A freira teve um filho e deu-lhe o nome de Francisco
A capacidade que mais admirei no Papa foi a de ver sempre a pessoa à frente das suas fragilidades... Eu sou o Jorge Pessoa e Silva e esta é a crónica semanal do meu Livro do Desassossego
Em 2014, com cerca de um ano de pontificado, Francisco foi chamado à parte por um dos seus assessores para lhe comunicar que tinha um caso delicado a reportar. O Papa franziu o sobrolho e escutou com a devida atenção. Foi-lhe comunicado que uma freira salvadorenha de um convento de Roma dera à luz uma criança e o caso poderia dar brado, em tons de escândalo, na comunicação social. «Temos um problema, o que fazer?», questionou o assessor.
Francisco trocou o sobrolho franzido por um sorriso benevolente e retorquiu: «A mãe e a criança estão bem?». O assessor, surpreso, respondeu que sim. E o Papa deu a sua sentença: «Ainda bem». Virou costas e seguiu para os seus afazeres.
Este episódio marca muito a imagem que tenho do Papa Francisco. Um homem que percebe que antes do problema, antes do escândalo ou, usando uma linguagem religiosa, antes do pecado está uma pessoa. E, face à natureza do que lhe fora relatado, a preocupação de Francisco não foi abafar o caso – que de facto saltou para a comunicação social - não foi expulsar a freira, não foi condená-la. Foi mostrar preocupação genuína pelo estado de saúde da freira e do filho recém nascido. Foi mostrar-se feliz por uma nova vida, que pode ter sido gerada por linhas tortas mas não deixava por isso de ser uma vida, mais um milagre de Deus.
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Ao longo da história, a Igreja, feita de homens, teve momentos a mais de julgamento e condenação e a menos de compaixão, generosidade e perdão. De amor, portanto. E amar nunca pode ser pecado. As religiões em geral sempre se escandalizaram mais com o sexo do que com a corrupção, a inveja, as traições, os crimes ambientais, a ganância...
Sei de que material é feito o meu telhado para me atrever sequer a pegar em pedras. Francisco mostrou-me sempre como se faz. É só olhar primeiro para o ser humano... E todos somos bem mais felizes.
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Não tenho nada acrescentar a tudo quando já se disse do Papa Francisco. Friso apenas duas frases ditas em Lisboa que marcaram o seu pontificado. A primeira – por justiça não de sua autoria, mas muito amplificada por ele – a de que a única situação em que é legítimo um homem olhar de cima para baixo em direção a outro ser humano é para o ajudar a levantar. A segunda, e esta bem pode ser a frase lapidar de toda a sua missão de 12 anos, «todos, todos, todos...»
Francisco. O homem que adorava futebol – quantas vezes ostracizado por uma pseudo intelectualidade que o classifica como ópio do povo, como a religião - sócio do San Lorenzo, da Argentina. Perdoem a brincadeira, talvez o único defeito o de preferir Messi a Cristiano Ronaldo... Mas eu não lhe levo a mal...
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Numa homilia em Novembro de 2019, Francisco referiu-se à morte como «o momento do abraço com o Senhor». E eu, que sou crente, comovo-me com esse abraço que está neste momento a acontecer. Porque esse abraço é para todos. Todos. Todos.
PS - A mãe freira está feliz a educar o filho com amor; o Papa deu instruções para que a freira continuasse a ser freira sendo essa a sua vontade; o rapaz foi batizado com o nome de Francisco.
Sr. Pessoa e Silva, parabéns pelo seu excelente trabalho!