar de quer os árbitros de campo (um deles bem perto, o árbitro assistente), quer o VAR e o seu assistente não terem assinalado falta. Vai daí entrou em acção uma zelosa Comissão de Instrutores (nome curioso…). Tudo rápido, tudo barato, tudo sumariamente sumário, toma lá dois jogos de suspensão para Rúben. Assim é que é! Nem sequer se achou prudente (e justo) ouvir a opinião dos intervenientes, já não digo do atleta e do opositor na jogada, mas sobretudo dos árbitros em causa. Para quê, afinal? Manda quem pode, obedece quem deve. Pois se é o presidente do CD que toma a iniciativa do processo, está tudo dito. Pena que não tenha havido tal vertigem decisória e fúria punitiva com tantos casos que se passaram nos nossos estádios, para os quais precisaria de todo este meu espaço para, ao menos, exemplificar as situações bem mais gravosas que aconteceram. Bem sei que José Manuel Meirim tem sido, inadequada e injustamente, alvo de mimos bem deselegantes do presidente do SCP, mas que diabo, não se justificava tão súbito furor contra o opositor dos leões…
Paradoxal e curiosa foi a também rápida decisão do CD em anular o castigo, passando - e bem - da acusação de uma agressão para uma acção negligente, depois de ouvidos os árbitros e o VAR. Em suma, o presidente de um órgão decide um sumaríssimo, a tal Comissão de Instrutores decide pela punição, e o órgão do presidente anula a decisão. Assim vai a consistência dos órgãos jurisdicionais do nosso futebol. Já nem sequer falo da gritante falta de equidade que, não é demais recordar, consiste em tratar de modo igual o que é semelhante e de maneira diferente o que é desigual, na justa proporção dessa desigualdade. Coisa de somenos para tão doutos instrutores…
3 - Rui Vitória foi bastante criticado pela refulgente expressão do politicamente correcto porque, como dizem os brasileiros, não parabenizou o campeão FC Porto. De repente, os próceres da elegância e da urbanidade, acharam que ali estava um crime de lesa-futebol e lesa-educação. No domingo, o treinador do Benfica respondeu à letra: «não dou parabéns a quem me trata mal». Não me recordo de, por exemplo, há dois anos Lopetegui ter felicitado o Benfica e não ouvi suspiros ofendidos sobre isso. Já me recordo, porém, de Nuno Espírito Santo ter dado os parabéns ao tetracampeão, assim como me lembro das críticas e insinuações que, no seio do seu clube, logo se fizeram ouvir sobre tão inapropriada atitude do técnico. Na minha opinião, Rui Vitória fez bem. Quem não se sente não é filho de boa gente. Dar os parabéns a um clube que não tem relações formais e que, directa ou indirectamente, passou o ano a violar preceitos éticos fundamentais, a praticar alegados crimes de violação de documentação roubada, a ter um canal e um funcionário dedicados à insinuação torpe constante, a fazer comparações ignóbeis entre colegas de profissão? Basta de hipocrisia. Não lhes chegarão os parabéns tão afectuosos e sinceros de outros clubes em relação matrimonial, ainda que, com separação de vitórias, ou pelo menos não comunhão de adquiridos?
Outra coisa, porém, é dar felicitações a pessoas e amigos que com o seu amor a um clube bem as merecem. Foi o que fiz com portistas vencedores e é o que eles me fazem enquanto benfiquista vencedor. E aqui permito-me endereçar as minhas felicitações a Paulo Teixeira Pinto que, certamente, estará a saborear a vitória do seu FC Porto. Nunca esquecerei o modo elegante, culto e sereno com que, no primeiro ano em que fomos colegas na ‘Tribuna de Honra’ de A BOLA TV, ele - vencedor - soube perceber a minha tristeza naquela segunda-feira do programa que se seguiu ao golo Kelvin. Ali o saber ganhar e o saber perder uniram-se. Como alguém disse, é preciso saber aceitar o fracasso como um homem e o sucesso como um senhor.
4 - Ironia do destino, Rui Patrício marcou a sua estreia jogando no Funchal em Novembro de 2006 e logo defendendo um penálti e garantindo a vitória ao seu clube. Quase 12 anos depois, no mesmo Estádio e contra o mesmo Marítimo, teve uma infelicidade que só damos conta quando falamos de grandes guarda-redes, como é o seu caso. É assim o futebol, por mais cientificidade que se lhe queira dar. Ainda uma semana antes, havia salvado o SCP de uma derrota contra o Benfica e viu caírem sobre ele mimos luminosos misteriosos. No último jogo do campeonato, foi vaiado por muitos daqueles que, ao longo de tantos anos, o aplaudiram justamente e a ele lhe devem, também, alegrias. Entretanto, nessa altura o presidente do seu clube estava a festejar a notável vitória na Taça de Portugal em futsal contra o Fabril… Ao Rui Patrício, desejo-lhe um notável campeonato do Mundo.
5 - Nas próximas semanas, vou procurar fazer uma resenha de alguns aspectos que caracterizaram este campeonato, assim como dar a minha opinião sobre a época do meu clube. Por agora, gostaria de saudar a subida do Santa Clara, lídimo representante dos Açores e do Nacional da Madeira, habitué do 1.º escalão e da oferta meteorológica de nevoeiro. Fiquei muito satisfeito pela manutenção de um símbolo do nosso desporto, o Vitória Futebol Clube, de Setúbal que tem 69 presenças em 83 campeonatos (o sexto mais assíduo), em significativa parte devido a José Couceiro, um técnico competente, um homem diferente e um carácter exemplar no meio de tanta erva daninha. Lamento as descidas do Paços de Ferreira que, há largos anos, nos habituámos a ver na 1ª Divisão e do Estoril. No caso dos canarinhos fica um sabor amargo de uma boa equipa cujo desmoronamento, por coincidência ou não, começou ao intervalo do jogo contra o FCP e numa segunda parte absolutamente indigente. Daí para a frente, foi o que se viu.