Espaço Universidade Jogar contra o Covid -19: Treino/Otimismo/Futuro (artigo de José Neto, 98)
As condicionantes provocadas por todo este flagelo que nos bateu à porta apenas com espaçados avisos, por vezes escondidos por entre silêncios de aflitos, implicou uma paragem obrigatória de treinos e competições nas várias modalidades desportivas.
No que se refere à modalidade de futebol e num momento, por um lado de definição clara da luta classificativa para a obtenção do campeão, bem como os lugares de acesso à liga de campeões e taça UEFA, e por outro lado a luta pelos lugares de permanência classificativa das provas em disputa, obriga uma tomada de consciência de medidas especiais para casos excecionais.
Não se conhecendo o tempo que pode permanecer este estado de sítio que a todos nos constrange, os jogadores foram aconselhados a permanecer nas suas residências.
É evidente que esta medida deverá fazer constar a necessidade de permanecerem ativos, para que num possível retorno à competição possa ser menorizado o tempo de readaptação estritamente qualificado, quando não, a prevalência do estado crítico de graves lesões, cujo significado poderá condicionar a própria carreira do jogador.
Tenho verificado algumas das medidas de relevo enunciadas pelos departamentos de alguns clubes, e que para além de corroborar tais mestrias aplicadas pelos seus responsáveis, apenas acrescento em termos de comentário reflexivo o que entendo possa também ser validado.
Assim, tendo os clubes e seus gabinetes de apoio técnico, médico desportivo, muito especialmente aqueles que dispõem de equipas multidisciplinares que perfazem o departamento de avaliação, investigação e performance, constituído por médicos especialistas em medicina desportiva, fisiologistas, ortopedistas, metodólogos de treino, fisiatras, psicólogos, fisioterapeutas, nutricionistas, etc … devam interpretar esta dinâmica de intervenção muito específica. Para tal qualificando um plano estratégico individual de trabalho, devidamente sustentado pelos resultados já conhecidos das capacidades antropométricas (peso, medidas, pregas cutâneas, bioimpedância, podologia…); ao nível cárdio funcional (prova de esforço, avaliação VO2 máx., medida de lactatos, resultados de provas de campo com utilização do cárdio – frequencímetro e GPS; ao nível de dos resultados de potencia muscular (obtido na realização de testes nas máquinas isocinéticas, counter moviment jump e células foto elétricas) e ao nível psicológico e mental (resultado da avaliação da componente motivacional, stress e ansiedade, atenção e concentração, locus de controlo, formulação de objetivos, autoconfiança, coesão), etc ...
Perante um quadro desta natureza então se poderia associar de forma mais categórica uma metodologia de treino individualmente personalizada (deixem passar o pleonasmo), para a qualificação do desempenho à exigência que o jogo irá impor, aquando do retorno ao seio da equipa.
Sabendo que os jogadores dispõem de tapetes rolantes, bicicletas ergométricas, uma ou outra máquina de musculação e por vezes um pequeno espaço relvado, creio que para uma medida profilática de manutenção do seu estado de forma, poderia realizar treino diário ou bidiário com base nas respostas adaptativas referente ao V.O.2 máx (volume máximo de oxigénio consumido durante o exercício), realizando trabalho de intensidade intervalada de esforço, precavendo, claro está, o estado de fadiga.
Para além disto deveria associar o treino de força, como manutenção de massa muscular e diminuição de massa gorda. Ainda associar o trabalho de flexibilidade como base duma boa condição de amplitude muscular e articular.
Poderia este tempo ser ainda aproveitado para alguns casos específicos de jogadores com alguma atrofia muscular, realizando cargas adaptativas para o necessário equilíbrio funcional e até mesmo, nalguns casos em que dada a super exigência acumulativa de esforço neste momento de época, possam estar condicionados por patologias associadas à “malfadada” atropatia púbica (pubalgia), que representa um síndrome doloroso que afeta a região da sínfise púbica e as inserções tendinosas que lhe estão associadas, inserir no plano treinos uma recuperação e tonificação muscular e reeducação funcional, prevendo situações mais graves e que tantas vezes só recorrendo à cirurgia é possível debelar.
Seria uma medida fundamental, a estrutura metodológica do clube manter um contacto diário ou sempre que as necessidades ou dúvidas o exijam, quer de forma presencial ou através da rede de novas tecnologias para acompanhamento, avaliação ou apuramento de resultados.
Tendo em atenção este caso específico dum jogador estar desinserido do seu grupo normal de trabalho, porventura irá acontecer estados de tensão pelo isolamento, desânimo, inquietação, pessimismo, dúvida e que por isso terá de fazer variados ajustamentos de ordem pessoal, social e ambiental.
Neste sentido serão fundamentais as competências de comunicação, devendo-se proceder a uma informação clara acerca dos processos que estão a ser trabalhados, utilizando algumas estratégias como o entusiasmo no diálogo, mensagens fortes de apoio, seriedade e mantendo o estado otimista no jogador, estimulando o seu lado positivo, valorizando as suas contribuições pessoais no contexto do grupo, manifestando-lhe o espírito de solidariedade e cooperação, orgulho e pertença.
Ainda operacionalizar algumas técnicas de respiração e relaxamento, imaginação e visualização mental, focalizando-se num discurso interno positivo, tendo por base a visualização dos seus êxitos pessoais já conseguidos e justificados no role das suas competências.
É evidente que não será fácil manter um tempo prolongado de ausência que uma planificação coletiva para o rendimento de excelência exige. Falta o sentimento expresso na alegria da vontade, na coragem pela luta na disputa do pormenor do gesto técnico coletivo, do tal “cheiro do balneário” ou como muitos configuram como “sacrário de existência” e a saudade irá deixar na estrada do desejo um eco de solidão e desespero.
Daí também ser fundamental a presença constante da família como significado congregador de afetos, que pela seiva dos princípios que podem conferir a relação de amor num ideal de felicidade.
É claro que poderemos transferir este estado de adversidade como trampolim para a maturidade profissional de cada jogador, tendo perante este quadro de exceção uma rara oportunidade para se auto avaliar, potenciando de forma mais consciente maior segurança nas decisões futuras e já agora que está presente a sede do desejo do regresso, através das suas contribuições pessoais fazer aumentar o pensamento de orgulho de pertença a uma identidade coletiva mais forte para a conquista do êxito, manifestando-lhe maior espírito de solidariedade e cooperação.
Assim, com esta transferência de valores nem tudo se perde … muito se pode ganhar caso seja capaz de com o seu regresso, exprimir a coragem, sinalizar a alegria, exaltar a dedicação individual sempre em prole do emblema que se encontra bem amarrado ao coração!...
José Neto: Metodólogo de Treino Desportivo; Mestre em Psicologia Desportiva; Doutorado em Ciências do Desporto; Formador de Treinadores F.P.F. / U.E.F.A.; Docente Universitário.