Aqui D’El Rei … quem me acode!... (artigo de José Neto, 112)

Espaço Universidade Aqui D’El Rei … quem me acode!... (artigo de José Neto, 112)

ESPAÇO UNIVERSIDADE31.10.202022:30

 O 112 – Representa, como todos sabemos, o número Europeu de emergência, criado em 1991 para aceder aos serviços de emergência em qualquer país da União Europeia. Sendo este o número do artigo que através da bola on line a Direção do Jornal “A Bola” muito me honra utilizar para explorar algumas das minhas ideias e tendo em atenção o momento, ficará como título desta rubrica de hoje.

Encontramos o silêncio nos olhares que acusam a dificuldade de exprimir o sentimento da felicidade, copiando um estado de inquietação e desgraça e numa necessidade de irreprimível afeto, descobre-se com valentia e determinação a possibilidade de cooperação no abrir de ombros à democratização da vida e fazer da força coletiva uma identidade revigoradora e bem expressiva.

Esta pandemia vai-nos conduzindo pela via do isolamento a uma irrequieta dose de experiências dolorosas, suspendendo as práticas comunitárias que o distanciamento parece querer convencer nesta encruzilhada civilizacional, que o grupo de risco se encontra disperso da vista e longe do coração.

Custa-me muito olhar a criança e verificar as dificuldades de se lançar ao espaço de liberdade para saltar, correr e brincar entre a sua comunidade de afetos e também me custa a entender o isolamento dos mais idosos, pelo corte do traço existencial duma geração que faz a história duma experiência carregada de sonhos e que luta para fazer da vida o milagre mais indiscutível da sua existência.

Estamos em tempos de crise e perante tantas dificuldades de recuperação, não obstante a presença duma poderosa tecnologia existencial e até a badalada vacina anti - vírus, afigura-se-me uma incomportável compreensão, por não ver uma luz ao fundo do túnel, vendo partir tanta gente com nome escondido entre números de ocasião e sem sequer ter direito a uma lágrima de dor e agonia pela despedida.

Sabemos que quando a dor é bem gerida, também é uma forma de ajuda a moldar a personalidade de cada um. Por vezes este estado de sítio que tanto nos inquieta, também nos permite refletir em tanto do quanto precisamos de reaprender a cultivar o dom da vida.

Por vezes encontramos famílias movidas por um estado de crise existencial, devoradas pela incontinência verbal, emitindo palavras que escondem, encobrem e disfarçam pela falta de vergonha, insatisfeitas com as chagas do isolamento afetivo, aprisionadas pela ganância do egoísmo e sedentas por um estado de gratidão criativa e regeneradora dos valores existenciais.

Outras vezes cruzamos a vida entre gente que se apressa a ultrapassar as linhas duma relação crispada de sentimentos obsoletos, abusando duma loucura de trato misturada por uma linguagem rasca, prisioneira das malhas da animalidade, da grosseria e da bestialidade.

Também encontramos o desprezo pelo eco duma natureza que solta brados de agonia pela forma como se lhes arranca a beleza duma verdura e da cor das chamas ilustradas pelas labaredas do infortúnio, deixam ao redor fumo, cinzas, terror, lágrimas e medo!...

A poluição do ambiental, com o excesso de produção de poluentes, pelo uso e abuso de materiais descartáveis, que promove a produção de lixo em sobrecarga e com dificuldade de reciclagem, causando um efeito nefasto aos seres vivos e aos ecossistemas, tudo isto provocando um efeito de estufa, causando o cancro, doenças respiratórias e alergias de vária escala, também não deverá estar porventura desassociado às causas desta trágica pandemia.

Histórias feitas de sons e imagens onde a incredibilidade associada ao desespero, nos entra pela via da comunicação social pelas portas adentro… será que não aprendemos com este tempo de alerta que nos obriga a carregar no botão vermelho de STOP?!...

 Periodicamente a convite do sistema prisional, pelo facto de ter tido uma das experiências mais ricas da minha vida profissional no mundo prisional, me faço acompanhar de alguns alunos do mestrado à Cadeia, no sentido de conhecer, conviver e envolver através da prática de jogos com reclusos. Lá permanecemos 2 ou 3 horas, entrando por entre gradões, passando pelos corredores, encontrando os reclusos de olhar vítreo e abismado, vagueando quais autómatos pelo espaço que sendo de todos , parecia ser de ninguém, dando a dolorosa impressão de estar ali à espera de nada, alguns mesmo mergulhados na apatia e anomia, como que amolecidos na espera sem esquina e de um futuro sem sol.

Os altos muros dos pátios, as janelas e paredes das celas, o ruído permanente do fechar e abrir dos gradões, o intenso odor a lixívia e creolina, leva a que permaneça na memória o sentimento do passado de quem um dia passou para o outro lado.

Fomos com o objetivo de partilhar a dinâmica imposta pelo desporto, submetido pelo cumprimento de normas e regras, congregador de sentimentos e vontades, marcando a solidariedade de uma busca incessante de transcendência, da partilha de uma alegria catalisadora, provocando o renascimento de uma nova forma de ser e estar!...

Quando na saída ultrapassamos a barreira da entrada, quase entre silêncio fui escutando o que sobrava dos meus alunos algumas frases, tais como: “estava a ver que tinha de pedir urgência para sair mais cedo … que bom respirar este ar de liberdade”. Respondi: “agora já percebem melhor o preço e o respeito da liberdade”.

Quando porventura passamos por um hospital e sentimos a dor de quem padece, ficamos a perceber quanto representa um estado de perfeita saúde. Ou quando passamos uma refeição em vão, valorizamos melhor uma mesa composta da nossa ementa preferida. Ou quando o peso da distância nos invade de saudade, mais sentimos a falta de quem tanto amamos…

Só uma pessoa que sente o peso da dor, atulhada pelos monstros mentais que a torturam e a encurralam para o abismo,  é que poderá ir ao fundo da alma e sacar o que lhe resta de energia para acudir com lucidez o propósito de exprimir com sedução a força do seu entusiasmo, fazendo um despertar de talentos que pareciam adormecidos. Nessa conformidade se prepara para melhor atacar o presente com convicção e o futuro com esperança, transportando na alma as pegadas da experiência vivida e no coração o suor das causas para poder vencer.

Gente vencedora mede-se na adversidade. Á medida que vai enfrentando os problemas vai acumulando experiências e vai fazendo dos piores momentos a melhor oportunidade de, remando contra a maré reconhecer a sua força, acabando por vencer de forma mais generosa todos os obstáculos.

Temos assim de estabelecer um código de confiança e resiliência, potenciado pela conquista de novas causas entre o amor próprio, a família e a comunidade, redescobrindo um verdadeiro discurso de comunidade em favor do próximo, porque o estado de confiança é que nos faz soltar o corpo, libertar a mente e aproximar as relações.

Creio que o segredo do sucesso na reconquista do futuro assenta nos pilares do pensamento que gera sentimentos, e com base na fé confiemos na esperança …pois sem esperança não haverá futuro para que um dia novamente nos possamos envolver naquele abraço.

E é com o afeto marcado pela profundeza dum ABRAÇO, referenciado pelo nosso Ilustre e Distinto Cardeal Doutor Tolentino de Mendonça, que concluo este artigo:

“Abraço – uma conversa sem palavras; pode ser acolhimento e despedida, congratulação e luto, reconciliação e afago, manifestação de amizade ou de paixão. Primeiro ao nascer e logo no embalar da mãe, que passou fazer parte da arquitetura íntima da nossa existência.

Os abraços são como um mapa de reconhecimento, abraços dramáticos ou   transparentes, abraços alagados de lágrimas, ou em puro júbilo, abraços próximos ou distantes, abraços fraternos ou enamorados!...

O que de mais importante em nós se destina a ser dito, soletra-se no silêncio de um abraço, porque aí ocorre isto que é tão precioso: sem defesas, um coração coloca-se à escuta de outro coração”.

AQUELE FORTE E FRATERNO ABRAÇO

José Neto: Metodólogo de Treino Desportivo; Mestre em Psicologia Desportiva; Doutorado em Ciências do Desporto; Formador de Treinadores F.P.F./U.E.F.A.; Docente Universitário – ISMAI.