«O Benfica tem vontade de acabar bem»

Javi García atribui favoritismo aos encarnados na final da Taça de Portugal, apesar de considerar que a conquista do campeonato poder fazer bem aos leões

— Chegou ao Benfica em 2009, proveniente do Real Madrid. Ainda se lembra do processo?

— Naquela altura estava no Real Madrid. Estava a fazer a pré-época. Estávamos na Áustria, acho eu. E foi o meu agente que me disse. Ligou para mim.

— García Quillón?

— García Quillón, correto, sim. Ligou para mim e falou sobre a opção do Benfica. E toda a gente conhece o Benfica. Fiquei surpreendido. Não estava à espera de uma opção assim. E Cristiano Ronaldo, que chegou nesse verão ao Real e fazia a sua primeira pré-época, perguntou-me se tinha realmente a hipótese de ir para o Benfica jogar. Aproveitei e fiz perguntas. Ele achava que era uma boa opção. Ter a resposta do Cristiano naquela altura era importante, era o único português que eu tinha ali. E disse-me que sim. Que não pensasse duas vezes e que viesse para cá, que era um clube muito bom. Então, com a ajuda do meu agente e com o que eu conhecia do Benfica,  depois de ter também uma pessoa portuguesa a fazer essa recomendação, aceitei a proposta.

— Para muitos, Javi García era um dos jogadores do melhor onze do Benfica no século XXI, em 2009/2010, quando foram campeões com Jorge Jesus. Lembra-se da equipa?

— Sim, vamos ver. Na baliza, naquela altura, era o Quim. Maxi, o capitão Luisão, David Luiz e o defesa-esquerdo era Fábio Coentrão. No meio campo, era eu. Em casa, quase sempre sozinho, mas muitas vezes com o Carlos Martins. Jogávamos com o Ramires na direita, o Pablo Aimar à minha frente, Ángel Di Maria [na esquerda]. E, à frente, o Saviola e o Tacuara [Cardozo].

— No sistema que idealiza como treinador ainda gosta de ver o 6 a jogar sozinho?

— Não, já não gosto tanto de ver esse trinco, como antigamente. Muitas equipas jogavam só com um. Agora, na minha ideia de jogo, gosto de jogar com dois ou três [médios], mas quase sempre com dois. Antes, havia um jogador que era mais defensivo, outro que era mais ofensivo. Isso mudou um pouquinho. Os jogadores do meio campo, nas academias, trabalham muito em diferentes posições e já conseguem fazer as duas coisas. E ter dois jogadores que consigam fazer as duas tarefas é importante.

— Fazia golos. No Benfica, 14 em três épocas. É uma característica importante?

— Sim, desde que o número 6 faça primeiro a sua tarefa. Depois, quantos mais golos marcar, melhor. Na academia do Real Madrid, e em Múrcia, antes de ir para o Real, jogava quase sempre como número 8. Pisava muita a área rival, batia muito de fora, estava habituado a marcar muitos golos. Quando cheguei ao Benfica percebi, todavia, pelos jogadores que tinha à minha frente, que a minha função era outra. Nos cantos, livres, bolas que Pablo Aimar normalmente marcava… Eu falava com o Pablo. Lembro-me de dizer-lhe muitas vezes, antes dos jogos: ‘Pablo, primeiro poste, mete a bola lá’. Foi assim que fiz um golo ao Sporting.

—  Lembra-se desse golo?

— Sim, muitas vezes tínhamos jogadas combinadas, mas eu falava com ele e dizia: ‘Pablo, por favor, esquece isso, mete a bola ali’. E ele metia a bola exatamente onde eu queria.

— Vamos ao presente. O Benfica perdeu o campeonato. Surpreendeu-o?

— Sempre que o Benfica não ganha é uma surpresa. Foi uma pena, porque a poucas jornadas do final o Benfica tinha hipótese… até esteve à frente, mas acabou não agarrar a primeira posição. Há que dar os parabéns ao Sporting, estão a fazer um grande trabalho. Mas o Benfica ainda tem a Taça de Portugal. E é uma competição que eu, pessoalmente, adoro. Nunca tive a oportunidade de jogar a final e tenho muito respeito pela competição. Benfica tem de esquecer, olhar para a frente e tentar ganhar essa a Taça.

— Foi campeão no Benfica como jogador e treinador-adjunto, agora é um adepto. Qual é o clube do coração?

— Não vou esconder: o Real Madrid deu-me a oportunidade de desfrutar do futebol. Cheguei ali muito novo. E foram à minha cidade falar com os meus pais para eu jogar ali. Consegui cumprir o meu sonho, que era jogar na primeira equipa do Real Madrid e vou estar sempre grato. Depois há o Benfica e também cheguei muito novo. Mas rapidamente senti que era importante na equipa. Fomos campeões. É um clube especial. Não vou esconder que Real e Benfica são clubes muito especiais.

— Quem é o favorito para ganhar a Taça de Portugal? Benfica ou Sporting?

— Eu acho que o Benfica é favorito. Ter ganho o campeonato pode fazer muito bem ao Sporting do ponto de vista mental, mas há também a vontade do Benfica de acabar bem e não deixar que o Sporting ganhe a Taça. Pode ser também muito importante. E é uma coisa que pode ser, na final, decisiva para o Benfica.

— Marcou dois golos ao Sporting com a camisola do Benfica. Lembra-se deles?

— Sim, um de canto [de cabeça], para o campeonato. E o outro foi para a Taça da Liga, nos últimos minutos. Cardozo bateu mal na bola, penso eu, e a bola ficou ali, morta, na pequena área, e eu fiz golo.

— Foi campeão de Portugal pelo Benfica, de Inglaterra pelo Manchester City, de Espanha pelo Real Madrid e da Rússia pelo Zenit. Deve ser especial.

— Sim, é especial. Em Manchester, estávamos a ver um jogo do Liverpool na televisão e falava com um colega de equipa, que contava que o Gerrard, Steven Gerrard, nunca tinha ganho a Premier League. E percebi como é complicado ser campeão em qualquer país. Steven Gerard, um dos melhores jogadores que vi jogar na sua posição. Por acaso, ganhámos a Premier League com um erro dele, entre aspas, quando escorregou [e perdeu a bola] a meio-campo. Fiquei um bocadinho triste por ser ele e escorregar.

— Depois do Bétis, o Boavista, surpresa para muitos. Fale-nos dessa nova viagem de regresso a Portugal.

— Foram as ‘ganas’, sinceramente. Muita vontade de voltar a Portugal, de voltar a jogar cá, contra Benfica, Sporting,  FC Porto, SC Braga. Nós, quando estivemos cá, adorávamos Portugal e já pensávamos naquela altura, há muito tempo, em ficar cá a morar. Gostei de jogar no Boavista. E é uma pena ter descido, porque tem muito potencial, história incrível, adeptos muito bons, um estádio muito bom também. Espero que subam na próxima época.

— E como foi viver na cidade do Porto? As pessoas metiam-se consigo por causa do Benfica?

— É verdade, o meu passado estava atrás de mim, havia muita gente que se lembrava disso. Às vezes, quando passeava, as pessoas diziam alguma coisa. Mas quando passavam e diziam algo iam de bicicleta ou de trotinete [risos]. Não era andando, normalmente. Eu lembro-me disso perfeitamente. Mas a minha filha [Amália] ficava um bocadinho... Ainda não tinha as minhas filhas quando joguei no Benfica, então tive de explicar-lhes tudo. E depois para elas passou também a ser normal. Mas foram só alguns casos.