Sofiya Lyskun foi prata em 2022. IMAGO
Sofiya Lyskun foi prata em 2022. IMAGO

Atleta ucraniana acusada de traição por ter pedido passaporte russo

O desporto da Ucrânia está em choque com a decisão da olímpica Sofiya Lyskun, 23 anos, medalha de prata no Mundial de natação de 2022, na plataforma de10 m

Sofiya Lyskun, de 23 anos, anunciou que renunciou à cidadania ucraniana e passou a ser cidadã russa e deixou os ucranianos em estado de choque.

A nadadora justificou a decisão com a falta de evolução desportiva, discriminação interna e desgaste emocional dentro do sistema de alto rendimento da Ucrânia. Em entrevista ao jornal russo Izvestia, Lyskun, especialista em saltos, afirmou que já não se sentia capaz de progredir sob orientação técnica ucraniana:

«Nos últimos anos, percebi que não estava a crescer. A incompetência dos treinadores foi um fator importante, a maior parte são professores de ginástica», explicou a atleta, natural de Luhansk, que acrescentou que enfrentava críticas por falar russo e por contactar treinadores, incluindo a sua primeira treinadora, atualmente em Moscovo.

«Tínhamos letras enormes na piscina em Kiev: ‘Desporto fora da política’. Mas as primeiras pessoas a serem atingidas fomos nós, naturalmente, os atletas», defendeu.

Lyskun relatou ainda ter vivido episódios de exaustão emocional.

«Houve momentos em que fiquei uma semana sem treinar, sentada em casa a chorar. Nada de bom resultou disso», explicou a saltadora olímpica — que competiu em Tóquio 2020 e Paris 2024.

«Ninguém me apoiou; pelo contrário, tudo se agravou»

O gesto está a levantar enorme polémica tendo em conta o contexto político sensível, ainda por cima Lyskun é natural de Luhansk, cidade do Donbass ocupada desde 2014 por forças separatistas pró-russas e incorporada unilateralmente pela Rússia em 2022.

Desde o início da invasão russa em larga escala, atletas e treinadores ucranianos foram mortos, estão desparecidos ou na guerra e inúmeras infraestruturas desportivas foram destruídas — facto que torna particularmente sensível qualquer ligação pública à Rússia.

A Ucrânia acusa atleta de «traição» e pretende retirar-lhe todos os títulos. A Federação Ucraniana de Saltos para a Água convocou uma reunião extraordinária e anunciou punições máximas. «Foi decidido por unanimidade excluir imediatamente Sofia Lyskun da equipa nacional da Ucrânia e privá-la de todos os títulos e prémios recebidos sob os auspícios da Federação», lê-se no comunicado, que considerou o comportamento da atleta «inaceitável».

O campeão olímpico Jean Beleniuk acusou Lyskun de virar costas ao país: «Primeiro humilhas as pessoas que fizeram de ti campeã europeia e, de repente, descobres que estás melhor ao serviço de um país que mata ucranianos todos os dias. Quando alguns defendem a Ucrânia com a própria vida, outros saltam para o lado do inimigo. Isto já não é desporto. É consciência — ou falta dela», escreveu o lutador.

O presidente do NOC (Comité Olímpico Nacional) da Ucrânia, Vadym Gutzeit, considerou a decisão de Lyskun uma traição. «Fiquei desagradavelmente surpreendido. Esta rapariga mudou-se de Luhansk para Kiev em 2014, competiu pela equipa nacional ucraniana, tinha uma posição pró-ucraniana. Isto é uma traição!», disse o responsável.

«Lembro-me muito bem do quanto o Estado e a federação a ajudaram. Não teve problemas de financiamento, recebeu uma bolsa de estudo, organizou campos de treino e viagens para competições. O Ministério do Desporto, a Federação Ucraniana de Mergulho e a cidade de Kiev ajudaram-na. Resta saber o quê ou quem influenciou a sua decisão. Provavelmente, em 2014, teve a oportunidade de ficar em Luhansk. Mas foi para a capital da Ucrânia. Durante tantos anos, competiu pela seleção nacional, caminhou com a nossa bandeira azul e amarela. Simplesmente não há palavras», sustentou Gutzeit.

A atleta de 23 anos tem duas medalhas de ouro, quatro de prata e uma de bronze nos Campeonatos Europeus de Desportos Aquáticos.