A primeira opção
1 «O pior jogo do campeonato», «o pior clássico do século» - caramba, não faltaram adjectivos grandiloquentes para colocar no lixo o Sporting-Porto do último fim-de-semana. Já a vitória do Benfica nos Açores, jogando contra dez mais de metade da partida, foi, lendo a crítica, ligeiramente aquém de um hino ao futebol. Claro que o jogo de Alvalade foi um jogo muito fraco, sobretudo na primeira parte, mas é preciso não ter memória de alguns Benfica-Sporting ou vice-versa, para o proclamar o pior clássico do século. Sendo que, em alguns desses, ambos os rivais de Lisboa precisavam de ganhar, enquanto que neste, apenas o Sporting precisava: tivesse sido o Benfica a chegar a Alvalade com sete pontos de avanço sobre o segundo classificado e tivesse jogado como o FC Porto, entrando ao ataque na segunda parte e indo para cima do adversário nos 15 minutos finais, tentando tudo o que as forças físicas e anímicas lhe permitiam para ganhar o jogo, e teríamos escutado um hossana de louvores ao treinador e aos homens de encarnado. Dores de cotovelo, meus amigos, muitas dores de cotovelo!
O FC Porto só começou a ter hipóteses de ganhar o jogo de Alvalade quando Maxi Pereira se lesionou e passou a jogar com onze. Eu sei que já escrevi isto inúmeras vezes, mas a insistência incompreensível de Sérgio Conceição num lateral que a única coisa que já consegue fazer é receber a bola e atrasá-la para donde ela veio está a tornar-se uma teimosia verdadeiramente absurda. Sobretudo quando, além, dos laterais comprados esta época e jamais experimentados, existe a possibilidade de deslocar Éder Militão para aquela lateral e também Mbemba, como se veria contra o Leixões. Porque não o faz, então e, em alternativa, prefere recuar Corona, que não é lateral e faz tanta falta na frente?
Mas se foi aí que o FC Porto começou a ter hipóteses de ganhar o jogo, começou a perdê-las por Marega não estar nos seus dias. Foi brilhantemente secado por Mathieu e nunca conseguiu soltar-se. Também Brahimi não foi capaz de definir nos momentos decisivos, Soares falhou a melhor e mais fácil oportunidade do jogo e Fernando, o recém-chegado, em segunda chance que Sérgio lhe deu, voltou a mostrar…nada.
2 O eufórico alarido da critica sobre a falta de qualidade do jogo, contrastou com a absoluta discrição com que abordaram um pequeno pormenor do mesmo jogo. Um pormenor de arbitragem que foi, à vista de todos, um imenso pormaior. Refiro-me obviamente ao lance, no final da primeira parte, em que Bruno Fernandes só podia ter visto o segundo amarelo e não viu. Este lance é de compêndio e merece ser estudado nos cursos de arbitragem porque se trata de um caso exemplar em que um árbitro erra, não por distração, por avaliação deficiente da lei, por má interpretação da jogada, mas sim por uma outra e simples razão: por vontade própria e deliberada. De facto, já antes, no primeiro amarelo mostrado a Bruno Fernandes (para mim, o melhor jogador do campeonato, o que não vem ao caso), é muito discutível se aquela entrada a pontapé ao peito de Corona, sem qualquer intenção de jogar a bola, não seria antes para vermelho directo: em Inglaterra, era com certeza. A seguir, por uma entrada faltosa de Felipe, mas sem maldade alguma e sem cortar qualquer lance perigoso, Hugo Miguel fez um imenso estardalhaço, esbracejando logo que lhe iria mostrar o amarelo e esperando uns dois minutos até que o jogo parasse para o fazer: mas lá está, era o Felipe, que tem má fama e era da equipa visitante. Mas quando chega a jogada do Bruno Fernandes, semelhante a uma outra em que ele exibira o amarelo a Herrera - por cortar um contra-ataque prometedor, mas com mais dureza o lance de Bruno Fernandes - Hugo Miguel deixou o cartão no bolso. A entrada foi por trás e o árbitro estava em cima da jogada. Viu tudo e fingiu ter visto só parte. Não quis que o Sporting tivesse ficado a jogar só com dez. E será que o campeonato não teria ficado decidido se isso tem acontecido? Será isto um pormenor, que não mereça destaque da critica? Vai para o rol das tais vantagens que dizem que o FC Porto tem tido?
3 No infernal ciclo de quatro jogos seguidos fora de casa em dez dias (ou cinco em doze dias, se a equipe passar à final da Taça da Liga, em Braga), o FC Porto foi ontem ao Estádio do Mar reviver um derby antigo da Invicta, para a Taça de Portugal, procurando um passo em frente num objectivo que não é a primeira opção, mas também conta para os adeptos e para o prestígio de um clube com 125 anos de história e uma eternal vontade de vencer. Do jogo, registo a estreia de Pepe no regresso ao clube que o lançou ao mundo, a estreia de Mbemba a lateral-direito, como primeira e inadiável alternativa a Maxi, e o descanso que Sérgio Conceição resolveu dar ao trio atacante habitual, substituído pelo trio André Pereira, Adrián López e Fernando Andrade, com os resultados que seriam de esperar: os três juntos, não produziram um só ataque ou remate digno desse nome. Uma verdadeira Trinidade: um trio de nulidades. Num relvado difícil, o FC Porto fez o pior jogo da época e quando Sérgio Conceição, sem poder contar com o ataque, resolveu contrariar o seu ADN e apostar na defesa do 1-0, sofreu o empate - e bem merecido. Enfim, veio o prolongamento, entrou a artilharia- Soares, Marega e o mui injustamente desaproveitado Hernâni - veio a pressão esperada, um golo levianamente anulado e finalmente a vitória e passagem às meias, pelo pé salvador de Hernâni. Com a certeza, porem, de que este FC Porto tem 15/16 bons jogadores e não mais.
4 Uff, terminou o folhetim da escolha do treinador do Benfica. Ou, pelo menos, terminou para já. Porque se as coisas começarem a correr mal ao simpático Bruno Lage, lá se vão as loas «ao homem da casa» e ao estratega que inverteu o maléfico 4x3x3 para um brilhante 4x4x2 e puxou o João Félix para junto do Seferovic e com esses dois simples golpes de génio, que Rui Vitória foi incapaz de imaginar, mudou em dois tempos todo o futebol do Benfica. Portanto, e como o Rio Ave também desperdiçou uma oportunidade soberana de ganhar na Luz e o Santa Clara se auto-diminuiu com a expulsão prematura de um seu jogador, Luís Filipe Vieira pôde declarar, sem se rir, que Brune Lage «foi a primeira opção» para substituir Rui Vitória. Tudo o resto foram invenções da imprensa. Foi a imprensa que inventou que Lage era «provisoriamente» (nem sequer interinamente) treinador do Benfica, conforme comunicado do clube, após a saída de Vitória. Foi a imprensa que inventou o namoro a Luís Castro nas vésperas dos dois jogos do Benfica com o Guimarães - típica jogada do desportivismo benfiquista. Foi a imprensa que tresleu as declarações de amor arrependido de Vieira a Jorge Jesus que tanto contribuirão para sossegar o ambiente no balneário e no clube e facilitar o trabalho a Rui Vitória. Foi a imprensa que interpretou mal as patéticas súplicas públicas de Vieira a Mourinho, expondo-se a si e ao Benfica à humilhação de ouvir o Special One a dar-lhe duas negas consecutivas, o mais delicada e explicitamente possível. Foi a imprensa que não percebeu que quando o presidente do Benfica foi ao programa da Cristina Ferreira dizer que na semana seguinte (esta) diria quem era o treinador do Benfica, estava só à espera de uma vitória nos Açores para anunciar Bruno Lage; mas se tem saído uma derrota, não tinha treinador algum para apresentar. Às vezes não vale a pena complicar: o que parece é mesmo o que é.