A minha entrevista com Van Gogh
Ia entrevistar o sobrinho-bisneto de Van Gogh, Willem Van Gogh, um senhor elegante e descontraído, no lançamento da ótima exposição Meet Vincent Van Gogh, em Belém, Lisboa. Aguardei entre jornalistas das editorias de artes e sociedade, parecendo-me ser o único do desporto. Esperava alimentar uma conversa que preparara sobre as ligações entre os mestres pintores holandeses e uma decorrente preocupação estética enraizada noutras artes dos Países Baixos que, séculos depois, pudesse ter levado, talvez, Cruyff a declarar, depois de perder o Mundial de 1974 para a Alemanha: «Talvez tenhamos vencido nós. O Mundo vai lembrar-se da nossa equipa.» Mas Willem não sabia o que responder-me, sorrindo para evitar mandar-me aos sítios para os quais se mandam os doidinhos. Levava ainda, anotada num caderninho, outra insistente ideia, esta mais específica, sobre o obsessão pelo espaço na cultura neerlandesa, das pinturas ao território conquistado ao mar, passando, como só a mim parecia evidente, outra vez por Cruyff e pelas ideias dele sobre as decomposições do campo, que com a bola deve alargar-se e sem ela encurtar-se. Da arte moderna de Van Gogh para o futebol moderno da laranja mecânica, que dúvidas? Willem sempre a falar-me da exposição, mas eu sem sucumbir, pensando até em Paul Gauguin, pintor francês e também esgrimista, que, propuseram historiadores alemães, terá sido quem cortou a orelha de Van Gogh numa discussão, contestando o mito da automutilação. Mas já nada havia a fazer na entrevista. Despedi-me de Van Gogh, que, encolhendo ombros, fez o mesmo. A conversa estava desaproveitada, por culpa minha, que vejo desporto em coisas de mais. Regressei ao jornal sem nada, somente esta história para contar.