Vista de Almada
Arrisco dizer que a vista que a presidente da Câmara de Almada, Inês de Medeiros, conhecia da cidade antes de se candidatar ao cargo era a do avião na aterragem em Lisboa. Se mo permitem, como almadense, vou também usar este espaço para comentar o que ela disse, esta semana, elogiando a «vista maravilhosa» do Bairro Amarelo, um local pobre do concelho.
Cresci na cidade, conheço-lhe todas as vistas. Algumas são realmente agradáveis: a do Cristo Rei e a da Casa da Cerca. Tudo o resto é horrível: o decrépito terminal de Cacilhas; os armazéns abandonados e os acessos sujos ao Ginjal e ao Olho de Boi; as quintas em ruínas habitadas por vagabundos; os bairros sociais do Monte da Caparica; as barracas da Trafaria e da Cova do Vapor.
De forma evidente, a vista depende sempre da direção do olhar. Mesmo no desporto. Almada é um dos concelhos com mais coletividades, com maior associativismo, porém nos últimos anos as queixas de abandono no setor têm sido frequentes. Há dezenas de clubes a fechar. Outros, enquanto bloqueados pela pandemia, imploraram mensalidades por serviços que nem podiam oferecer; e no recomeço andam a contar cêntimos para manter portas abertas, encerrando práticas, despedindo técnicos. Podemos, então, olhar para este bairro social do desporto de Almada, ou, como também fez Inês de Medeiros, para o encanto da vista, ao instalar na rotunda do Centro Sul, durante quinze dias, um agradecimento em outdoor ao almadense Miguel Oliveira pela vitória no MotoGP. Um orgulho, seguramente - que outra cidade terá um Bola de Ouro, Figo, uma medalhada olímpica, Telma Monteiro, e um vencedor de MotoGP?
Em todo o caso, por inspirador que seja o local, uma vista só é justamente avaliada quando se olha em frente, para a beleza de Lisboa, mas também para trás, para os prédios e pessoas que ficam nas costas.