Campeão olímpico de lugares comuns (artigo de José Manuel Delgado)

CRÓNICAS DE UM MUNDO NOVO Campeão olímpico de lugares comuns (artigo de José Manuel Delgado)

NACIONAL10.06.202014:03

132 horas depois do apedrejamento do autocarro do Benfica e da vandalização das casas do técnico e de vários jogadores, o secretário de Estado do Desporto e da Juventude disse de sua justiça.
 

O que João Paulo Rebelo trouxe à conversa foi um mar de banalidades, que revelam que daqueles lados o que há a esperar para a resolução deste problema da violência é uma mão cheia de nada, e a outra cheia do mesmo. Atente-se então no que disse o membro do Governo:
 

 1 - «É profundamente lamentável, como são de lamentar todos os episódios de violência que infelizmente se associam ao desporto. Tenho dito que o desporto nada tem que ver com a violência. Os adeptos da violência não podem ser adeptos de desporto, que preconiza e protagoniza valores que nada têm que ver com a violência. Lamentamos e repudiamos todo o tipo de ações como esta.»

- Então não havia de ser de lamentar? Este episódio e todos os outros análogos? E de que adianta fazer um discurso à barão de Coubertin, aceitável à época, mas profundamente ridículo se aplicado ao problema que está em cima da mesa?

2 - «E lamento ainda que aconteça num momento em que Portugal é visto como um exemplo do ponto de vista internacional, na retoma das competições desportivas.»

- Faltava o auto-elogio, bacoco. Mas, não fosse a FPF colocar a sua máquina em movimento e queria ver se quem tutela o desporto a nível governamental seria capaz de qualquer impulso significativo!

Aliás, se alguém tiver dúvidas quanto ao que o Desporto representa para este Governo, basta ler a carta que o presidente do Comité Olímpico de Portugal, José Manuel Constantino, escreveu há dois dias a este secretário de Estado (e que o estimado leitor encontrará no final desta crónica*)…

3 - «O Governo tem feito a sua parte, é essencial que todos os façamos. Os dirigentes têm particulares responsabilidade acrescidas, mas o comum adepto deve ter uma atitude contributiva para que estas pessoas sejam erradicadas.»

- E que parte é essa que o Governo tem feito? Onde pára a nova lei de segurança no desporto? Alguém sabe por onde anda? E alguém tem ideia de quando entra em vigor? De certeza absoluta que não é por falta de uma atitude contributiva do ‘adepto comum’ que este problema subsiste. Além da cobardia da generalidade dos dirigentes desportivos, neste particular, falta aos nossos governantes, aquilo que a sra. Thatcher tinha de sobra. Por isso a Inglaterra foi capaz de sair de um problema incomensuravelmente maior do que aquele que atravessamos e nós não saímos da cepa torta. 

*«O Comité Olímpico de Portugal (COP) manifestou esta terça-feira junto do Governo a sua discordância quanto ao facto de o Desporto ter ficado de fora das medidas previstas no Programa de Estabilidade Económica e Social (PEES).
 

Numa carta dirigida ao Secretário de Estado da Juventude e Desporto, João Paulo Rebelo, o COP lamenta que o Desporto, ao contrário de outros sectores de atividade do país, não tenha tido por parte do Governo qualquer orientação sobre um pacote de medidas de proteção à sua sustentabilidade financeira, antes se optando por aceitar a sua inclusão em medidas de caráter económico-financeiro desenhadas para outras realidades que não a desportiva.
 

Num período de enorme delicadeza e incerteza, onde a vasta maioria das modalidades desportivas continuam sem poder organizar competições, ou as organiza à porta fechada, sem receitas de bilheteira, a ausência de uma resposta governamental agudiza as vulnerabilidades de um sector que representa cerca de 2% do PIB europeu e que agora se vê condicionado no desenvolvimento da principal atividade geradora de receitas.
 

O COP recebeu com imensa surpresa o que poderia ter sido uma importante oportunidade para o Desporto ser tratado como uma área sectorial relevante nas orientações políticas nacionais, não o vendo figurar no documento que, no passado dia 7 de junho, foi apresentado sob o nome de Programa de Estabilização Económica e Social (PEES).
 

Neste documento, para além de se ignorar, de forma preocupante, qualquer referência ao Desporto, constata-se ainda que algumas das medidas apresentadas são expressamente financiadas pelas receitas dos Jogos Sociais do Estado, cujo volume de negócio é também gerado por esse produto que, como sector, foi, novamente, ignorado: o Desporto.
 

No entendimento do COP existe uma conclusão óbvia a extrair desta situação: o Governo de Portugal não reconhece ao Desporto suficiente importância política para ser incluído no seu Programa de Estabilização Económica e Social.
 

Poder-se-ia argumentar que o documento trataria apenas de setores transversais muito relevantes no plano económico-social do país. Mas não. Houve escolhas e opções. E se algumas referências sectoriais permitem uma leitura de que são um claro sinal de resposta política a contestações que ocorreram recentemente na sociedade portuguesa, de igual modo a ausência de outras, como o Desporto, espelha a pouca importância política dada ao sector e a falta de preocupação demonstrada para com o risco da sua sustentabilidade.
 

O COP apela ainda a uma reapreciação do assunto e aguarda que a melhoria do PEES ainda seja possível, com a devida inclusão do Desporto como um dos seus beneficiários.»