A tripla coroa inédita de CR7
Nada apelativa a tarefa de comentar o campeonato português mais os seus insuportáveis vícios sistémicos, truques de feira e misérias morais encapotadas. Mas enquanto houver ligas como a inglesa, espanhola, italiana, alemã e até francesa para seguir não me ouvirão gastar muita cera com o defunto; até porque os melhores profissionais portugueses - jogadores e treinadores - atuam nestas ligas e os que ainda não estão para lá se encaminham. A notícia mais significativa do fim de semana chegou de Turim, Itália, assinada pelo insaciável Ronaldo. Com a conquista mais do que esperada do scudetto, que ajudou a aliviar a enorme deceção da Champions, Cristiano tornou-se o primeiro futebolista de sempre a ganhar as três ligas mais importantes da Europa (e do Mundo): Inglaterra, Espanha e Itália, imitando a proeza que José Mourinho conseguira há sete anos, com a Liga dos cem pontos em Madrid que completou as conquistas da Premier com o Chelsea e da Série A com o Inter. Mourinho e CR7 são agora, respetivamente, o único treinador e o único futebolista da história com a tripla coroa no palmarés. Os únicos! Ambos portugueses, ambos no ativo, ambos deste tempo.
Desculpem insistir, mas penso que este facto devia ter tido muito mais eco nos media nacionais. Foi noticiado como simples curiosidade quando é tudo menos um detalhe. Bem sei que os golos domésticos do Félix, do Marega e do Bruno Fernandes são muito importantes, mas estamos a falar de um jogador e de um treinador com assento no gotha do futebol mundial, detentores solitários de um recorde espetacular. Estamos a falar das três melhores ligas do Mundo, onde todos os treinadores e jogadores sonham brilhar. Entre os milhares que lá atuaram só dois fizeram o tri ao fim de quase cem anos. Dois dos nossos…
A liga inglesa começou a disputar-se em 1888, a liga italiana dez anos depois (1898) e a liga espanhola em 1929. Com o tempo viriam a consolidar-se como as três mais importantes e prestigiadas do Mundo, com um peso desportivo e institucional claramente superior ao da Bundesliga alemã, a quarta grande, e muitíssimo superior ao da Liga francesa, que é considerada uma das big five sobretudo pelo peso do futebol francês a nível de seleções e nos centros de decisão politica e administrativa. Um bom índice de aferição é o número de títulos nas competições europeias ganhas pelos clubes das ligas em questão: a liga espanhola produziu 18 campeões europeus contra 12 dos ingleses e italianos, 7 dos alemães e um dos franceses; e os clubes espanhóis venceram 24 das restantes competições (Taça das Taças, Taça das Feiras, Taça UEFA e Liga Europa) contra 20 dos ingleses, 17 dos italianos, 10 dos alemães e um dos franceses. Tudo somado: Liga espanhola: 42 títulos europeus; Premier: 32; Série A: 29; Bundesliga: 17; Ligue: 2. Percebe-se a diferença.
Entre as centenas de jogadores que disputaram as quatro ligas mais importantes, só quatro conseguiram vencer pelo menos três delas. O extremo Arjen Robben foi o primeiro em 2010 (campeão em Inglaterra, Espanha e Alemanha); seguiu-se outro holandês, o médio Marc van Bommel, em 2011 (Espanha, Alemanha e Itália); e o médio alemão Sami Khedira, colega de CR7 no Real e na Juve, em 2016 (Alemanha, Espanha e Itália). O nosso Cristiano completou o tri no último domingo e logo com a inédita tripla coroa que o compatriota José Mourinho, como treinador, assegurara em Bilbao (3-0) na noite de 2 maio de 2012. Termino como comecei: o único treinador e o único jogador que conseguiram ganhar as três ligas mais importantes do Mundo (além da Champions, claro) são Portugueses.
Se isto não é motivo de orgulho nacional vou ali e já venho.
Dúvida angustiante em Old Trafford
A Premier inglesa é a liga mais interessante de todas e agora as suas principais equipas também dão cartas na Europa. Era inevitável, dado o poder financeiro dos clubes e a dimensão brutal dos investimentos nos últimos anos. City (86 pontos) e Liverpool (88) mantêm um braço de ferro titânico que terminará com um campeão de grande qualidade, seja ele qual for. O dérbi de logo à noite em Old Trafford pode catapultar o City de Guardiola para uma liderança quiçá definitiva - se ganhar; ou, pelo contrário (empate ou derrota), deixar Pep atrás de Klopp a três jornadas do fim - quiçá de forma definitiva também.
O United reproduziu neste último jogo com o Everton as atuações mais miseráveis da era Mourinho - acabou cilindrado por Marco Silva (0-4) e por todas as grandes figuras do United com acesso aos media. É claro que jogando daquela maneira, como quem faz um frete enquanto aguarda pelo começo das férias, os red devils estão condenados a nova humilhação. Solskjaer hesita entre ir a jogo com os mesmos zombies ricos, moles, birrentos e mimados, enquanto os amargurados adeptos hesitam entre duas dúvidas angustiantes: a) estragar a vida ao ruidoso rival citadino… mas entregando o ouro ao maior rival histórico; b) estragar a vida ao maior rival histórico… mas entregando o ouro ao ruidoso rival citadino. Resumindo: volta depressa, Alex Ferguson.