A diferença que um ponto faz

OPINIÃO02.06.202004:00

Confesso  que  já me entediavam as conversas sobre o confinamento, em que não deve ter ficado pormenor por abordar a propósito de uma realidade completamente desconhecida e que nos apanhou a todos de surpresa. Tal como acontece nas épocas de incêndios, em que magotes de especialistas espraiam saber,  quase  se esquecendo dos bombeiros, os únicos que o cidadão comum reconhece como aliados quando o fogo ameaça.

Por força da pandemia, o futebol foi igualmente invadido por exércitos de sábios em diversas áreas. Quase todos os dias se discutiu acerca da verdade desportiva, seja o que isso for. No princípio, falou-se dos estádios e da importância de se jogar em casa ou não. Depois, dos testes e da segurança dos intervenientes. Mais recentemente, das transmissões em sinal aberto ou pago, da ausência de público e dos reflexos do silêncio no desempenho dos jogadores.

Pensava eu que jogar em casa sempre foi considerado como fator positivo para a equipa visitada  devido à pressão exercida pelo público sobre a visitante. Doravante,  porém, o contrário também parece verdadeiro, na medida em que a solidão poderá ser fator perturbador da estabilidade emocional dos praticantes, sejam eles anfitriões ou não.  

Até o aumento de substituições autorizado pela FIFA, de três para cinco, suscitou acesa discussão.  No entanto, por via das dúvidas, sugeriu  a prudência que a alteração apenas entre em vigor depois de aprovada em assembleia geral da Liga. O presidente do Marítimo voltou a desempenhar o papel de mau da fita, por alertar para o problema e ter dito não ser sua intenção impugnar, nem permitir que  alguém impugnasse.  

Apesar de todas as opiniões serem bem-vindas, a verdade é que quando o árbitro apitar para o início do jogo de abertura da retoma,  já amanhã, o que conta é a confiança do treinador no seu trabalho, a que se acrescenta a qualidade e a inspiração dos jogadores por ele orientados.

Àpartida para as últimas dez jornadas do Campeonato, todas as atenções estão centradas na discussão pelo título, reduzida a dois emblemas: FC Porto e Benfica. São eles, ainda, que vão lutar pela liderança, esse lugar mágico que garantirá a entrada direta na Liga dos Campeões e a certeza de recebimento de quase 50 milhões de euros pelo feito, enquanto o segundo terá de suar as estopinhas em eliminatórias de qualificação, às vezes armadilhadas e traiçoeiras. Que o diga o dragão, quando ficou sem jeito diante de modestíssimo Krasnodar e comprometeu financeiramente a época.

Um ponto separa dragão e águia e, com a linha de meta ao longe, é relevante a diferença entre ter um ponto a mais ou um ponto a menos.  

A Sérgio Conceição compete-lhe gerir a preciosa vantagem, sendo certo que se os seus jogadores tiverem a competência que se lhes exige nos dez encontros finais, naturalmente será campeão.

A Bruno Lage cabe-lhe produzir no que falta disputar, em ambição, consistência competitiva, espírito de luta e virtuosismo, aquilo que não exibiu com a regularidade necessária antes da interrupção do Campeonato. Em dez jogos está obrigado a somar trinta pontos, mas essa invencibilidade só terá direito a taluda se o FC Porto tropeçar em algum oponente incómodo.

Afirmou Rui Vitória que a paragem foi «mais benéfica para o Benfica», por ter acontecido numa altura que os encarnados estavam a perder terreno na classificação e ele sabe do que fala, pois, no ano do penta a voar, entrou na segunda volta com cinco pontos de atraso em relação ao FC Porto, desvantagem essa que se manteve, precisamente, até à 25.ª jornada. Foi então que se operou a reviravolta e à 28.ª o Benfica liderava com um ponto de avanço sobre o dragão. À 30.ª, porém, o FC Porto ganhou na Luz, fica dois pontos à frente, e na última sagrou-se campeão com mais sete do que os encarnados.

Como diz o povo, o atual treinador dos árabes do Al Nassr perdeu boa oportunidade para estar calado. Não lhe fica bem  intrometer-se em assunto que não lhe diz respeito, nem esgrimir um raciocínio que lhe assenta mal, pois o terreno que o Benfica agora perdeu na pontuação foi quase igual ao terreno que o FC Porto perdeu em 2018, em idêntico espaço de tempo, e que ele não conseguiu aproveitar. Em quatro jornadas passou de uma situação de menos cinco pontos para outra de mais um e, mesmo com metade das jornadas por realizar comparativamente à realidade de hoje, nem assim foi capaz de ser o comandante ambicioso e galvanizador de que a sua equipa precisava.

«Conquistámos títulos com Rui Vitória, mas fomos perdendo a identidade com que jogávamos», declarou Luisão, em recente entrevista. É uma explicação.

Na temporada passada, Bruno Lage iniciou funções com menos sete pontos do que o FC Porto e foi campeão com mais dois.

Este ano, Lage resolveu fazer de Conceição, passando de mais sete pontos para menos um, mas não deve estar à espera que Sérgio Conceição faça de Rui Vitória.