A luz e as sombras
A coisa estava decidida: terminara o ciclo de Rui Vitória, começaria, logo que fosse possível, o reciclo ou o biciclo de Jorge Jesus. Porém, durante o silêncio e a escuridão da noite branca de sono, surgiu uma luz, vinda não se sabe de onde, provavelmente mística, e que fez o presidente do Benfica, Luis Filipe Vieira, mudar de ideias. Afinal e «a menos que surja qualquer imprevisto», Rui Vitória fica...até ao final da época.
Sim, é certo que na reunião da véspera tinha havido consenso na saída do técnico (não no regresso de Jesus), mas salvo o devido respeito pela democracia e pela opinião de todos os que participaram na conclusiva reunião, no fim, quem manda é o presidente. Obviamente sozinho.
Quer isto dizer que o presidente não toma em devida conta o que lhe é dito e o que fica coletivamente decidido? Não, necessariamente. Toma sempre em devida conta desde que não lhe dê uma luz e, desta vez, como já tinha acontecido anteriormente com Jesus, foi uma luz que lhe deu.
É sintomático e entendível que uma luz que assim chegue sem se anunciar, mística e celestial, conduza a Jesus, mas já é um pouco mais estranho que uma luz reveladora inverta a marcha para Jesus e vá fixar o foco em Rui Vitória. Pode haver, porém, uma razão divinal: a luz de Deus protege os mais frágeis, os mais desvalidos, os que mais precisam da sua Graça.
Vieira não só é um homem místico, como acredita mais na sua intuição do que na racionalidade dos seus pares. Às sete da noite, na véspera, não tinha dúvidas: Adeus Rui Vitória; olá Jorge Jesus. Porém, às sete da manhã daquele dia de temporal, também não tinha dúvidas: regressa Rui Vitória, que estás perdoado dos teus pecados; Jesus pode esperar.
Desfazer o novelo não foi fácil, porque um comboio em marcha é sempre muito difícil de travar e, pior ainda, quando tem de voltar à estação de onde saiu.
O líder despedido volta ser anunciado no balneário como líder requalificado; os jogadores voltam a reprogramar todo o sistema mental da mudança anunciada; o treinador escolhido interinamente para prestar provas na equipa principal vê a sua entusiasmante missão reduzida a um insignificante treino de rapazes com a cabeça noutro lado; o presidente vê-se constrangido e obrigado a explicar-se publicamente, sem ter tido o cuidado prévio e fundamental de se preparar devidamente para a complexidade do caso.
Mais uma vez Vieira optou pelo seu instinto, decidiu falar em prime time televisivo, na esperança de que a verdade redime, mas já não conseguiu ser tão exato, quando, descalço, passou a correr pelo campo de brasas dos contactos e das conversas que, de facto, tinha tido com Jorge Jesus.
Mesmo assim, para quem ouviu bem e procurou interpretar as palavras de Vieira ficou claro que a continuidade de Vitória não é uma determinada convicção de mudança, mas, apenas, uma questão de momento e de oportunidade e que um eventual regresso de Jorge Jesus é admitido no mesmo patamar de conjugação de vontades (que existe em ambos) e de tempo (mais) certo para concretizar essas vontades.
De toda esta telenovela mexicana que vai destruindo os alicerces de credibilidade da célebre estrutura do Benfica resulta, de forma inequívoca, a dupla fragilidade do treinador e do presidente. O que torna menos estável e também mais frágil o enorme edifício do futebol profissional do Benfica. Mas numa coisa Vieira tem razão: admitir que o futuro o julgará, sabendo que esse futuro será, como sempre, feito de resultados. A começar pelo de hoje. A mim, deu-me uma luz que me fez pensar que este jogo irá ser decisivo.