Entrevista «Euro 2008 foi o último porque não quiseram que fizesse mais nenhum»

SELEÇÃO17.06.202408:00

Nuno Gomes foi uma das figuras da seleção portuguesa de 2000 a 2008; nem sempre titular, o avançado esteve, no entanto, em vários momentos relevantes da equipa e, mais do que isso, marcou nos três torneios continentes em que participou: para além disso, nunca irá esquecer os dias a seguir à derrota na final do Euro 2004, quando foi de férias para o mesmo hotel em que estava a seleção grega.

O Euro 2008 foi organizado pela Suíça e pela Áustria. Portugal esteve nessa fase final e caiu nos «quartos», frente à Alemanha. Perdeu 3-2. O nosso entrevistado marcou um dos golos que ainda deu esperanças ainda à Seleção Nacional. Nuno Gomes foi um dos mais importantes avançados de Portugal no Século XXI. Marcou presença em três fases finais de Europeus: 2008, 2004 e 2000.  

 Pertences ao grupo restrito de jogadores que estiveram presentes em três fases finais de Europeus. Orgulhoso dessa história?

É um motivo de orgulho para mim ter estado presente em três fases finais de Europeus, consecutivas, e tive também a felicidade de conseguir marcar em todos eles.

Em 2008 deste esperança a Portugal ao fazeres o 2-1 no jogo com a  Alemanha, naquele que foi o 29º, e o último golo num Europeu, por Portugal.

Foi o último, porque não quiseram que eu fizesse mais nenhum depois. (Risos) Ainda continuei a jogar pela Seleção, mas já não participei em mais nenhuma fase final. Tenho pena pois acho que podia ter feito pelo menos mais uma. Eu terminei em 2008 e em 2010 já não fui ao Mundial na África do Sul. Esse golo, por tudo disseste e bem, foi um golo que nos deu ainda esperanças de podermos dar a volta ao resultado. Nós começámos mal esse jogo. A Alemanha tinha uma boa equipa, forte, entrou melhor do que nós, fez dois golos, um quase atrás do outro (22 e 26 minutos), o que nos deixou um pouco sem reação. O meu golo, perto do intervalo (40 minutos), foi numa altura importante para nos ajudar a ter o alento de, na segunda parte, conseguirmos dar a volta ao resultado. Fiz o 2-1, numa jogada do Cristiano do lado esquerdo, em que ele remata à baliza, o guarda-redes defende assim para a frente e eu, de pé esquerdo, consigo, na recarga, fazer o golo. Foi um golo importante, mas acabou por não servir para nada infelizmente. Na altura deu-nos essa esperança e vontade de poder dar a volta ao marcador na segunda parte mas não conseguimos evitar a derrota e consequente eliminação desse Euro 2008, nos quartos de final.

Jogaste dois dos três jogos da fase de grupos. Não marcaste em nenhum, mas foste titular e também o capitão de equipa.

Esse Europeu 2008 foi depois da despedida de Figo e de Pauleta, que saíram da Seleção depois do Mundial 2006. Eu era um dos capitães, e, normalmente estando eu em campo, seria eu o escolhido por Scolari para usar a braçadeira e nesse Europeu foi o que aconteceu. Joguei contra a Turquia, contra a Chéquia, a República Checa na altura. Depois não fiz o terceiro jogo com a Suíça, que perdemos, pois já estávamos apurados e o Scolari deu descanso aos jogadores que tinham mais minutos. Nós fizemos dois bons jogos com a Turquia e com a República Checa. Não marquei golo em nenhum, mas participei numa ação num golo do Pepe. Acabámos por ganhar nas segundas partes com alguma naturalidade porque éramos mais fortes e jogámos bem nesses jogos. Já sabíamos que provavelmente iria ser a Alemanha a nossa adversária nos quartos de final, e que iria ser um adversário difícil, como se veio a comprovar.

Nuno Gomes em ação frente à Rep. Checa na fase de grupos do Euro 2008 (FOTO: A BOLA)

A verdade é que Portugal nesse Euro 2008 ficou aquém daquilo que era esperado, também pela qualidade dos jogadores que essa Seleção tinha.

Acho que sim. Ficou sem dúvida um sabor amargo, apesar de nós sabermos que a Alemanha tinha uma excelente equipa, mas acho que tiveram a sorte do jogo do lado deles. Nós tínhamos uma equipa também muito boa, que era capaz de lhes ganhar, mas na primeira parte fizeram dois golos muito rápido, nós reduzimos para 2-1 e na segunda parte tivemos maior ascendente, mas eles depois fizeram o 3-1 e foi quase o xeque-mate. Ainda reduzimos mais perto do final (87 minutos) pelo Postiga, mas não conseguimos e a Alemanha conseguiu sempre gerir essa vantagem.

«O Cristiano Ronaldo sempre soube ocupar o lugar dele»

Fizeste esse Europeu e acabas também por passar o testemunho da braçadeira de capitão de Portugal para Cristiano Ronaldo.

É também um motivo de satisfação e é acima de tudo um sinal da grande longevidade do Cristiano Ronaldo que tem feito uma carreira fenomenal. Nós que estávamos nessa Seleção de 2008, quando se dá a chegada do Cristiano, percebemos desde cedo que estávamos perante um jovem, um jogador diferente de todos os outros, com muita vontade, muito competitivo e de querer sempre ser melhor a cada treino, a cada dia e é natural que ele hoje em dia ainda esteja ao serviço da Seleção e que use a braçadeira.

Já se notava que tinha características de líder?

Sem dúvida. Pela personalidade dele, pelo espírito combativo e competitivo que sempre demonstrou era um líder natural porque a vontade de vencer contagiava o resto do grupo apesar da idade [23 anos]. Ele também sempre soube respeitar os colegas mais velhos e sempre soube ocupar o lugar dele, mas nunca se fez rogado a qualquer desafio, a qualquer situação que fosse mais difícil. Ele era sempre dos primeiros também a dar o peito às balas e a chegar-se à frente para dizer presente. Eu acho que esse é um dos sinais que levou o Scolari, desde cedo, a nomeá-lo como um dos capitães. O grupo de capitães que o Scolari escolheu era formado por jogadores com mais internacionalizações, como eu o Fernando Meira, o Pepe, salvo o erro. O Ronaldo apesar de não ser um dos mais internacionais na altura, o selecionador achou que deveria integrar esse grupo de capitães nesse Europeu de 2008, ele fazia parte do leque restrito de alguns jogadores que usavam a braçadeira, provavelmente também já a preparar nesse caminho que se adivinhava muito longo e acima tudo de sucesso.

Essa Seleção de 2008 era bem diferente da de 2004.

2008 já é uma outra geração. Em 2006 termina a tal geração de Luís Figo e de Rui Costa que participou no ano 2000, no meu primeiro Europeu. Eu estou ali no meio, entre gerações. Essa geração de Figo, Rui Costa, Fernando Couto, João Pinto, Vítor Baía, que vai até 2006, com o Figo e Pauleta serem os sobreviventes no Mundial 2006. Essa geração de 2008 já não tem praticamente ninguém da chamada ‘Geração de Ouro’, mas é também o início de muitos outros jogadores que depois tiveram muitos anos, alguns ainda continuam, como o caso do Pepe e do Cristiano, mas por exemplo, estou a lembrar-me do Ricardo Carvalho que participa nesse Europeu de 2008 e acaba em 2016 a conquistar o Europeu em França. Essa era uma Seleção renovada, com outros jogadores que depois deram continuidade ao processo.

«Foi difícil perder com a Grécia e chegar a casa e ter uma festa surpresa»

E esse Euro 2004 foi o mais especial do ponto de vista sentimental para ti?

O Europeu de 2000 é especial para mim porque foi o meu primeiro e coincidiu com o meu primeiro golo ao serviço da Seleção e foi uma grande campanha. O Euro 2004 tem essa particularidade de ter sido realizado em Portugal. Foi especial por tudo. Desde logo por termos sido nós a realizar e pelos momentos que nós vivemos durante esse mais de um mês. Quem estava no país, quem participou no Europeu, dentro ou fora de campo, lembra-se do ambiente de festa que se viveu durante esse período, por todo o país e da onda que se foi criando à medida que a nossa Seleção ia avançando na prova. Não foi o desfecho que todos nós esperaríamos, foi realmente muito duro aceitar essa derrota. No futebol não há vitórias morais, acho que a nossa seleção merecia ter ganho esse Europeu. Nós nunca pusemos essa hipótese de que no futebol há três resultados possíveis. O que eu senti foi que nós acreditámos, por aquilo que estávamos a viver, que a final não podia ter outro resultado a não ser a vitória. Infelizmente perdemos e, como é óbvio, vou recordar também esse sabor amargo para a vida toda, mas foram memórias que não esquecerei.

Perdeste a final, fazes anos a seguir e vais de férias para a Grécia. Pior destino possível depois daquela final no Estádio da Luz?

O destino de férias já estava escolhido praticamente ainda antes de o Europeu começar. Se eu adivinhasse o futuro, tinha escolhido outro destino de férias. (Risos) Eu faço anos a 5 de julho e a final com a Grécia foi dia 4. Foi difícil perder a final e depois chegar a casa e ter uma festa surpresa organizada pela família. Foram momentos de tristeza muito grande que tive de gerir, pois era o meu a aniversário e a minha vontade não era festejar. Depois fui de férias para a Grécia como tinha marcado, há muito tempo. Os jogadores da seleção grega foram todos passar férias juntos, com as famílias, depois de se sagrarem Campeões da Europa. Estavam todos contentes, como é óbvio. Azar o meu: foram para o mesmo hotel onde eu estava a passar férias numa das ilhas gregas. Quando os vi chegar fiquei espantado e sem grande reação. Como eu tinha colegas de equipa na seleção da Grécia quando me viram começaram logo a picar-me. Eu tentava gerir aquele incómodo da melhor forma no meu dia a dia. Mas não era fácil. Havia mais do que uma praia no hotel, naquela ilha grega, e eu tentava ir para um sítio diferente daquele onde eles estavam para não me incomodarem, pois estavam numa onda diferente da minha.  Eu queria descansar e esquecer o mais rápido possível aquele Euro 2044. Eles queriam festejar e convidavam-me sempre para jantar. Eu recusava sempre. Não tinha vontade de os aturar. Um dia acabei por ir, mas estabeleci limites porque não estava para brincadeiras. Foram uma aventura essas férias na Grécia, depois de perdermos na final do Euro 2004.

Nesse Europeu marcaste o golo que garantiu a vitória frente à Espanha por 1-0, no último jogo da fase de grupos.

Foi importante para a nossa Seleção porque nós precisávamos desse golo para seguir em frente. Nós tínhamos perdido com a Grécia, depois ganhámos à Rússia e éramos obrigados a vencer a Espanha para seguir para os quartos final. Foi um jogo de muitos nervos com o Estádio José Alvalade cheio, com muito apoio. Na primeira parte não conseguimos desbloquear o resultado e o Scolari ao intervalo decidiu fazer essa substituição: tirou o Pauleta e meteu-me em campo. Em boa hora o fez porque eu consegui fazer esse golo que nos deu o apuramento. O Scolari normalmente pedia sempre a um jogador que ia ser titular para, depois da intervenção dele, falar para o grupo. Normalmente ele pedia isso a um jogador do 11 inicial e nesse dia do jogo com Espanha ele pediu a min para dirigir algumas palavras aos meus colegas, o que não era normal porque eu não ia jogar a titular. Portanto se calhar o Scolari, com a sua santinha, já tinha tido essa indicação de que eu iria ser um jogador importante nesse jogo.(Risos)

O avançado titular nesse Euro 2004 era o Pauleta, mas tu entraste nos seis jogos que Portugal realizou?

O Pauleta era o titular mas eu era muitas vezes chamado. O Scolari tinha essa confiança em mim. Era dos jogadores em quem ele confiava quando precisava de mudar alguma coisa durante o jogo.  Acreditava que podia mexer com o jogo e ajudar a equipa a ganhar.

«O Euro 2000 é bem capaz de me ter mudado a vida»

E acabaste por ser, sem dúvida, decisivo. Fazes com o Scolari dois Europeus. O primeiro que fazes é com Humberto Coelho em 2000 e acabas por ser a surpresa nas escolhas?

Sim. Naquele tempo em 2000 eu vou ao Europeu e vou fazer 24 anos. Já tinha sido internacional antes, mas acho que nesse período para um jovem jogador era mais difícil chegar à Seleção A. Atualmente nós vemos a nossa Seleção, e outras, com os jogadores com 17, 18, 19 ou 20 anos porque houve também essa evolução do próprio treinador em não ter medo de apostar em jogadores mais novos, desde que apresentem resultados e qualidade. Mas a realidade em 2000 era outra e se calhar nessa altura era mais difícil um jovem jogador chegar à seleção e ter essa oportunidade, o que acabou por fazer da minha prestação nesse Campeonato da Europa uma surpresa. Mas, por outro lado também temos de olhar para o que foi a campanha da nossa Seleção antes de 2000 e depois de 2000. Antes de 2000 nós tínhamos ido poucas vezes às fases finais [ndr 1984 e 1996] até porque era mais difícil conseguir lá chegar. Depois de 2000 fomos consecutivamente a todas as fases finais. Houve aí, sem dúvida, um ponto de viragem.

Nesse Europeu 2000 era o Ricardo Sá Pinto jogava normalmente a titular e ele já nos relatou o que viveu nesse torneio. Disse-me o Sá Pinto que é com carinho que se recorda que esse foi o teu Euro, pela surpresa e também por aquilo que deste a Portugal. No primeiro jogo vencemos por 3-2, com um golo teu (59 minutos) num jogo marcante com Inglaterra.

Foi o meu primeiro Europeu. É certo que eu sabia que que não iria jogar a titular, que a primeira opção do mister Humberto Coelho seria o Sá Pinto, até porque o Pauleta estava impedido de jogar o primeiro jogo. Depois o Sá teve esse infortúnio de se lesionar dois ou três dias antes do primeiro jogo e ficámos ali na dúvida de quem é que iria jogar. Havia outras hipóteses no lote de convocados e não sabíamos mesmo qual seria a escolha para jogar de início. Mas o mister Humberto Coelho comunica-me no dia antes do jogo com a Inglaterra que vou ser eu jogar. Naquele momento fiquei muito feliz de fazer também a minha estreia pela Seleção num Europeu e mais feliz fiquei quando fiz o golo que nos permitiu juntar três pontos à exibição. Hoje esse jogo ainda é recordado como um dos jogos mais emocionantes dos europeus. Foi a reviravolta de uma seleção que estava a perder 2-0, aos 20 minutos, contra uma Inglaterra forte. Conseguimos dar a volta e fazer dois golaços. Um do João Pinto e outro do Figo, e depois na segunda parte estava um jogo mais equilibrado porque em certos momentos ninguém quis arriscar muito com medo de sofrer, mas houve o lance em que o Rui Costa me descobre, me mete a bola e eu depois consigo dominar e chegar primeiro que o guarda-redes. Faço o golo que nos permite ganhar esse jogo e lembro-me que depois foi sofrer até ao fim, para não deixar a Inglaterra empatar.

Esse jogo mudou a tua vida?

Esse Europeu é capaz de ter mudado a minha vida. Foi esse jogo marcante e nós acabámos por fazer um excelente Europeu. Além desse golo no primeiro jogo eu junto mais três golos nesse Euro: dois golos à Turquia e um à França nos meias-finais. Ganhámos à Turquia com dois golos meus e depois nas meias-finais com a França marquei o golo que nos deu a esperança de marcar a presença na final, mas infelizmente do outro lado havia um senhor que se chamava Zidane que tinha jeito para o futebol. (Risos) Relembro que eu jogava em Portugal, no Benfica, e já tinha jogado na Liga dos Campeões, mas ainda não tinha feito nenhuma prova internacional ao nível das seleções seniores. Uma fase final de um Europeu e de Mundial são uma montra internacional diferente da de jogar na nossa Liga portuguesa. Esse Europeu foi marcante porque se calhar deu-me a conhecer internacionalmente ao panorama futebolístico.

Por tudo aquilo que fizeste em campeonatos de Europa, sentes-te o príncipe dos golos como já te chamaram?

[Risos] Sinto-me feliz por ter participado em três europeus, por ter tido a carreira que tive na Seleção Nacional. Tenho esse sentimento de grande orgulho de ter representado um dia o nosso país, ter envergado a camisola das Quinas, ainda para mais em três europeus, em dois mundiais. O facto de ter marcado em três Europeus consecutivos é também motivo de orgulho para a minha carreira, porque não há muitos jogadores no Mundo que podem orgulhar-se de dizer que fizeram golos em três Europeus consecutivos.

Para quem jogou ao nível que jogaste, que significado tem representar Portugal?

Eu costumo dizer que é o expoente máximo na carreira de um futebolista. O facto de se chamar seleção também tem tudo a ver com os melhores de alguma coisa, neste caso a Seleção de futebol do Portugal são os melhores jogadores. Eu cresci a ver o Chalana, o Carlos Manuel, o Fernando Gomes e outros a jogar no Europeu de 84 e depois o México 86. O meu crescimento e a minha paixão pelo futebol nasce também ao ver jogos da nossa Seleção quando tu sonhas um dia em ser jogador de futebol, também sonhas um dia poder jogar pela Seleção. Para mim foram momentos sempre únicos poder representar a nossa Seleção ao mais alto nível. É realmente um sonho de criança que se concretiza e depois é um dever quase como ir à tropa e defender as cores do nosso país nas grandes competições. Acho que é esse um pouco o sentimento.