A ingrata vida de um treinador
É fácil ser treinador quando se está a ganhar. Há alturas, e todos os treinadores já passaram por elas, em que se acerta sempre na mouche. Faça-se o que se faça funciona sempre. E ganha-se. Às vezes nem é preciso fazer nada. E ganha-se na mesma. Todas as estratégias resultam e, quando isso não acontece, qualquer mexida que se faça na equipa resolve o problema. Nessas fases todos são mestres das táticas. E, também, craques na comunicação. Porque é fácil falar quando se ganha sempre. Ou quase sempre. Aí, todas as palavras fazem sentido. Todas as metáforas encaixam na perfeição. E até alguns disparates são vistos como lufadas de ar fresco num ambiente marcado por discursos cinzentos e enfadonhos.
Mais difícil é ser treinador quando se está a perder. Há alturas, e todos os treinadores já passaram por elas, em que nunca se acerta. Faça-se o que se fizer, nada funciona. Nenhuma estratégia resulta e não há mexida que se faça na equipa que resolva o problema. Nessas fases todos são aprendizes da tática. E, também, patudos na comunicação. Porque é difícil falar quando nunca se ganha. Ou se ganha poucas vezes. Aí nenhuma palavra faz sentido. Nenhuma metáfora encaixa. E até algumas frases com sentido são vistas como disparates ultrapassados num discurso que precisa de uma renovação. É assim a vida de treinador, sempre dependente do resultado, esse monstro que o faz ir de bestial a besta num piscar de olhos.
Bruno Lage é a mais recente vítima desta realidade que, a determinada altura, toca a todos. Pegou no Benfica quando as expectativas eram baixas e poucos meses depois era, para os benfiquistas, o melhor treinador do mundo. Tudo aquilo em que tocava tornava-se ouro. Fez de João Félix o jogador mais caro da história do futebol português, encontrou em Ferro o par perfeito para Rúben Dias, mostrou que Florentino estava pronto para se bater com os maiores, recuperou um Samaris proscrito por Rui Vitória e fez dele o verdadeiro capitão na conquista do título. Falava do Canal Panda, dos Super Wings, pedia aos adeptos para não deixarem lixo no Marquês. Todos se riam e aplaudiam. Era o maior.
Agora, um ano depois, é para os benfiquistas o pior treinador do mundo. Tudo aquilo em que toca, mesmo que seja ouro, torna-se latão. Recebeu duas pepitas de 20 milhões e não foi capaz de fazer nada com elas. Ferro já não presta. A recuperação de um Taarabt proscrito por todos os que vieram antes dele caminha para um fracasso. Tomás Tavares não serve sequer para substituto de André Almeida e muito menos Nuno Tavares pode assumir o lugar de Grimaldo. Pelo meio esqueceu-se de Florentino e devolveu Samaris à condição a que Rui Vitória o submetera. E de repente já ninguém suporta ouvi-lo falar do Canal Panda. E se diz que foi ver o mar, meu deus... É fraco.
Bruno Lage tem muitos méritos naquilo que conseguiu quando chegou ao Benfica. E tem muitas culpas naquilo que não está a conseguir esta época no Benfica. Mas, se pensarmos bem, nem era o melhor treinador do mundo quando ganhava sempre nem é o pior treinador do mundo agora que nunca ganha. Não era, quando ganhou um título que todos davam por perdido, o melhor comunicador do mundo e não é, agora que se arrisca a perder um título que todos davam como ganho, o pior comunicador do mundo. Bruno Lage é, apenas, um jovem treinador como qualquer outro jovem treinador. Um treinador que precisa de aprender a lidar com o futebol como ele é: quando os resultados são negativos não deve, nunca, ter problemas em mudar - de estratégia no campo e de comunicação fora dele. Não é, ao contrário do que muitos pensam, sinal de fraqueza. É, sim, sinal de esperteza. É, na realidade, a diferença entre um treinador mediano e um grande treinador.