A prudência!
A conveniência de Rui Costa, e a inevitável sombra de Luís Filipe Vieira
R UI COST’A deu a primeira entrevista como presidente do Benfica e escolheu não o fazer no canal do clube, provavelmente para não se ver acusado de a conceder em circunstâncias condicionadas e com perguntas previamente combinadas. Nesse sentido, terá feito bem. Mas mesmo escolhendo outro meio, percebe-se que não quereria expor-se demasiado. Rui Costa precisava de uma entrevista conveniente, que marcasse duas ou três mensagens e não mais do que isso. E que não aprofundasse nenhum dos aspetos que porventura mais incomode os benfiquistas. Desse objetivo, saiu-se bem.
Mostrou serenidade, revelou-se grato a Luís Filipe Vieira e fez questão de não ignorar o passado (não podia e também não devia fazer), e teve, evidentemente, a dignidade de não se incluir no «rebanho» dos que condenam o ex-presidente encarnado mesmo sem estar ainda, sequer, acusado.
Rui Costa não deixou se apresentar com um trunfo inquestionável: a paixão pelo clube, a transparência que lhe exige o caráter e a obrigação que sentiu de assumir todas as responsabilidades. Definiu a prioridade - estabilizar, preparar e ganhar - e soube afastar-se de discutir o futuro, percebendo que, para os benfiquistas, essencial, na verdade, é o momento!
Como as eleições não estão à porta, do ponto de vista político Rui Costa ganha tempo. E vai ter tempo para estudar estratégias, novos discursos, eventuais mudanças. Ele sabe que o que vai agora ditar a lei dos tempos mais próximos já não será se está ou não demasiado colado a Filipe Vieira e à filosofia que Vieira foi tendo para o clube; o que vai ditar a lei nos tempos mais próximos é o resultado da equipa de futebol. Discuta-se o que se discutir. O resultado do jogo determinará muito do que vai ser o cenário eleitoral do Benfica quando chegar de novo a hora de dar voz aos associados da Luz.
Rui Costa é inteligente. Sabe que ninguém poderá, nunca, questionar o seu benfiquismo, e saberá certamente jogar com isso. Mas sabe também - e foi isso que fez nesta primeira entrevista como líder - que não deve desviar-se agora do foco. Precisa de sorte. E precisa de se preparar bem para os combates que virão a seguir. Os mais duros!
N ÃO é, naturalmente, possível ignorar o impacto que tem o processo e a investigação em que se viu envolvido o agora ex-presidente do Benfica. A primeira consequência é já suficientemente forte: Luís Filipe Vieira deixou a presidência do clube e, provavelmente, não mais voltará a ser dirigente desportivo, pelo menos com a dimensão que teve - embora alguns pudessem supor também que outras figuras públicas não voltariam a ocupar determinados cargos após problemas com a Justiça (casos, por exemplo, de políticos ou autarcas), mas todos sabemos como sucedeu exatamente o contrário!
O que também insisto não ser possível ignorar é o inaceitável efeito de se condenar antes de alguém ser, até, acusado, quanto mais julgado. Recordo, aliás, que tendo sido arguido no chamado «caso BPN», já este ano Vieira viu ser arquivado o processo que o acusava de burla qualificada, falsificação e branqueamento de capitais (precisamente do que é, de novo, acusado na operação Cartão Vermelho), ao fim de 12 anos (!!!) de investigação e inquérito. Ou seja, 12 anos (!!!) para reunir provas e mesmo assim a Justiça portuguesa não conseguiu levar Vieira a tribunal.
Vale a pena, a propósito, recordar, com a devida vénia, parte de uma longa, e, nos tempos que correm, bastante indispensável reflexão do conhecido advogado Garcia Pereira, realmente insuspeito de qualquer ligação a Vieira ou a qualquer dos mais recentes acusados pela Justiça nacional. Num texto recentemente publicado, lembra Garcia Pereira:
«(…) Todos aqueles, sejam ele quem forem, que tiverem cometido crimes, devem ser devidamente investigados, acusados e, se daqueles se fizer a suficiente prova, adequadamente condenados. Nos Tribunais, e não nas televisões, jornais e revistas. Em processos judiciais, com juízes, procuradores e advogados e com o estrito respeito por todas as regras do jogo, não em tribunas televisivas, com espetáculos de circo e com especialistas que vivem das violações do segredo de justiça e que jogam com os dados que convêm à acusação, sem contraditório algum.»
«E quanto aos que - decerto porque elas ainda não lhes bateram diretamente à porta - entendem que estas questões não lhes dizem respeito nem lhes interessam, e preferem assim comprazer-se com o degradante espetáculo das condenações e dos pelourinhos públicos, relembro aqui o célebre poema do pastor protestante e lutador antinazi Martin Niemöler, que tanto gosto de citar:
Primeiro levaram os judeus.
Mas não falei por não ser judeu.
Depois, perseguiram os comunistas.
Nada disse então, por não ser comunista.
Em seguida, castigaram os sindicalistas.
Decidi não falar, por não ser sindicalista.
Mais tarde, foi a vez dos católicos.
Também me calei, por ser protestante.
Então, um dia vierem buscar-me.
Mas, por essa altura, já não restava nenhuma voz
Que, em meu nome, se fizesse ouvir.»
N ÃO sei, julgo que ninguém sabe em rigor, o que terá levado verdadeiramente Bruno Alves a rescindir com o Famalicão tão pouco tempo depois de parecer tão feliz por assinar contrato e regressar ao futebol português. O que sei é o que admiro em Bruno Alves, que reconheço como um dos grandes futebolistas portugueses da última década e meia.
Assim de repente, sem qualquer desprimor e com todo o respeito por todos os atletas, quase me apetece afirmar que os três melhores profissionais do futebol português dos últimos 15 anos são Cristiano Ronaldo, Pepe e Bruno Alves, uma espécie de «três mosqueteiros» do que chamaria a «geração da mudança»!
Não por acaso, têm hoje, respetivamente, 36, 38 e 39 anos de idade e jogam, ainda, mesmo a diferente nível - porque Bruno Alves está num ou dois patamares abaixo em matéria de competição - como se tivessem 20 anos. Não foi isso o que vimos, em Cristiano e Pepe, ainda no último Europeu?!
Em muitos aspetos, creio mesmo que foram Cristiano, Pepe e Bruno Alves os maiores responsáveis pelas mais significativas mudanças no perfil do futebolista português na última década e meia, e foram eles, também em diferentes momentos, e à medida, igualmente, que foram crescendo e ganhando maior maturidade, que melhor exemplificaram a mentalidade indispensável para qualquer jogador de futebol (para qualquer atleta de alta competição) poder sonhar atingir o topo.
Eles ajudaram decisivamente a mudar muita coisa e não estarei muito longe da verdade se admitir que porque muitos outros os seguiram temos hoje, realmente, por exemplo, uma Seleção capaz de competir com qualquer outra seleção mundial.
Com eles, mudaram-se mentalidade, hábitos, comportamentos, forma de olhar a competição, de cuidar do corpo e da mente, mudaram-se até, porventura, alguns hábitos alimentares. Já ouvi Bruno Alves contar que muitos o seguiram no bom hábito de consumir, por exemplo, determinado tipo de alimentos (ovos, frutos secos, cereais…) e ainda o ano passado, numa entrevista concedida em Itália, o treinador de Bruno no Parma, Roberto D’Aversa, confessava:
«O Bruno é tão obcecado como Cristiano Ronaldo no cuidado com o corpo e com a alimentação. Se estiver sol, por exemplo, mesmo que seja em dezembro, o Bruno anda sem camisola para apanhar vitamina D. No final dos treinos, ele bebe ovos de codorniz, selecionando-os com muita atenção. Estamos a falar de um atleta de 39 anos. Tal como Cristiano, com quem ele vive e partilha todas esses hábitos, também o Bruno parece ser muito mais jovem do que a idade que realmente tem».
Bruno Alves fará 40 anos em novembro, mas isso parece não lhe retirar um pingo de capacidade. Se fosse eu, aliás, sabendo que é fácil para mim dizê-lo, não hesitaria em contratá-lo para qualquer das equipas nacionais, mesmo as principais, não apenas pelo que Bruno Alves ainda poderá, certamente, jogar, mas sobretudo pelo que ele pode representar num balneário que procura vencer. Não o querem por dois ou três anos? Proponham-lhe o contrato por uma época, mas proponham-lhe (e façam-no sentir) ser importante no projeto.
Cada vez acredito mais nisso, que é mesmo o ter ou não ter a «mentalidade certa» que faz verdadeiramente a diferença no atleta de alta competição. Pode ter muito talento e excecionais condições físicas e técnicas, mas se não tiver a «mentalidade certa», não vai longe.
Cristiano foi mais longe que ninguém; Pepe tem andado por lá perto, na medida de uma carreira altamente vencedora, de grande currículo, de paixão e de feroz atitude que mantém como se estivesse a começar; Bruno Alves, noutros patamares, tem sido igualmente um exemplo de perseverança, resistência e sucesso. Espero aque possa ainda continuar a ser feliz no futebol!