«Deixa-me triste que Fernando Gomes não assuma publicamente o contrato»
Fernando Santos inicia novo desafio na Turquia (Foto: André Filipe)

ENTREVISTA A BOLA «Deixa-me triste que Fernando Gomes não assuma publicamente o contrato»

SELEÇÃO11.11.202307:30

Fernando Santos recorda o processo que o levou a selecionador, que o presidente da FPF terá confirmado, segundo o próprio, em tribunal, e desmente que tenha criado a Femacosa de propósito para receber vencimentos do organismo

Numa das salas da casa onde vive com a mulher Guilhermina e lado a lado com réplicas das troféus de campeão da Europa e da Liga das Nações, Fernando Santos falou do contrato que assinou para ser selecionador nacional. Não perca a segunda parte desta entrevista exclusiva A BOLA. Sem filtros.

– Em 2014 quando surgiu o convite para treinar Portugal não pensou duas vezes, apesar de estar suspenso por oito jogos?

–Acho que não pensei nenhuma. Nem uma nem duas. Nem me passava pela cabeça treinar a Seleção portuguesa. Em setembro de 2014, quando o Presidente marcou uma reunião para falarmos, lembro-me perfeitamente que a pergunta que me fizeram foi se eu achava que com oito jogos de castigo podia ser selecionador. E eu disse que não.  Eu próprio reconhecia isso. Passados uns dias, Fernando Gomes voltou a ligar-me e pediu que viesse a Lisboa ter com ele. Já se sabia que o recurso da FIFA não tinha corrido bem e eles mantinham os oito jogos. Quando cheguei a casa dele para falarmos, disse-me que mesmo assim iam apostar em mim. ‘Temos esta proposta para te fazer e vamos também apoiar-te no recurso ao TAD [Tribunal Arbitral do Desporto]’.

– Sentia-se fragilizado?

– Se eu não me sentisse fragilizado, com os números que me apresentaram não sei o que teria acontecido.

–  Não questionou os valores?

  Nada. Zero! Com oito jogos de castigo ter a possibilidade de treinar a minha Seleção? O presidente da federação do meu país, uma pessoa da qual sou amigo pessoal desde 1998, com quem tinha uma relação excelente, convida-me, abre-me a porta da Seleção Nacional... Acha que eu tinha tempo para pensar, sequer? A minha resposta foi sim. Só passado uns tempos é que comecei a pensar nos valores com que fiz este contrato, que eram muito inferiores aos da Grécia. 

– Os valores era inferiores aos da Grécia. E as condições contratuais, eram semelhantes às que já lhe tinham proposto em clubes ou seleção anteriores?

  Não, mas estamos a falar de dois dias diferentes. Um é aquele em que o Presidente me diz: nós vamos apostar em ti e temos estes valores para pagar. E eu disse ok. Então, ele disse-me para passar na Federação no dia seguinte para resolver o contrato. E fui lá no dia a seguir.

–  Não se falou em fazer contrato com uma empresa?

– No primeiro dia não. Zero!

– Como foi no segundo dia?

–No segundo dia, apresentam-me o contrato e quando começam a explicar-mo eu não percebi.

–  Quem lhe explicou o contrato?

  O presidente e os advogados que estavam com ele. Então diz-me: ‘Nós não queremos fazer um contrato contigo pessoalmente, queremos fazer um contrato com uma empresa.’ Eu não estava a perceber. Tinha 35 anos de treinador e até aquele dia sempre tinha feito contratos de trabalho a termo. Todos os meus contratos de trabalho, com clubes e nas seleções, foram a termo. Até àquele dia. Explicaram-me as razões…

– Quais eram?

– Tinham tido problemas com equipas técnicas anteriores. Não me disseram que tinha sido com o Paulo Bento. Disseram-me que tinha acontecido com os adjuntos, porque depois, quando saiu, os adjuntos não queriam sair e alguns tinham de ficar na Federação…  Não me apresentaram outro contrato. Só me apresentaram este tipo de contrato. Era como se fosse uma empreitada. Um contrato com uma empresa e depois essa empresa contrata os assistentes, porque nem assistentes eles iam contratar. Mas, atenção, o que me propuseram foi um contrato de prestação de serviços entre a Federação Portuguesa de Futebol e uma empresa. Essa foi a única coisa que me foi proposta. Liguei aos meus advogados a dizer-lhes o que me estavam a propor e que era preciso criar uma empresa. Eles disseram-me que não era, pois eu tinha criado uma empresa no dia 9 de janeiro de 2014, nove meses antes daquela conversa.

A sala cheia de memórias e troféus do ex-selecionador nacional (Foto: André Filipe)

–  Qual era o objetivo dessa empresa?

  Investir em Portugal. Eu era residente fiscal na Grécia e recebi uma proposta de uma empresa de brindes. Comprei 15% dessa empresa e em março de 2014 passei a ser administrador. Quando dizem que eu criei uma empresa para representar a Federação isso é mentira. Sabe a Federação, sabe a Autoridade Tributária, sabem todos. Eu tinha confiança absoluta no que o presidente me disse. Sinceramente: da mesma maneira que não discuti dinheiro também não ia discutir aquilo. Queria muito ser selecionador nacional, portanto estavam reunidas todas as condições. A única coisa que eu sabia que tinha de fazer a seguir era falar com os meus adjuntos, o Ricardo, o João Carlos e o Justino, e dizer-lhes que o único contrato que me tinha sido proposto era aquele. Portanto, se quisessem trabalhar comigo tinham de trabalhar para Femacosa e não para a Federação. Foi a primeira vez que isto me aconteceu. Eu nunca tive contrato com a Federação. Havia um contrato de prestação de serviços entre a Federação Portuguesa de Futebol e a Femacosa. O que eu estou a dizer já foi dito pelo doutor Fernando Gomes quando foi ouvido no caso. Exatamente aquilo que eu estou a dizer. E disse mais: disse que eu estava numa situação muito frágil porque tinha oito jogos de castigo. Fernando Gomes disse isso e está escrito.

–  Mas isso nunca foi dito publicamente.

 Não foi e isso deixa-me triste. Realmente, isso deixa-me triste porque todos sabem que esta é a verdade. Minha e dos adjuntos de que falei. Não misturem com o caso do Ilídio [Vale], que isso é outra coisa. O Ilídio nunca esteve ligado à Femacosa, atenção a isso. O Ilídio foi empregado da Federação até 2016. Depois de 2016 fez um contrato semelhante ao que fez a Femacosa… Quando eu e os meus adjuntos fomos para Federação, o Ilídio já lá trabalhava e foi o coordenador do futebol de toda formação até 2016. O que me importa, no fundo, é o que fizemos ao longo daqueles oito anos. Eu tinha um plano claro, que era uma equipa que ganhasse mesmo e depois consolidar esse caminho de vitória, apostando muito naquilo que era o trabalho feito pela formação. O Ilídio Vale era uma peça importantíssima nisto, pois todos os jogadores foram sendo colocados por ele. Nós lançámos 52 jogadores da nossa formação. Não nos podem tirar esse mérito. Tenho dificuldade em ficar zangado com Fernando Gomes, por aquilo que é a relação pessoal que sempre tivemos e porque profissionalmente só tenho que dizer bem. Enquanto estive na Federação fui apoiado a 200 por cento em todas as minhas decisões. Agora, neste caso exclusivo, fiquei muito triste, porque acho que era o mínimo. Uma coisa é fazerem-se comunicados, outra é dizê-lo publicamente.

–  Também já se falou em tornar o contrato público e isso nunca foi feito.

 Quando o quiserem está à disposição. Quando quiserem ver os meus contratos eu estou disponível. Não tenho nada a esconder. E se quiserem ver os outros desde o Estoril também. Sinceramente, estou de consciência completamente tranquila. Nunca falhei com um tostão ao fisco. Nunca. Não devo nada ao fisco.  Na altura em que foi preciso pagar, pagou-se.

–  Quem pagou, o Fernando Santos ou a Federação Portuguesa de Futebol?

–  Em julho 2021 quem pagou foi a Federação Portuguesa de Futebol. Em dezembro repus esse dinheiro na Federação, portanto fui em quem pagou.

–  E em relação aos seus adjuntos?

 A Federação está a pedir-lhes o dinheiro e eles recorreram.

–  Como fica, depois disto, a imagem do Fernando Santos treinador de futebol?

–   Pois, não basta ter consciência tranquila, não é?  Resolve-se quando for dito de uma forma clara que o Fernando Santos não teve rigorosamente nada a ver com isso.  Que se diga de uma vez por todas que este contrato com a Femacosa foi a Federação Portuguesa de Futebol que o propôs. E que o Fernando Santos nunca apresentou um esquema à Federação. Para mim, é pesado. É muito desgastante, principalmente esta falsidade. Eu queria muito ser selecionador de Portugal. Mesmo muito. Era uma oportunidade que eu não esperava perante um cenário de oito jogos de castigo. Acha que alguém dizia que não?

–  Mais recentemente, quando foi para a Polónia, que tipo de contrato fez?

 Igual aos que sempre fiz até chegar à Federação.