A paixão de Conceição
O futebol é, acima de tudo o resto, paixão. Podemos tentar complicá-lo, transformá-lo em formas geométricas, dar-lhe verticalidade ou horizontalidade. Pouco importa. Uma equipa que joga com paixão está, sempre, mais perto de ganhar (ou pelo menos está sempre mais perto de ganhar mais vezes e de forma mais espetacular) do que uma que encare o jogo apenas com o cérebro, deixando o coração no balneário. Por inerência, quem tem no banco um treinador apaixonado fica, também, sempre mais perto do sucesso. Há vários exemplos que o provam: a corrida de Mourinho em Old Trafford depois do golo de Costinha que embalou o FC Porto para a conquista da Liga dos Campeões; a loucura de Klopp a invadir o relvado para abraçar o guarda-redes do Liverpool naquele golo ao Everton já bem para lá da hora; a invasão de Sérgio Conceição (e as palavras que dirigiu ao banco adversário) quando, nos descontos, Hernâni lhe garantiu a vitória frente a um Boavista que transformou o último dérbi da Invicta num jogo de vida ou morte. São, todos eles, casos de paixão pura e dura.
Ninguém duvide que um treinador assim tão apaixonado consegue transmitir aos seus jogadores um entusiasmo que faz, de facto, a diferença: um último sprint quando os músculos dizem que já não dá, sequer, para andar; a crença numa última jogada quanto o destino parece dizer que não dará para mais do que um empate; o jogo que, mesmo não valendo para coisa nenhuma, é sempre para ganhar. Chamem-lhe o que quiserem, mas tudo se resume ao que efetivamente é: paixão - pelo jogo e pela vitória.
Claro que, como qualquer pessoa apaixonada, este tipo de treinadores está mais exposto a excessos. Que se dispensavam. Mourinho teve atitudes das quais, seguramente, se arrepende. Todos já vimos Klopp de cabeça perdida durante um jogo, penitenciando-se logo de seguida. De Conceição, então, nem se fala. São os momentos em que a paixão supera a razão. Não é, convenhamos, nenhum crime. E todos gostamos, mesmo que não o admitamos, de treinadores assim. Sem medo de mostrar que lhes corre sangue igual ao nosso nas veias.
Claro que há a outra face da moeda: quando chega a hora de admitirmos, mais ou menos envergonhados, que a paixão nos fez ter um ato irrefletido e por ele assumir as consequências. Como Klopp fez quando soube que os festejos no dérbi de Liverpool lhe iam custar nove mil euros. Conceição ainda não consegue fazê-lo. Tem tempo. Talvez no dia em que sair de Portugal para um campeonato em que o futebol seja visto por todos com a paixão com que ele o vê (e como por cá muito poucos para ele conseguem olhar) perceba que também no amor tem de haver regras. E consequências quando se pisa o risco, porque a paixão, por maior que seja, não pode, nunca, servir para desculpar tudo. E aí vai perceber que não é vergonha nenhuma sorrir quando lhe dizem que terá de pagar 765 euros (sim, a diferença para o caso de Klopp, que fez muito menos e pagou muito mais do que Conceição, é ridícula, mas disso há culpados e nenhum deles é o treinador do FC Porto) de multa - ou até passar um jogo na bancada - por ter feito o que o coração lhe disse para fazer. Porque são momentos como aquele que fazem dele o treinador que é - e, por consequência, o que é também esta equipa do FC Porto.
SOU um admirador confesso de Cristiano Ronaldo. Mas recuso-me a embarcar na histeria dos que rasgam as vestes por Modric ter vencido todos os prémios individuais que havia para ganhar em 2018. Porque isso não significa, necessariamente, que Ronaldo e Messi não continuem a ser os melhores jogadores do mundo. Quer dizer, apenas, que no ano que agora termina Modric foi melhor, ou pelo menos mais influente, que os dois. Pode concordar-se ou não, mas só isso. Nada por que valha a pena reagir como se o mundo da bola tivesse enlouquecido. Choca-me mais, por exemplo, que, talvez cegos pelos golos, nunca tenhamos feito justiça a jogadores como Xavi ou Iniesta. Mas não há injustiça que sempre dure: o futebol limpou-se através de Modric.