Voltaremos a uma final?
HÁ dias este jornal lembrou a famosa mão do angolano Vata que decidiu a favor do Benfica a 2.ª mão da meia final da Taça dos Campeões Europeus de 1989-1990. Foi há 30 anos (18 abril 1990) mas a mim, que presenciei os dois jogos - em Marselha, onde o Benfica foi massacrado e saiu com uma simpática derrota de 2-1, e na Luz - parece que foi ontem. Esse célebre jogo do Vata na Luz foi aliás o tema da minha primeira crónica neste jornal (a 8 janeiro de 2014), três dias depois do adeus do imortal Eusébio. É que o King desempenhou um papel importante nesse jogo. A vinte minutos do início, com a antiga Luz a abarrotar (120 mil), o ambiente estava estranhamente morno tendo em conta a importância da noite. Fosse por que motivo fosse - nervoso miudinho, alguma apreensão face ao desastre exibicional de Marselha - os adeptos benfiquistas estavam demasiado calados para o gosto de Eusébio, senhor de muitas e inesquecíveis batalhas europeias naquele gigantesco estádio. Nessa altura Eusébio assistia aos jogos no relvado sentado numa cadeira (com uma toalha branca à mão); diz quem sabe que sofria imenso e prestava atenção a todos os pormenores. Talvez isso explique o que se passou.
Subitamente, o King levantou-se, caminhou sozinho para o centro do relvado e pôs-se a dar socos no ar, convocando o famoso inferno da Luz. Que respondeu de imediato. 120 mil pessoas começaram a gritar «BEN-FI-CA!, BEN-FI-CA!, BEN-FI-CA!» e a bater cadenciadamente com os pés no cimento, num crescendo operático. O estádio estremeceu de alto a baixo: parecia mesmo um tremor de terra. Os craques do Marselha, ainda no balneário - Jean-Pierre Papin, Chris Waddle, Jean Tigana, Didier Deschamps, Franck Sauzée, Enzo Francescoli e Mozer, entre muitos outros - ouviram o ruído avassalador e devem ter praguejado algo, num desabafo tão humano como a raiva de Eusébio perante o silêncio incompreensível do terceiro anel.
Bom. O jogo não foi famoso e o Benfica, que alinhou com o seguinte onze - Silvino; José Carlos, Samuel, Aldair e Veloso; Paneira, Thern, Hernâni e Valdo; Magnusson e Lima; Vata e Pacheco entraram aos 53’, Chalana, Paulo Madeira e o guarda-redes Dias Graça não saíram do banco - chegou à vitória (1-0) a sete minutos do fim com o tal golo irregular de Vata Matanu Garcia, que apurou as águias, lideradas pela dupla Eriksson-Toni, para uma sétima e última final na Taça dos Campeões Europeus. Que o Benfica haveria de perder no Prater de Viena (0-1) para o SuperMilan de Arrigo Sacchi, Marco van Basten, Rijkaard e Gullit. O irrepetível Milanda.
Foi a antepenúltima edição da Taça dos Campeões, que seria substituída em 1992-1993 pelo formato Liga dos Campeões, uma competição disputada em moldes muito diferentes que se tornaria, com o passar dos anos, cada vez mais difícil, mais exigente e mais elitista. Essa final de Viena seria o canto do cisne benfiquista na mais famosa taça europeia. Nunca mais o clube de Eusébio conseguiu na Champions sequer aproximar-se dos resultados, do peso e do prestígio que teve na Europa entre 1961 e essa final de 1990. Apenas uns brilharetes ocasionais mas nunca passando dos quartos-de-final.
Mas Portugal não ficou órfão: o FC Porto tomou o lugar do Benfica e tornou-se, na era Champions, o indiscutível porta-estandarte português no futebol de elite. Comprovam-no uma vitória (2004), uma meia-final (1994) e oito presenças nos quartos-de-final em compita direta contra as (quatro) melhores equipas das Ligas mais poderosas da Europa (Espanha, Inglaterra, Itália e Alemanha). E isso remete-nos para o dia 4 maio de 2004 no superlotado estádio Riazor na Corunha, onde o FC Porto de José Mourinho conseguiu diante do Depor de Javier Irureta (e Naybet e Duscher…) a última qualificação portuguesa para a final da Champions. Com um golo solitário de Derlei aos 60 minutos (de penálti) a desfazer o nulo do Dragão e um onze com nove portugueses (!) e onze falantes da língua Camões - Vítor Baía ; Paulo Ferreira, Jorge Costa, Ricardo Carvalho e Nuno Valente; Costinha; Maniche, Deco e Pedro Mendes; Carlos Alberto e Derlei; entrariam mais dois portugueses, Bosingwa e Pedro Emanuel, e o sul-africano Benni McCarthy. A final, em Gelsenkirchen, sorriria ao FC Porto: 3-0 ao Mónaco de Didier Deschamps, esse mesmo que saiu de penca murcha do estádio da Luz na última meia final do Benfica.
Voltaremos a ver uma equipa portuguesa na final da Champions?
Bom. Na conjuntura atual em que até há clubes detidos por fundos estatais (City, Abu Dhabi; e Paris SG, Catar) é muito difícil… mas não é impossível. O FC Porto provou-o em 2004 com um onze (na altura) perfeitamente desconhecido na Europa (quem eram Paulo Ferreira, Maniche, Costinha, Nuno Valente, Pedro Mendes, Carlos Alberto, Derlei…?) ; e o Ajax, na época passada, esteve a um segundo da final de Madrid (Lucas Moura cruelmente não permitiu) com uma equipa assente em três miúdos holandeses talentosos e atrevidos (De Ligt, Frenkie de Jong e Donny van de Beek…), um marroquino habilidoso (Zyech) e um trintão sérvio em estado de graça (Dusan Tadic). O próprio Mónaco de Leonardo Jardim (e Moutinho, Bernardo Silva, Mbapée, Fabinho, Lemar, Dirar, Mendy e Falcão) discutiu taco a taco com a Juventus a presença na final de 2017 depois de deixar pelo caminho o Manchester City de Guardiola e o Dortmund de Tuchel.
Passaram 30 anos sobre aquele golo de Vata. O de Derlei foi há dezasseis. Veremos o que nos trás o pós-Covid-19 e a retração de despesas / investimento que inevitavelmente lhe vem apensada. Uma coisa para nós é clara. Os clubes portugueses serão obrigados a investir forte na formação (e no mercado interno) porque não vão ter dinheiro para grandes aventuras e essa é uma boa noticia para o futebol português e para a Seleção Nacional. Já agora: bem sei que o angolano Vata foi o herói há trinta anos, mas reparem que a última equipa do Benfica finalista na Taça dos Campeões alinhava com seis / sete portugueses no onze inicial...