A memória!
Podemos evitar remexer no passado? Podemos. Mas não o podemos mudar
PELO visto, para o selecionador nacional de futebol, Fernando Santos, não tem importância para a Seleção que jogadores profissionais que representam Portugal tenham comportamentos indignos de um profissional e se confundam com a ligeireza, leviandade, agressividade e má educação de um qualquer adepto. Disse Fernando Santos aos portugueses (sim, a todos os adeptos portugueses) que «na Seleção não há clubes» (também era melhor que continuassem a repetir-se os ambientes das décadas de 80 e 90, senhor selecionador!...).
«Estou aqui desde 2014 e foi sempre assim», disse Fernando Santos.
O selecionador escolheu contornar desse modo o incómodo assunto dos insultuosos cânticos proferidos contra o Benfica por jogadores do FC Porto, como Otávio e Diogo Costa, que estão agora na Seleção.
Dizendo o que disse, o selecionador nacional achou por bem não dizer mais nada. Está no seu direito. E tem ainda o direito de acreditar que os adeptos ficam satisfeitos com a explicação dada, ou a ausência dela.
Depois da instituição FC Porto ter tido a indecência de não reprovar publicamente a infeliz, infantil e disparatada atitude de atletas profissionais que representam o clube, agravada com a inaceitável decisão (do jogador Otávio) de tornar públicas, através de uma rede social, as ofensas a um clube rival, fica, também, por parte da instituição Seleção Nacional, a ideia de qualquer jogador profissional poder, a partir de agora, fora da competição, ofender publicamente quem quiser, que não virá, na equipa do selecionador Fernando Santos, qualquer mal ao mundo. A ofensa passa, pelo que parece, a ser apenas uma garotice desculpável e nada mais. O que é grave.
Se Otávio e companheiros (Diogo Costa, Manafá e Fábio Cardoso, todos a contas com um processo instaurado pela Conselho de Disciplina da federação!) tivessem, porventura, entoado cânticos racistas em vez de insultos ao SLB, seus profissionais e adeptos, qual teria sido a reação do selecionador? Acharia suficiente dizer que na Seleção não há racismo?! Não acredito!
SOU jornalista há 40 anos, tenho memória, sei o que vivi no futebol português, sobretudo nas décadas de 80 e 90. E mesmo aceitando que não se ganha nada, hoje, por se remexer no passado como parece pretender fazer o presidente do Sporting, sobretudo com a violência com que Frederico Varandas o voltou a fazer contra a figura do presidente do FC Porto, a verdade é que o passado não se pode apagar.
E o passado do presidente do FC Porto e da liderança de 40 anos do presidente do FC Porto, tendo muito de sucesso, tem igualmente muito de inconveniente, controverso, polémico, pouco ético, inclui muitas práticas menos aceitáveis, um exercício de poder nem sempre correto, de muita intimidação e pressão - como jornalista, senti-o na pele, como aqui já contei por mais de uma vez - e retrata, em muitos aspetos, um estilo de que muito beneficiou, evidentemente, o FC Porto e o tremendo sucesso do FC Porto, mas pouco contribuiu para um desporto mais civilizado e mais ético, um ar mais saudável, relações institucionais mais humanas, atmosferas menos tóxicas, climas sem violência e comportamentos mais exemplares. O famigerado Apito Dourado foi apenas a face mais visível de certos estilos, e práticas, que o futebol português, pelo visto, não há meio de se ver, definitivamente, livre.
Em 40 anos, o presidente do FC Porto contribuiu, e muito, para as inúmeras vitórias nacionais do seu clube e para um inquestionável sucesso internacional, há muito naturalmente reconhecido e admirado em todo o mundo. Mas também para muitas suspeições, muita guerrilha efervescente e muita paz podre. E nunca nenhum outro esteve por cá, na linha da frente do desporto e do futebol, tanto tempo como ele.
Respeito, e respeitarei sempre, naturalmente, as decisões da Justiça, ainda que possam parecer-me elas mais ou menos justas. É a vida.
E admitindo que não vale realmente a pena remexer no passado, julgo que não o podemos, nem devemos, ignorar, se a intenção (ainda tenho dúvidas que seja essa a intenção do presidente do Sporting…) for corrigir o presente e preparar melhor o futuro do nosso desporto e em particular do nosso futebol.
Ganharemos alguma coisa a olhar sistematicamente para trás, sobretudo quando continuamos a não querer ver o que precisamos de ver já hoje, e daqui para a frente?
Pois será, para sempre, o presidente do FC Porto uma figura incontornavelmente histórica no desporto português. Evidentemente que sim. Mas não apenas pelas boas razões. Isso também me parece incontornável!
QUANDO, no fim de semana passado, na companhia de uns quantos amigos, vi o Real Madrid voltar a vencer a Liga dos Campeões (Deus do céu!, quantas vezes já vimos o Real Madrid ganhar a Liga dos Campeões?!...), na final que a presença dessa notável equipa de futebol que Jurgen Klopp construiu no Liverpool tornou ainda mais espetacular e memorável, não pude evitar lembrar-me de um título que um meu camarada jornalista escreveu neste jornal, há uns aninhos, a propósito de uma qualquer outra grande vitória (que não consigo agora recordar) do maior clube de futebol da história.
«Branco mais branco, não há!», escreveu o jornalista Carlos Vara, criativo como poucos, usando, com a habilidade de um tecnicista e a precisão de um goleador, o slogan publicitário de uma marca de detergentes, nascido em finais da década de 90 do século passado.
Pois é, Carlos, tinhas razão. E permito-me acrescentar: no futebol, ninguém lava mais branco do que o Real. É impressionante!
Oito em metade do século XX, sensivelmente, e já leva seis ganhas em apenas 22 anos deste século.
CREIO que faço parte de uma geração de gente que, quando gosta, gosta realmente de desporto e não apenas de futebol. Recordo-me, adolescente, de ficar a ver até os saltos de esqui, imaginem, ao final da manhã de muitos domingos, para ver se o norueguês saltava mais um ou dois centímetros que o austríaco, ou se o finlandês batia a marca do suíço, e não perdia na TV nem os saltos para a água nos Jogos Olímpicos quanto mais os jogos do então Torneio das Cinco Nações em râguebi, narrados pelo saudoso Cordeiro do Vale, ou Serafim Duarte, para os mais íntimos, já para não falar nas memoráveis crónicas, nas páginas de A BOLA, de inesquecíveis jornalistas como Carlos Miranda, fosse dos Jogos Olímpicos, fosse das pedaladas de Joaquim Agostinho na Volta a França, ou Homero Serpa, que relatava como ninguém as aventuras e desventuras dos ciclistas nas nossas Voltas, ou o Santos Neves, que me deliciava verdadeiramente com tudo o que escrevia sobre a misteriosa loucura dos pilotos de carros de corrida nos velhos e absolutamente inesquecíveis Ralis de Portugal. Sempre vibrei com as grandes vitórias portuguesas além-fronteiras, individuais, coletivas, de seleções ou de clubes - não contive as lágrimas, acreditem, quando, já madrugada em Portugal, Carlos Lopes chegou à medalha de ouro em Los Angeles - e revivi muito da minha adolescência quando a seleção portuguesa de ténis de mesa fez história e se tornou, em 2014, campeã da Europa por equipas, numa emocionante jornada vivida em Lisboa, que bem mereceu o meu querido amigo Pedro Miguel Moura…
Apesar disso, confesso o defeito (certamente meu) de nunca ter sido muito dado ao andebol, a não ser quando se jogam as decisões nas maiores competições mundiais, ou por influência das incontáveis histórias da minha companheira de trabalho Edite Dias, hoje, como eu, ligada à BOLA TV, mas provavelmente a maior jornalista viva do andebol português, e não tenho, com sinceridade, outra maneira de o dizer.
Não poderia, pois, deixar de sentir a importância do histórico momento do andebol do Benfica, pelo maior feito português de sempre ao nível de clubes, conquistando a Liga Europeia (2.ª maior competição de clubes da federação continental) numa final ganha ao sprint a uma das mais poderosas equipas de hoje, o Magdeburgo, da Alemanha.
Para se perceber melhor a dimensão da coisa, talvez se possa imaginar que, no futebol, o Benfica encontrava, circunstancialmente, o Bayern Munique na final da Liga Europa, e vencia. Foi mais ou menos o que aconteceu.
Com duas pequenas-grandes cerejas no topo do bolo. A homenagem que alguns adeptos das águias prestaram ao malogrado Quintana, o fabuloso guarda-redes do FC Porto e da Seleção Nacional que, aos 32 anos, nos deixou o ano passado, ao exibirem a camisola amarela de Quintana com o respetivo número 1; e ainda a homenagem do guarda-redes suplente do Benfica, Gustavo Capdeville, companheiro de Quintana na Seleção, que pediu ao Benfica autorização (concedida) para jogar com a camisola 41 com o nome de Quintana nas costas, e vestiu, depois, nos festejos pela marcante vitória europeia, uma outra camisola estampada na frente com uma fotografia onde surge abraçado ao malogrado guarda-redes do rival FC Porto.
O desporto também é isto!