A estratégia da poeira
1 - De repente, a revista Sábado diz ter identificado (certamente também com recurso a dados em segredo de justiça) o hacker que terá tido acesso aos e-mails do Benfica que estão na base das investigações do processo dos e-mails e que foram abundantemente denunciados por Francisco J. Marques e outras meios, como o jornal Expresso. Tratar-se-á de um tal Rui Pinto, já conhecido nos meios policiais como especialista em pirataria informática, baseado em Budapeste. Ora, a violação da correspondência privada, seja sob a forma de pirataria informática ou outra qualquer, é um crime e como tal deve ser tratada - muito embora se tenha tornado prática corrente e habitual e despreocupada fonte de informação dos media entre nós. Que não restem, pois, dúvidas quanto à minha opinião nesta matéria. A violação da correspondência privada do Benfica é, em si mesma, um crime, que deve ser investigado e, se possível, levado a julgamento e punido.
Porém, aqui chegados, alto e pára o baile! A sofreguidão com que os responsáveis benfiquistas e a imprensa ao seu serviço agarraram com ambas as mãos esta notícia e logo trataram de estabelecer uma ligação entre o suspeito autor da violação dos seus e-mails e o FC Porto e o Sporting não passa de uma tentativa canhestra de lançar poeira para os olhos dos que deliberadamente não querem ver ou daqueles que tomam por estúpidos. Um crime não afasta o outro: não é por alguém assaltar a minha propriedade e me ver a matar um vizinho que eu deixo de ter de responder pelo homicídio do vizinho. O crime acessório não apaga o essencial, ou, dito por outras palavras, a ilicitude da actuação do mensageiro não apaga a gravidade da mensagem. Não é porque a correspondência do Benfica foi violada, ao arrepio da lei, que o seu conteúdo, uma vez revelado e investigado, deixa eventualmente de constituir crime.
E, repito-me: estamos a falar apenas do processo dos e-mails, o principal: aquele em que se investiga (e, por enquanto, apenas isso), se o Benfica subornou adversários, se influenciou ilegitimamente arbitragens e dirigentes, se constituiu e para quê um saco azul de dinheiro vivo, numa palavra, se fez batota para chegar a resultados desportivos. Não estamos a falar do outro processo, o e-Toupeira - que não resultou de qualquer violação da correspondência electrónica do Benfica - e cuja investigação já terminou, com acusação deduzida contra a SAD, um seu alto dirigente e funcionários judiciais, por fortes indícios da prática de crimes correspondentes a cerca de 600 intromissões em processos judiciais sob segredo de justiça de forma a obter antecipadamente informações que lhe interessavam. É sobre este processo que o Benfica e o seu presidente continuam sem dizer uma única palavra de esclarecimento, para além de um comunicado restringido a um arrazoado jurídico, que cuidava do formalismo, sem se ocupar minimamente da substância. Luís Filipe Viera deu uma conferência de imprensa em que se limitou a ler um curtíssimo comunicado, recusando-se a responder a quaisquer perguntas e, anteontem, por ocasião de um jogo de futebol feminino, procurou microfones amigos e de ocasião para voltar a esquivar-se a responder sobre o assunto, preferindo dissertar sobre o hacker, proclamar-se outra vez de consciência tranquila, jurar que inventou as escolas de formação nos clubes e reduzir tudo à inveja e incompetência dos rivais para imitarem a sua gestão. Parece que para os benfiquistas, para alguns benfiquistas, é quanto basta. Veremos o que acha a justiça.
2 - Todas as épocas repito aqui o mesmo desabafo: porque joga o FC Porto a Taça da Liga? Só vejo duas explicações possíveis: ou porque é obrigatória a inscrição, não sendo possível esquivar-se a participar na prova, ou então por puro masoquismo, um desejo sádico de fazer sofrer os seus adeptos. A verdade é que, de ano para ano, a história repete-se: numa prova indecentemente montada para favorecer os três grandes mais o Braga, o FC Porto jamais conseguiu estar à beira de a vencer, dando sempre a sensação oposta de partir sempre vencido. Seja por culpa própria, por manifesto azar ou por sucessivos erros dos árbitros. Ou por tudo junto, mais um sentimento que já se apossou das sucessivas equipas e treinadores de que aquela prova está enguiçada.
Desta vez, a estreia caseira contra o Chaves foi mais do mesmo. Erros próprios, a incapacidade de chegar ao golo por processos simples e expeditos. Azar, a atitude antifutebol do adversário, sem nenhum pudor de tudo fazer para conquistar um resultado «histórico», mesmo envergonhando o futebol, o emblema das suas camisolas e o seu nome de profissionais. Enfim, é uma estranha forma de vida, infelizmente bastante praticada entre nós. Finalmente, um árbitro, ou coisa parecida, que deixou correr placidamente todo o antijogo do Chaves e só se incomodou expulsando o treinador portista por ele protestar contra a sua passividade e mostrando um amarelo a Marega por ele querer apressar uma reposição de bola. Um árbitro incapaz de ver aquele penalty tão evidente sobre Aboubakar, como incapaz de ver o golo de basquetebol do mesmo Aboubakar (mas, azar o nosso: se o auxiliar viu a mão de Aboubakar e anulou o golo, já não viu o penalty). Porém, com os nossos rivais, tudo é sempre diferente: o Sporting teve o habitual (e parece que incontestável) penalty a seu favor, e o Benfica teve um penalty daqueles que Duarte Gomes relatou como «lance pouco claro, aceita-se a decisão». Pois, estou a ver...E valeu uma vitória. Mas connosco já se tornou habitual não conseguirem ver penalties a nosso favor. E quanto mais maçaricos são os árbitros, pior é. Até parece que para subir na carreira é essencial não assinalar penalties a favor do FC Porto. Aborrece-me francamente falar disto logo no princípio da época, mas já vamos em dois...
3 - Bonito o gesto de Frederico Varandas, o novo presidente do Sporting, convidando todos os rivais vencidos nas urnas a estarem com ele em Alvalade. Bonita a forma como o candidato vencido tangencialmente, João Benedito, soube reagir à derrota. Mas, não tenham dúvidas: Bruno de Carvalho vai continuar a andar por aí e a espreitar qualquer nesga de oportunidade para destabilizar quanto puder e quando puder. Que outra forma de vida tem ele?
4 - Com o Schalke em nítida baixa de forma, espero bem que não seja o FC Porto a servir-lhe de boia de salvação esta noite, na nossa inesquecível Arena auf Schalke, em Gelsenkirchen. Neste grupo tão equilibrado, uma vitória fora a abrir seria um tremendo empurrão em direcção aos oitavos. Um empate, em teoria, não é um mau resultado, jogando fora contra uma equipa alemã, na Champions. Mas tenho a certeza que Sérgio Conceição está consciente da oportunidade de se bater pela vitória e dos riscos de autolimitar as ambições da equipa. O que mais temo, como sempre nestes jogos, é um erro defensivo estúpido, que, do nada, ponha o adversário por cima no jogo e instale a intranquilidade na equipa. Defender com segurança e autoridade é essencial para poder atacar com perigo. A este propósito, saúde-se o regresso de Danilo, tão longamente adiado e cuja presença tão necessária é em jogos como este.