«Uma águia sem asas não consegue voar», a crónica do Chaves-Benfica
João Mário festeja com Morato o segundo golo do Benfica apontado em Chaves (Atlantico Press/IMAGO)

«Uma águia sem asas não consegue voar», a crónica do Chaves-Benfica

NACIONAL04.11.202320:19

Três centrais confirmam uma equipa mais equilibrada; com bola, o Benfica tem, apenas, um futebol redundante, pasmado, longe do golo

Uma vitória pouco exuberante em Chaves chegou para o Benfica aproveitar a surpreendente derrota do FC_Porto, ganhar ao seu rival do norte uma vantagem de três pontos e igualar, mesmo que seja por um escasso dia, o Sporting na liderança do campeonato. Deveria ser suficiente para alegrar os adeptos do clube, mas não acreditamos que seja exatamente assim. O Benfica reinventado por Roger Schmidt num novo sistema de três centrais foi uma equipa equilibrada, segura, mas sem rasgo, nem vertigem pela baliza adversária, limitando-se a esperar paulatinamente que surgisse, enfim, uma oportunidade de golo, o que só viria a acontecer em cima da hora de jogo e num momento de inspiração de João Neves, que soube ser exceção a uma regra de rotinas e de vulgarização de jogo, desequilibrou pela ala direita e ofereceu o golo sem o qual o Benfica continuaria a remar romanticamente num lago sereno e de águas paradas.

A questão dos três centrais

Schmidt repetiu, sem surpresa, a fórmula dos três centrais. Descobriu, assim, já com a época a correr, que a equipa pode ganhar equilíbrio e fica menos exposta ao adversário. No entanto, até porque não teve ainda tempo para trabalhar o novo sistema, o Benfica não consegue disfarçar alguns défices de organização e de pressão quando tem bola para jogar. Com João Neves e Aursnes adaptados a laterais, torna-se evidente que faltam asas à águia e demonstra-se o óbvio: uma águia sem asas não consegue voar.

Por isso, sendo verdade que o Benfica é, assim, uma equipa mais robusta do ponto de vista organizacional, também se percebe que ainda tem mais dificuldade, agora, em ter presença na área adversária e, por isso, raramente fica perto do golo. Para uma equipa com legítimas ambições a ganhar jogos e títulos, parece uma barreira difícil de ultrapassar.

Admite-se que o treinador alemão queira, antes do mais, consolidar a sua organização defensiva e que só garantido esse objetivo passe à elaboração de uma qualidade ofensiva mais eficaz. Para já, a sua aposta no golo assenta em ideias demasiado simplistas, que passam pela esperança na magia de Di María, na dinâmica de Gonçalo Guedes e na versatilidade e velocidade de Rafa. Porém, a relação entre este trio continua a ser descontínua e pouco treinada. O futuro dirá se ainda pode melhorar o suficiente.

Arthur Cabral e Musa

Com o jogo já decidido, depois do penálti que João Mário converteu, o Benfica experimentou algo de novo: uma dupla de pontas de lança formada por Arthur Cabral e por Musa. Pouco tempo em jogo, pouco tempo para deixar convicções fortes, mas sinais muito curiosos de que não só pode tornar diferente o protagonismo de cada um deles em jogo, como pode dar outro nível de capacidade e qualidade ofensiva à equipa.

Certo é que o Benfica, depois de resolver o seu equilíbrio defensivo, com a entrada de Morato, mostrou que precisa agora de resolver o seu processo ofensivo, libertando-se de um marasmo cansativo quando tem bola, numa circulação redundante e incapaz de criar situações continuadas de perigo para o adversário. Daí que a hipótese de juntar Arthur Cabral, a subir claramente de forma, a Musa, um finalizador nato, se torne, para já, uma opção particularmente interessante. 

Não sabemos se Roger Schmidt considerará essa hipótese, talvez, demasiado arriscada. Pode pensar que para a implementar acabará por perder a consistência defensiva que, entretanto, terá ganho. No entanto, há que admitir que uma equipa que cria maior pressão sobre o adversário e fica mais próxima de fazer golo acaba sempre por condicionar o opositor e roubar-lhe tempo e espaço para organizar-se com e sem bola. Pelo menos nos jogos em que o Benfica fica a moer o jogo com bola, num futebol indolente e pasmado quando mais precisa de chegar ao golo, tudo indica que a dupla Cabral-Musa faça sentido.